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2 TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO

2.1 Algumas pesquisas referenciais da Teoria do Desenvolvimento

As pesquisas levadas a termo por estudiosos ligados à Teoria do Desenvolvimento trouxeram enriquecimentos às questões suscitadas no âmbito da criminologia, algumas das quais se destacando como referenciais e acabando por produzir uma série de desdobramentos nos estudos do campo. Apresentaremos, neste tópico, algumas destas pesquisas, ressaltando seus aspectos de maior importância e seu papel no corpus teórico desenvolvimentista mais amplo.

Um exemplo de considerável importância foi a pequena proporção de relatos de infratores crônicos para a maioria dos crimes reincidentes, identificada por Wolfgang et al. (1972) em sua famosa análise dos dados do Philadelphia Birth Cohort, 9 tendo ocorrido resultados similares em outros lugares, dentro e fora dos Estados Unidos.

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Wolfgang e colaboradores relataram que 18% dos delinquentes eram responsáveis por aproximadamente 52% dos crimes cometidos por aquele grupo. Eles também descobriram que os infratores crônicos tinham maior probabilidade que os infratores não crônicos de não serem brancos; de terem uma classe socioeconômica mais baixa; de apresentarem uma maior mobilidade residencial; de terem QIs menores e escolaridade menor; de exibirem mais problemas de disciplina na escola; de cometerem crimes mais sérios e de começarem a carreira criminosa mais cedo na vida, conforme o constatado pela idade da primeira prisão (Wolfgang et al., 1972).

A investigação criminológica sofreu influência deste estudo pioneiro pela atenção ao subconjunto de infratores crônicos, conhecidos como sérios e violentos. A idéia de que há um grupo distinto de tais infratores, e que este pode ser identificado por prognósticos muito precoces em suas vidas, tornou-se um dos marcos da abordagem desenvolvimentista sobre a carreira criminal (Blumstein et al., 1986 apud Sampson e Laub, 2003, p. 304). Também Sampson (1986) constatou alguma aproximação com essas conclusões no que diz respeito a fatores como raça, mobilidade residencial, supervisão da família, escolaridade, além de coesão nos laços familiares e no grupo de companheiros.

Entretanto, um dos relatos mais influentes sobre o crime foi realizado por Moffitt (1993), que apresentou em Life-Course-Persistent and Adolescence-Limited offenders duas categorias distintas de indivíduos, cada uma delas com uma história natural única de comportamento antissocial durante a vida. Ela defende a ideia fundamental das “trajetórias distintas de desenvolvimento” envolvendo dois grupos de infratores: os persistentes, cuja trajetória está enraizada à existência de diferenças individuais na infância e na pré-adolescência; e os persistentes de vida toda, que começam bem cedo e progridem no comportamento antissocial com o passar do tempo. Esses últimos, embora em menor número, provocam grandes danos quando adultos, e têm raízes etiológicas traçadas segundo fatores de risco da infância, tais como temperamento difícil, QI verbal baixo e autocontrole deficitário.

Considerável número de pesquisas foi dirigido, nas duas últimas décadas, aos subgrupos de infratores com altas taxas de infrações, e a atenção das políticas públicas foi voltada à incapacitação seletiva (Greenwood, 1982 apud Sampson e Laub, 2003). 10 Por outro lado, os “fatores de risco” e o paradigma da tipologia associada se popularizaram no âmbito de políticas públicas a ponto de estas investirem em crianças a partir de oito anos de idade e de capacitarem devidamente os oficiais da justiça criminal a identificar o infrator persistente desde muito cedo. Para Sampson e Laub, contudo, se tais grupos são tão facilmente identificados, certamente deveríamos ser capazes de validá-los prospectivamente.

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Esses estudos culminaram na publicação de um relatório pelo Study Group on Serious and Violent

Juvenile Offenders (Loeber e Farrington, 1998 apud Sampson e Laub, 2003, p. 305), grupo este,

fundado pelo “Office of Juvenile Justice and Delinquency Prevention”. Foram os principais responsáveis pela produção da literatura sobre o risco e os fatores de proteção e informação, na prevenção e estratégias de intervenção, com base no principal argumento de que os infratores juvenis violentos começam a mostrar problemas de comportamento e delinquência numa tenra idade.

