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3 TEORIAS DA TRAJETÓRIA DO CRIME

3.2 Os motivos para destacar o trabalho dos Gluecks

Essa revisão dos trabalhos dos Gluecks por Laub e Sampson teve seu início em 1986, quando Sampson se deparou com grossos volumes empoeirados, no porão da Universidade de Harvard, que apresentavam tanto a correspondência entre Sutherland e os Gluecks, quanto dados de pesquisas do casal. Após iniciar o

exame dessas preciosidades, Sampson não só escreveu, em 1991, o texto “The Sutherland-Glueck Debate: On the Sociology of Criminological Knowledge”, como se viu atraído pelas ideias e procedimentos metodológicos dos Gluecks em seus estudos da trajetória do crime.

Assim, desde 1987, Robert J. Sampson, da Harvard University, e John H. Laub, da University of Maryland, têm recodificado e re-analisado dados de pesquisas longitudinais dos Gluecks – e também de Sheldon – referentes à delinquência juvenil e ao crime adulto, com o intuito de examinar o desvio na infância, na adolescência e na fase adulta, tendo por objetivo reconhecer o significado da continuidade e da mudança no curso de uma vida (Laub et al., 1995).

A partir dessa investigação, Laub e Sampson descobriram o significativo papel dos Gluecks no tocante às causas e à metodologia do crime, além do persistente debate no âmbito da disciplina e do papel do método científico no mesmo. Destaca-se, na produção dos Gluecks, a obra Harvard Crime Survey, “One Thousand Juvenile Delinquents” (1934), que pode ser vista como um dos primeiros modelos de investigação científica nas ciências sociais (Laub e Sampson, 1991).

Com uma carreira de 40 anos em Harvard Law School, o casal Glueck produziu o maior banco de dados relacionados ao crime e à delinquência já existente, focalizando uma amostra de jovens que havia sido indicada pelo tribunal juvenil de Boston à Judge Baker Foundation, o tribunal clínico existente na época. Os resultados dessa pesquisa foram publicados em One Thousand Juvenile Delinquents (1943) e uma análise do acompanhamento desta amostra resultou, dez anos mais tarde, no Juvenile Delinquents Grown Up (1940). Outro trabalho dos autores se refere aos 17 anos em que os Gluecks conduziram Unraveling, que resultou na publicação de Delinquents and Nondelinquents in Perspective (1968).

A abordagem metodológica dos Gluecks no estudo do crime pode, assim, ser categorizada como uma perspectiva longitudinal e comparativa, uma vez que os mesmos, ao dedicarem-se ao estudo de criminosos sérios e persistentes, enfatizaram as pesquisas prospectivas longitudinais e de acompanhamento, incluindo, quando possível, grupos de controle para propósitos comparativos com ênfase na carreira criminal (Laub e Sampson, 1991).

Eles destacaram, também, a importância de pesquisas sobre a formação, o desenvolvimento e o término de carreiras criminosas, assim como indicaram que as causas da iniciação no crime eram distintas das causas de continuidade e dos

processos de desistência do mesmo (Glueck e Glueck, 1930, 1934b, 1945 apud Laub e Sampson, 1991, p. 1409). Ao longo de suas pesquisas, mostraram a importância de que sejam coletadas fontes múltiplas de informação (pais, professores, autorrelatos) em adição aos registros oficiais de delinquência. Além disso, identificaram questões metodológicas de relevância e quatro características substantivas no tocante à criminalidade, as quais serão apresentadas a seguir.

3.2.1 Alguns achados seminais dos Gluecks

Entre os achados substantivos dos Gluecks destaca-se a importante relação entre idade e criminalidade: eles argumentaram que a idade de início na atividade criminosa era o fator-chave da questão, em termos de etiologia e política, e que as carreiras criminosas começavam numa idade bem precoce. Eles demonstraram também que o crime declina substancialmente com a idade, isto é, à medida que a população de infratores envelhecia, sua taxa de crime declinava. Além disso, mesmo entre aqueles que continuavam no crime, a seriedade das infrações diminuía. Os pesquisadores procuraram entender a curva da idade e do crime, em termos de mudança relativa à maturidade, apresentando dados que têm sido redescobertos e confirmado pelas pesquisas atuais.

Sua pesquisa revelou, também, a estabilidade dos padrões dos delinquentes durante o ciclo vital: eles argumentaram que, segundo os dados apresentados,

sem dúvida nenhuma, em todas as atividades de vida consideradas nesta investigação, os homens que quando rapazes englobavam nossa amostra de delinquentes juvenis continuaram na carreira, marcadamente divergente daqueles que, quando jovens, foram incluídos nos grupos de controle dos não delinquentes (Glueck e Glueck, 1968 apud Laub e Sampson, 1991, p. 1410).

A hipótese dos Gluecks com respeito à estabilidade do desvio também se tornou um grande ponto de aproximação com aqueles que advogam uma perspectiva sociológica da criminologia.

De acordo com os Gluecks, a família era o fator mais importante que distinguia os delinquentes dos não delinquentes no início da vida. Nesse sentido, eles desenvolveram uma escala de previsão de delinquência, centrada nas mais variadas práticas disciplinares da família, como supervisão parental e apego dos filhos aos pais. Nessa escala, as famílias que apresentavam disciplina negligente, combinada à punição distorcida e ameaçadora, à ausência de supervisão e aos laços emocionais fracos entre pais e filhos, foram as que tiveram maior probabilidade de delinquência. Embora o foco na família fosse se tornar extremamente impopular na sociologia durante os anos 1950 e 1960, ele era um dos interesses principais dos Gluecks.

Deve-se aos Gluecks, também, e apesar das divergências teóricas com inúmeros pesquisadores, a proposição seminal do paradigma da carreira criminosa, reconhecida até mesmo pelos críticos mais resistentes a ele. Uma de suas maiores contribuições à criminologia foi, entretanto, a hipótese da estabilidade do crime e do desvio durante a vida: diferentemente de Sutherland, que viu “a criminalidade como um construto em constante mudança dependente das influências sociais”, os Gluecks “documentaram a estabilidade relativa das diferenças entre indivíduos no crime” (Gottfredson e Hirschi, 1988 apud Laub e Sampson, 1991, p. 1431).

Em termos metodológicos, os Gluecks foram pioneiros na coleta de dados longitudinais em larga escala e também na realização do acompanhamento de criminosos por um longo período de tempo, assim como no estudo da duração da carreira e em sugerir a política de incapacitação seletiva.