• Nenhum resultado encontrado

A sociologia criminológica tem se prestado a um processo contínuo de construção e reconstrução, servindo-se de conteúdos e teorias de outros campos com os quais tem trabalhado, elaborando contrastes e experimentações. Pelo que vimos apresentando ao longo deste capítulo, podemos concluir que a criminologia tem persistido graças à insistência de diversos pesquisadores e teóricos em prover uma disciplina eclética, marcada assim pela abundância de superposições teóricas, por sínteses e contradições. Dessa forma, sob a influência do modismo intelectual na sua disciplina-mãe, tem-se como resultado que “quase toda grande teoria na sociologia foi alimentada em alguma forma da criminologia, passando por adaptação e correção no processo, e ocasionalmente ficando muito distante de suas raízes”. (Rock, 2007, p. 33).

De fato, nesse processo de importação de ideias e de um trabalho extensivo com as mesmas é possível que ocorra a incorporação de elementos e pensamentos que vão além de seus limites originais, de forma a fornecer contribuições significativas ao próprio campo do qual as ideias forma importadas, no caso a teoria sociológica. Dentre as perspectivas que apresentam maior amplitude de produção e que crescem também em sofisticação e adequação ao ambiente especial da criminologia, temos como exemplos a anomia, a concepção interacionista simbólica do self e do mim e o feminismo (Rock, 2007).

Nesse contexto, tem-se que a criminologia é definida, principalmente, por seu apego à área empírica, uma vez que é o estudo do crime que dá unidade, ordem e especificidade ao empreendimento. Entretanto, o exame do crime por diferentes profissionais, advindos de distintas áreas do conhecimento – dentre os profissionais que se autodenominam criminologistas, há psicólogos, estatísticos, advogados, economistas, antropólogos sociais, sociólogos, analistas políticos e psiquiatras –, pode levar ao emaranhamento de perspectivas oriundas de

convenções e teorias de seu próprio campo disciplinar, enfraquecendo assim as fronteiras das disciplinas-mãe. Tal situação, se bem conduzida, pode levar à formação de novos híbridos intelectuais que enriqueçam a reflexão.

No campo sociológico, mais especificamente, o desenvolvimento da criminologia tem sido marcado por continuidades e descontinuidades nas últimas décadas, podendo mesmo ser representado como uma sucessão e intercâmbio entre diferentes escolas e disciplinas, as quais nem sempre dialogam de forma profícua. Entretanto, tomando-se os devidos cuidados, as distintas teorias sociológicas estão abertas à união contínua, à medida que o trabalho prático da criminologia o demanda e, neste processo, podem ser encontradas grandes oportunidades para a inovação teórica.

Sem dúvida, seria pretensioso antecipar o futuro dessas teorias criminológicas, uma vez que sua brevidade parece aliada à duração de determinadas gerações de intelectuais, o que faz com que persista um grande trânsito de teorias, com o surgimento de novas perspectivas ou o retorno de algumas velhas. Nesse sentido, a criminologia permanece como uma disciplina substancialmente definida, que tende a não reter sistemas construtores intelectuais, pois que apresenta uma marca indelével de quase todas as grandes teorias, ainda que com caráter transitório e pouca durabilidade.

Diante desse contexto conceitual, há que se destacar três fatos. O primeiro deles é que as preocupações da criminologia centram-se nas propriedades sistêmicas maiores da sociedade, o que propicia certa unidade ao seu campo investigativo. O segundo é a crescente influência do governo que, com seus recursos, procura dar forma ao trabalho criminológico, principalmente na América do Norte, o que tem gerado algumas formas e conteúdos específicos à disciplina. Por fim, ressalte-se a preferência da área pelos dados estatísticos, e mesmo a necessidade dos mesmos, em face da aparência de exatidão e controle do campo, bem como pela urgência de planejamento e financiamento do Estado para organizar o controle e a regulação da sociedade em função de políticas preventivas e/ou ligadas às ações do judiciário (Rock, 2007).