Outros críticos da abordagem desenvolvimentista indicam que os fatores de riscos são os mesmos para todos os grupos de infratores, de forma que devem ser desconsiderados como elementos distintos. Entre esses, Hirschi e Gottfredson (1983), apoiados na tese da “invariabilidade da idade”, argumentaram que o crime declina similarmente com a idade para todos os infratores e, assim sendo, a desistência é um “processo geral e universal”. Esse argumento gerou diversas criticas, dentre as quais as críticas metodológicas de Greenberg (1985) e Farrington (1986), dentre outros (apud Sampson e Laub, 2003).

Entretanto, essas críticas foram rebatidas pelos teóricos do desenvolvimento sob a alegação de eles terem se apoiado em dados da amostra representativa relacionada à idade e ao crime, e não nos dados da pesquisa longitudinal, referentes aos mesmos indivíduos, numa porção substancial do curso de vida. Gottfredson e Hirschi (1990), porém, vão além, sob o argumento de que há um único fator de risco (e causa) funcionando – o baixo autocontrole – e que este fator poderia explicar o crime em todas as idades.

Sampson e Laub (2003) apontam ainda que o esforço da pesquisa longitudinal a fim de resolver a questão sobre a idade do crime e o grupo de infratores possui três limitações: a primeira delas seria o fato de que as carreiras criminosas são tipicamente estudadas sobre porções circunscritas no curso de vida; a segunda, que as trajetórias do crime são usualmente identificadas retrospectivamente, com base no resultado, em lugar de serem baseadas prospectivamente nos fatores causais presumidos, com o objetivo de diferenciar os grupos de infratores; e a terceira, de que a incapacitação e a morte não são tipicamente contadas na estimativa de desistência de indivíduos até a morte. O fato é que existe uma escassez de estudos longitudinais acompanhando os indivíduos até a idade adulta (Mccord, 1980; Farrington, 2002 apud Sampson e Laub 2003) de forma que a tese da idade/crime não foi ainda testada entre os mesmos indivíduos.

Outra crítica comum diz respeito às questões de mortalidade e encarceramento, que são grandemente negligenciadas no pensamento recente sobre as infrações persistentes e a desistência do crime. A informação sobre morte é crucial para identificar mais precisamente quem desistiu do crime, comparado com aqueles que não têm registros criminais devido à morte (Sampson e Laub, 2003). Alguns especulam, ainda, que infratores criminosos com altas taxas de infração morrem mais cedo e experimentam mortes mais violentas, comparados aos

infratores com baixas taxas. Reiss (1991 apud Sampson e Laub, 2003) se referiu a eles como sendo “desistentes falsos”.

Outro fenômeno de preocupação é a incapacitação, uma vez que os ofensores sérios, com altas taxas de crimes, têm mais probabilidades de serem encarcerados quando comparados aos infratores com baixas taxas. A negligência no tocante ao tempo de encarceramento, ao avaliar as trajetórias de infrações, pode ter consequências metodológicas importantes. Por exemplo, Piquero e colaboradores (2001 apud Sampson e Laub, 2003) usaram dados da California Youth Authority e descobriram que, “sem o tempo de encarceramento, 92% da amostra pareceu estar numa trajetória de desistência lá no final dos seus 20 anos de idade. Uma vez que se somou o tempo de exposição ao modelo, 72% da população mostraram um padrão de desistência” (Sampson e Laub, 2003, p. 306).

Todas essas questões permanecem em aberto, assim como as reflexões sobre suas possíveis aplicações em políticas públicas, de forma que esses estudos necessitam ser retomados e podem servir de base, ainda, ao desenvolvimento de inúmeros outros projetos de pesquisa que, a partir deles, avancem em relação a possíveis soluções para o tema.