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Segundo o interacionismo simbólico e a fenomenologia, entende-se por significação a capacidade das pessoas de responderem aos apelos do mundo de forma ativa e crítica, e de interagir com o mundo como “ele é”. À sociologia cabe capturar, entender e reproduzir tais ideias, examinando a interação entre as pessoas e analisando os processos e estruturas que as gera. Dessa forma, “a sociologia se torna o estudo das pessoas, das relações e práticas como processos simbólicos e simbolizadores” (Rock, 2007, p. 28).

Essa ideia resume-se

(...) na capacidade da consciência de traduzir-se em seu próprio objeto. As pessoas são capazes de pensar sobre si mesmas, definir- se de vários modos, brincar com identidades diferentes e projetarem-

se imaginativamente de qualquer modo numa situação planejada. (Rock, 2007, p. 28-9).

As pessoas podem, assim, simbolicamente tomar distância de si mesmas para que avaliem como é sua própria aparência, para fazer o papel do outro e ainda gestar comportamentos – ou mesmo manipulá-los – segundo a intenção. É também possível que elas, pela prospecção, antecipem prováveis respostas diante de determinadas situações ou dirijam seus próprios atos em uma dada direção.

Mas o veículo que possibilita de maneira mais complexa que se compacte simbolicamente os mundos sociais através da ação é a linguagem. A linguagem permite a duplicidade de papéis às pessoas, abrindo suas mentes para a ação reflexiva. Através da nomeação, a linguagem torna as pessoas capazes de partilhar significados morais e sociais, intenções e identidades, assim como relacionar estes aos seus próprios motivos e aos motivos dos outros (Mills, 1940; Sykes e Matza, 1957; Scott e Lyman, 1970; apud Rock, 2007, p. 29). Nomear, portanto, é uma faculdade que pode auxiliar na criação de um “eu”: a linguagem traz consequências que afetam não somente a forma como a pessoa se vê e a posição que ocupa – ou julga ocupar – no mundo, mas também a maneira pela qual a pessoa quer ser tratada pelos outros.

No tocante à nossa temática específica, tanto o interacionismo simbólico quanto a fenomenologia priorizaram processos pelos quais os atos anormais e as identidades são construídos, interpretados, julgados e controlados (Katz, 1988). Tornar-se um usuário de marijuana, por exemplo, requer um processo de aprendizagem que envolve diversas etapas, até que se alcance o domínio e a interpretação satisfatória de algumas técnicas capazes de neutralizar seu uso e de gerar imagens capazes de moralizá-lo diante daqueles que desaprovavam seu uso.

Nesse sentido, as pessoas constroem estratégias diferentes ao longo da vida, segundo suas próprias experiências armazenadas. E a linguagem, ao possibilitar nomear, conferir e adequar os significados desses distintos comportamentos, juntamente com o interacionismo simbólico e a fenomenologia, constituem o que no campo da criminologia é conhecido como “teoria do rótulo”. Becker, responsável por uma das passagens mais citadas na criminologia, prediz “a anormalidade como uma consequência da aplicação por outros, de regras e sanções a um „infrator‟” (Becker, 1963, p. 9 apud Rock, 2007, p. 30). O desviado é, pois, aquele a quem este rótulo foi aplicado com sucesso – compreende-se por

comportamento anormal, assim, aquele comportamento assim rotulado pela sociedade.

Mas nem sempre os atos anormais são testemunhados ou relatados, e, além disso, as pessoas podem resistir ou criar formas para modificar as tentativas de aplicação de rótulos. Porém, quando a definição é oriunda, por exemplo, de um encontro com agentes do sistema de justiça criminal, criminosos e desviados são forçados a se confrontar não somente com suas reações defensivas, mas também com as reações de terceiros diante de suas atitudes. Nesse sentido, eles podem se debater publicamente com as reações formais de outras pessoas, de forma que seus desvios se tornem uma resposta a esse contexto simbólico e de linguagem – um “desvio secundário”.

