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4 JUVENTUDE E VIOLÊNCIA NA SOCIEDADE BRASILEIRA

4.1 Juventude e a droga

Sem dúvida, como já indicaram muitos autores, a associação entre juventude e crime violento trata-se de um problema contemporâneo (Peralva, 1992, 1996b, 2002; Zaluar, 1995, 1999, 2007; Adorno, 2002; Misse, 1999). A sociedade se vê diante de violações persistentes aos direitos civis, da ineficácia do sistema de justiça na articulação de ações políticas de cunho social e preventivo e de políticas desprovidas de um debate civil na área de segurança pública, o que se traduz em inércia institucional.

Não restam dúvidas de que, com disseminação da cocaína, os problemas mudaram de configuração: a quantidade de dinheiro, a melhor qualidade da droga, a quantidade do armamento e a juvenização do grupo ligado a esse negócio, aspectos complementados por regras de lógica de gestão empresarial.

Posteriormente, observa-se a entrada, disseminação e consumo do comércio do crack, droga vendida a varejo e que conquista seu lugar inaugural junto às classes populares mais pobres e jovens, ganhando simpatizantes rapidamente, e se transformando em importante fator de risco da violência urbana (Sapori, 2010). Ainda que seu público alvo seja composto por adolescentes e jovens, atingindo em menor número as crianças, na atualidade o crack já se propagou para as classes mais ricas e para os adultos. Ao que tudo indica, os índices de violência gerados pelo crack se devem, principalmente, ao comércio da droga, e não ao efeito que ela gera no viciado (Sapori, 2010). Conforme o autor, são essa venda pulverizada e o alto índice de “revendedores-consumidores” que acabam tornando a cadeia de venda da droga tão letal. Normalmente, o vendedor-usuário do crack acaba, de uma hora para outra, se tornando um devedor, e nessa cadeia, se ele não paga, entram a força física, a arma de fogo e as mortes. A cadeia de venda torna-se, assim, uma cadeia de mortes e de violência (Sapori, 2010).

A favela é percebida como o locus do tráfico, o lugar da venda e da luta pelo “butim”, mas os consumidores são da cidade (Peralva, 1996b). Se inicialmente o negócio procede da sedução via dinheiro, poder e participação, na atualidade o engajamento no tráfico se viabiliza como uma das formas de equacionar a relação entre a cidade e a favela para o jovem favelado. A capacidade de mobilização de recursos sem precedentes, com penetração fácil em um mundo que se percebeu sempre à margem, tem possibilitado mudanças no modo de os jovens perceberem a si próprios e ao outro. Para Peralva (1996b), se pequeno o grupo que se vincula ao trafico, é justamente pelo fato de as condições dessa escolha se inscreverem em sua história pessoal.

Dessa forma, a droga estabelece um jogo duplo, de uma inscrição ainda por se completar, o jogo da vida e da história pessoal de cada indivíduo como ser social. Ao mesmo tempo, a realidade dos fatos tem uma ótica perversa, autoritária, na qual o discurso está na fala do outro, na condenação da prova, enquanto a sociedade se desocupa de tratar seus males criticamente, buscando saídas e assumindo responsavelmente: se há tráfico, há sobretudo o dependente de droga;

logo, a dupla relação perversa é constituída (Peralva, 1996b, 2002; Zaluar, 2007). A marginalização do criminoso não nos faculta descriminalizar o consumidor da droga. A sociedade tem que amadurecer o que quer e como operar na socialização dos direitos civis promulgados no simbólico e distanciados da prática contumaz.

Paralelamente, predomina o extermínio de jovens do sexo masculino, eliminados tanto na luta de grupos contra grupos, em nome da honra e do poder, quanto nos confrontos com a polícia ou sob a mira de justiceiros (Adorno, 2006; Zaluar, 2007).17 Dessa forma, a falta de investimentos nas agências de segurança e

no aprimoramento de seus quadros tem replicado na ineficácia do sistema de justiça e na viciação de ações marcadas pelo controle violento da criminalidade, discriminação de um clientelismo constituído por pobres, negros, pardos e moradores de favelas, fato que tem sustentado altas taxas de contenção e de privação de liberdade a esse grupo (Adorno, 2006; Zaluar, 2007).

Em contrapartida, o policiamento tem se mantido ineficaz em controlar os membros de seus próprios quadros, fator ao qual se agrega uma atitude indulgente com a criminalidade das classes de maior poder aquisitivo, o que concorre com o aumento da criminalidade violenta, acrescida da impunidade. Tal conjunção de fatores tem contribuído para aumentar a descrença, o desamparo da população e o risco da vitimização, além de ter propiciado a especialização do crime (Souza, 2003). Zaluar (1985) presume que a correlação entre marginalidade e criminalidade seria muito diferente se o Código Penal dedicasse maior atenção aos chamados “crimes de colarinho branco” e se o sistema de justiça criminal agisse contra seus autores com os mesmos graus de liberdade empregados na repressão aos criminosos de classe baixa. Também Ratton et al. (2006) traz novos enriquecimentos com seu estudo sobre homicídios dolorosos na construção social de incriminação dos sujeitos.

Em face da gravidade desses problemas, pesquisadores como Edmundo Campos Coelho, Luiz Paixão, Alba Zaluar, Sergio Adorno, Kant de Lima, Claudio Beato Filho, Nancy Cárdia, Julita Lemgruber e Gláucio Dillon Soares, dentre outros, não pouparam esforços em apontar a ausência de políticas públicas efetivas na área

17 O fato de o comércio de drogas ser considerado o setor ilegal da distribuição de bens e serviços do que se denominou consumo maciço de estilo parece ter favorecido igualmente o aumento exponencial verificado em certos crimes contra a propriedade (furtos e roubos) e contra a vida (agressões e homicídios) (UNDCP, 1997 apud Zaluar, 2007, p. 34).

de Segurança Pública, bem como sua consequência para a sociedade e para o mundo do crime.

O certo é que uma sociedade pluralista, lidando com grande diversidade e complexidade de âmbito econômico, social e político, resulta no enfraquecimento do controle social, o que acaba por afetar as restrições morais convencionais. Presume- se que a ineficácia da lei, e o fato de as regras controladoras concretizarem-se mais no fator externo advindo das funções policiais de vigilância e aplicação da lei, abriu espaço para o florescimento de uma cultura indulgente para com as práticas ilegais. Nesse viés, Zaluar (2007) argumenta que nos espaços em que a polícia não se encontra, a prática dos valores acaba por recair no individualismo ou na força pessoal, e não numa perspectiva de coletivo, baseada no bem-estar de toda a sociedade.

Essa discussão não se esgota, e far-se-ia necessário ainda aludir à necessidade de investimento nos diversos setores primários da sociedade, como educação, emprego, planejamento familiar, direito fundiário, formação cidadã, sistema de saúde e melhor distribuição de renda, fatores responsáveis pela complexa diversidade dos indivíduos que coletivizam a realidade (Peralva, 2002).