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Sentidos atribuídos à leitura e/ou escrita por professores

LISTA DE GRÁFICOS

2. Leitura, escrita e autoria: articulações com o ensino de ciências

2.1. Sentidos atribuídos à leitura e/ou escrita por professores

Nesse tópico apresentamos algumas pesquisas que tratam da leitura e da escrita em aulas de ciências, mais particularmente aqueles em que se busca compreender de que forma esses processos são vistos por professores. Destacamos que um grande número de pesquisas se dedica a esse tema.

Andrade e Martins (2006) investigam os discursos acerca da leitura produzidos por professores da área de ciências (Física,

Química e Biologia) de uma escola técnica federal e as implicações para a formação de alunos leitores, tendo como referencial teórico e analítico a análise de discurso de linha francesa. Um resultado bastante relevante se refere à ausência de discussões e reflexões sobre o papel da leitura (no ensino e aprendizagem de ciências), nos cursos de formação inicial e continuada. Essa evidência é explicitada pelos próprios professores investigados. Vinculado a isso, segundo as autoras, está a questão de a leitura ser considerada em aulas de ciências apenas como um modo de buscar informações em textos que possuem sentidos únicos. Segundo as autoras:

As conseqüências dessa lacuna podem estar relacionadas à cristalização de visões reducionistas de linguagem, de leitura e a dificuldades destes professores de incorporar uma variedade de práticas de leitura em suas aulas (ANDRADE E MARTINS, 2006, p.148). Destacamos que apesar da especificidade dos sujeitos envolvidos na pesquisa, a realidade de um grande número de cursos de formação inicial e continuada de professores não envolve a preocupação com questões de linguagem (leitura e escrita, por exemplo), sendo a mesma tratada de forma instrumental e naturalizada. Essa forma de abordagem certamente tem conseqüências no trabalho docente empreendido nas escolas.

Cassiani e Nascimento (2006) realizaram uma investigação com futuros professores de ciências e biologia em que buscam resgatar, juntamente aos licenciandos, “modelos de leituras que possam influenciar sua prática pedagógica”. Ao

67 resgatar as histórias de leitura dos estudantes em formação, por meio de narrativas, as autoras problematizam algumas questões referentes ao papel da leitura no ensino de ciências:

Por que gostamos tanto de ler quando nos apropriamos dessa habilidade e depois, para muitos, a leitura se torna enfadonha, chata, sem prioridade? Como ler em sala de aula? Como perguntar numa interação, seja ela oral ou escrita? Como trabalhar um texto? Como lidar com as diferentes interpretações? Somente textos diferenciados garantem uma leitura diferenciada? Quais textos podem contribuir para a apropriação da leitura? Como podemos trabalhar com estes textos, de forma que possamos contemplar as leituras dos estudantes e suas diferentes vozes? Como trabalhar a escrita de forma lúdica? Como se pode restabelecer uma autoria por parte dos estudantes nos textos escritos nas aulas de Ciências? Por que não podemos utilizar uma escrita marginal dos estudantes nas escolas, como os seus diários? (CASSIANI E NASCIMENTO, 2006, p.107)

Assim, a intenção é não só desnaturalizar as concepções e práticas dos futuros professores frente à leitura e escrita, mas contribuir para a produção de novos olhares sobre o ensinar e o aprender ciências na escola. Outro ponto destacado pelas autoras se refere à presença em algumas das narrativas, de comentários acerca da linguagem de cunho científico, freqüentemente presente em textos (didáticos) de ciências. Segundo alguns dos estudantes, esse tipo de linguagem acaba por desestimular o interesse pela disciplina de ciências na escola. Alguns dos licenciandos apontam inclusive para a importância de se trabalhar com textos alternativos, que não

façam uso de linguagem cientificista, na intenção de contribuir para o ensino e aprendizagem de temas científicos na escola básica.