O desvio secundário, assim, pode ser visto como uma síntese simbólica que incorpora os mitos, o profissional, o conhecimento, os estereótipos, a experiência advinda de diferentes áreas na relação com o comportamento criminoso ou desviante. Trabalhos com usuários de drogas, pacientes mentais e homossexuais, entre outros, podem, portanto, ser explicados “tanto pela incorporação simbólica duma resposta pública, quanto por qualquer conjunto de condições originais e o controle será escrito no próprio tecido do eu” (Rock, 2007, p. 30).

Esta perspectiva tem sido adotada pelo Estado também no campo de aplicação de políticas restaurativas do comportamento do criminoso, apoiadas no trabalho de Braithwaite (1989, apud Rock, 2007, p. 30-31), na tentativa de unir o controle informal da vergonha impingida ao criminoso por pessoas importantes a rituais de reintegração, visando com isso alterar as consequências alienantes do desvio secundário. Essa prática apoia-se na variável crítica da descontinuidade do crime e na crença da capacidade de um ex-interno de construir uma nova narrativa de vida, centrada na edificação de um novo eu (Maruna, 2001 apud Rock, 2007, p. 31).

1.7.1 Cultura e subcultura

Qualquer grupo social que tem permanência tem a probabilidade de engendrar, herdar ou modificar uma subcultura, pois que os significados e motivos

são realizações sociais. Contudo, o interesse dos criminologistas recai sobre as subculturas que consentem, promovem ou tornam possível a perpetração dos atos delinquentes, de forma que a ênfase analítica dos estudos tendeu a ser sobre a dependência, em lugar de sobre o conflito ou a autonomia simbólica.

A teoria da subcultura, no entanto, é permeável a combinações diversas, em proporções distintas, com alguns materiais de amplo alcance da criminologia, dos quais contemplaremos alguns a seguir. A teoria da anomia, por exemplo, “forneceu a suposição de que as desigualdades sociais geram problemas que podem ter soluções delinquentes”, uma vez que elas são compartilhadas e transmitidas pela convivência de pessoas com desvantagens em comum (Rock, 2007, p. 31). Por outro lado, o autor do termo subcultura delinquente, Albert Cohen, argumentou que a condição crucial para a emergência de novas formas culturais é a existência, na interação efetiva com outro, de um número de atores com problemas similares de ajuste (Cohen, 1957 apud Rock, 2007). David Matza – e outros representantes da teoria do controle –, inspirado na ideia de “subcultura da delinquência”, discutiu a maneira como as prescrições morais poderiam ser neutralizadas por invocarem relatos transmitidos culturalmente. Também a teoria da associação diferencial, advinda da antropologia social da Escola de Chicago, deu ênfase

(...) às tradições culturais duradouras, inteligíveis e localmente adaptadas, compartilhadas tanto pelos criminosos profissionais quanto pelos rapazes que viveram e brincaram juntos em ruas apinhadas de áreas moralmente diferentes (Cohen, 1957 apud Rock, 2007, p. 31).

A teoria da subcultura prevaleceu até os anos 1960, ressurgindo na década seguinte sob nova aparência, ao se alinhar à criminologia radical, essa última particularmente voltada às questões da reprodução das desigualdades de classe por meio dos trabalhos da ideologia. Seu surgimento na Inglaterra, a partir de então, deveu-se ao renascimento da teoria subcultural da anomia e à especial atenção de um grupo de pesquisadores da Universidade de Birmingham, centrados em Stuart Hall, e voltados para os apuros existenciais de homens jovens da classe trabalhadora no que dizia respeito a sua entrada no mercado de trabalho.

Na contemporaneidade, há fortes sinais de uma reaproximação entre os estudos culturais críticos, o interacionismo simbólico (Becker e Mac Call, 1990 apud

Rock, 2007, p. 32-33) e a criminologia radical, dando origem a uma nova criminologia teoricamente híbrida e cultural, que enfatiza o significado alcançado pela transgressão em um mundo fluido, pluralístico e hedonista.