Este último aspecto fez com que, nos últimos 20 anos, tenha ocorrido uma vasta expansão da pesquisa quantitativa em criminologia. Se, antes disso, os periódicos em que se publicavam pesquisas na área apresentavam uma grande variedade de artigos que incluía desde a pesquisa quantitativa e qualitativa até os

argumentos teóricos e políticos, hoje as publicações mais frequentes são as que apresentam resultados de pesquisas quantitativas (Sampson e Laub, 2005).

Outro importante ponto a se destacar é a distinção que têm alcançado a escolha racional e as teorias de controle no campo aplicativo de estratégias de pequena escala, econômicas e simples, que podem fazer “algo” no tocante ao crime: jungidas à economia, estas teorias podem emprestar algo da autoridade intelectual poderosa que esse campo exerce nas ciências sociais (Rock, 2007).

Da mesma forma a criminologia feminista ganha aporte nas pesquisas em questão, ao apresentar o crime como uma questão de gênero, muito embora a produção intelectual que analisa essa conexão entre gênero e crime ainda não tenha sido completamente explorada. Nesse sentido, as mulheres estão aderindo em números cada vez maiores ao corpo de pensadores dedicados à criminologia social, e o aumento de criminologistas feministas (Gelsthopre e Morris, 1988 apud Rock, 2007, p. 35) indubitavelmente sustenta esse trabalho de gênero, controle e desvio.

O papel a ser representado pela criminologia sociológica volta-se portanto, sobretudo, ao estudo etnográfico de práticas significativas, numa perspectiva que foi ricamente suprida pelos aportes trazidos à área pelo interacionismo simbólico e pela fenomenologia.

Muito embora seja evidente que “uma criminologia sem uma visão mais ampla do processo social seria deformada, uma sociologia sem a concepção de infringir a lei e o controle seria uma disciplina estranha” (Rock, 2007, p. 36). Há, pois, a expectativa de que a criminologia continue a contribuir com sua própria análise, distinta do mundo social mais amplo, indo além de um nexo fortemente definido de relações entre criminosos, legisladores, advogados e agentes de reforço.

Conforme Jones,

(...) é curioso que, ao mesmo tempo em que os modernos sociólogos batalham para expandir suas imaginações e assim desenvolver novas idéias para explicar as complexidades do comportamento humano, não há nada de que sejamos mais ignorantes do que a natureza do processo pelo qual tais idéias emergem, são recebidas, crescem, mudam e no final das contas são suplantadas (Jones, 1977 apud Laub e Sampson, 1991, p. 1435).

Assim, é possível que se preveja tanto a continuação das variadas interrelações entre os diversos campos científicos quanto a constituição inovadora

da sociologia criminológica, uma vez que a transdisciplinaridade entre tais campos acadêmicos trabalha a partir da ação comunicativa dialogal, em busca do movimento dialético entre o uno e o múltiplo, entre o local e o global, no exercício de explicar o contexto, as teorias e a ações humanas que permeiam a criminologia como área de centralidade da sociologia.

As dimensões de desenvolvimento social, econômico e político da globalização exigem um novo compromisso ético da sociologia e da criminologia, que significa aprimorar o conhecimento sociológico em suas múltiplas dimensões científicas. Isto sugere novas posturas investigativas e a inclusão de políticas, metodologias, teorias e tecnologias que expressem as tramas sociais que explicam e controlam o crime na dinâmica da sociedade pós-moderna (Bauman, 1998).

A partir desse desenho introdutório das teorias sociológicas contemporâneas do controle do crime torna-se imprescindível discutir, também, as teorias agrupadas como teorias desenvolvimentistas do crime, devido à sua proveniência de pesquisas dos campos da biologia e da psicologia social, tendo seus principais representantes em Farrigton (2007), Smith (2007) e Moffitt (1993), dentre outros. A esta discussão se seguirá a reflexão sobre uma concepção mais avançada, denominada integralista, oriunda de Laub e Sampson (1993) e Sampson e Laub (2003), tendo como foco os estudos dos mesmos, há mais duas décadas, sobre a trajetória do crime no curso de vida.