Em Zimmermann (2008) e Zimmermann e Silva, H.C. (2007), são apresentados resultados de uma pesquisa de mestrado em que se busca compreender as condições de produção do imaginário construído por professores de áreas de ensino distintas (biologia, química, geografia e língua portuguesa) acerca da leitura. A partir de análises de entrevistas realizadas com os professores, os autores apontam que a construção do imaginário sobre leitura desses profissionais está relacionada às memórias enquanto leitores, suas histórias de vida e de formação inicial, a cursos de formação continuada, além das próprias dinâmicas escolares envolvendo a leitura.

Entendemos, juntamente com os autores, que a forma como a leitura (e no nosso caso também a escrita) é abordada na escola, a modo como as práticas discursivas escolares colocam em funcionamento noções de leitura produz efeitos tanto na prática pedagógica do professor, quanto em suas compreensões e posicionamentos diante da questão. Em nosso estudo, evidenciamos movimentos de atribuição de sentidos à leitura na sala de aula de ciências, por parte de professores, que muito dizem sobre a forma como a mesma vem sendo trabalhada na escola.

Os autores ainda apontam que a leitura assume diferentes papéis nos discursos dos professores, desde aquele mais informativo até o de possibilitar o diálogo com os

69 estudantes. Há indícios nos dizeres dos professores entrevistados de que a leitura é bastante valorizada também em aulas de ciências, no entanto, parece haver uma distinção entre o papel desempenhado pela leitura nessas aulas e nas aulas de língua portuguesa. Para os autores essa distinção pode ser relacionada ao modo como os textos de ciências produzem certas expectativas de leitura. Assim, ler textos de ciências, com suas marcas discursivas e intencionalidades de produzir interpretações inequívocas, é bem diferente de ler textos na disciplina de língua portuguesa onde, ao menos desse ponto de vista, as interpretações podem ser mais livres. Existem na escola certas relações estabilizadas com a leitura em ciências.

É interessante notar que mesmo em trabalhos em que há uso de textos diversificados por parte dos professores, ocorre uma delimitação nos modos de leitura. Ou seja, textos diferenciados não garantem uma leitura diferenciada. Questões envolvendo leitura e escrita têm sido abordadas cada vez mais nas escolas, em grande parte das vezes, via cursos de formação continuada. No entanto, o fato de haver preocupação com a leitura e com a escrita não possibilita em si a construção de práticas que busquem compreender o que é ler e escrever na escola e, particularmente, nas aulas de ciências. Geralmente parte-se do pressuposto de que leitura e escrita são importantes, necessárias, parte do trabalho de professores de todas as disciplinas escolares, não só os de língua portuguesa, no entanto, também há um pressuposto de que ler é decodificação de símbolos.

Como destacamos anteriormente a leitura é muito mais relação com a interpretação, que a constitui, do que decodificação. Certamente aprender a reconhecer e significar símbolos é passo importante na construção de leituras, no entanto, acreditamos que não há uma relação direta entre letras/palavras/imagens e sentidos. Segundo Orlandi (1996), no processo de atribuição de sentidos há todo um jogo de filiações a memórias, histórias de leituras anteriores, imaginários, que irão possibilitar e constituir sentidos. O caso que analisamos em nossa pesquisa mostra essa necessidade de se problematizar a leitura e escrita no ensino de ciências, inclusive justificando a importância de se realizarem pesquisas que abordem essas questões.

Se queremos que na escola se formem leitores-autores é fundamental que os professores sejam levados a refletir sobre tais questões. Quando se trata de conhecimento científico essa ausência de discussões e problematizações sobre a linguagem pode trazer diversas conseqüências indesejáveis para a aprendizagem, uma delas está em interpretar a ciência como conhecimento único, inquestionável, infalível, pronto, ou seja, tem como conseqüência o desenvolvimento de visões de ciência neutra, objetiva, que retrata fielmente a realidade e que independe das relações sociais estabelecidas. Daí a relevância de se compreender que sentidos são atribuídos à leitura por parte de professores.

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