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CAPÍTULO 1: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.8 Alguns aspectos que envolvem a metacognição

Nesta Seção, intencionamos apresentar o nosso entendimento sobre metacognição, sem ter a pretensão de esgotar o assunto, a fim de evidenciar em que nos fundamentamos para tratar da metacognição nesta Tese.

Na literatura da psicologia, há uma ampla discussão sobre o conceito de metacognição. Autores como Campione, Brown e Ferrara (1982 apud NEIMARK; DE LISI; NEWMAN, 1995) e Flavell (1981a, 1981b) referem-se à metacognição como o conhecimento do próprio conhecimento (dos processos cognitivos e de suas formas de operação) e como controle do comportamento que envolve a sua observação e manutenção. Em contrapartida, foi possível observar em Ribeiro (2003) que Cavanaugh e Perlmutter (1982)43 consideram metacognição apenas como o conhecimento que o sujeito possui sobre seus processos cognitivos e que Lefebvre-Pinard e Pinard (1985)44 ressaltam somente o controle do comportamento.

Entendemos, baseados em Flavell (1981a, 1981b), Nelson e Narens (1996) e Sternberg (2000), que a definição de metacognição abrange dois aspectos: a

monitorização do progresso cognitivo e o controle do comportamento. O primeiro trata

da capacidade que o sujeito possui para dirigir sua compreensão e avaliar o que foi aprendido. É ela quem faculta, por exemplo, o ato de planificar, selecionar, enfatizar, correlacionar e organizar. Assim, diz respeito ao conhecimento sobre o conhecimento, onde há tomada de consciência dos processos cognitivos e das competências necessárias para a realização de uma tarefa. Flavell (197945 apud RIBEIRO, 2003, p.111), compreende este aspecto como:

[...] o conhecimento ou crença que o aprendiz possui sobre si próprio, sobre os fatores ou variáveis da pessoa, da tarefa, e da estratégia e

43 CAVANAUGH, J. C.; PERLMUTTER, M. Metamemory: A critical examination. Child Development,

53, p.11-28, 1982.

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LEFEBVRE-PINARD, M.; PINARD, A. Taking charge of one.s cognitive activity: A moderator of competence. In: E. Neimark; R. de Lisi; J. Newmam (Orgs.), Moderators of competence. Hillsdale, N.Y.: Erlbaum, p.191-212, 1985.

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FLAVELL, J. H. Metacognition and cognitive monitoring: A new area of cognitve-developmental inquiry. American Psychologist, 34(10), 906-911, 1979.

sobre o modo como afetam o resultado dos procedimentos cognitivos. Contribui para o controle das condutas de resolução, permitindo ao aprendiz reconhecer e representar as situações, ter mais fácil acesso ao reportório das estratégias disponíveis e selecionar as suscetíveis de se poderem aplicar. Permite, também, avaliar os resultados finais e/ou intermédios e reforçar a estratégia escolhida ou de a alterar, em função da feitura de avaliações.

A monitorização abrange, por exemplo, o conhecimento que o sujeito possui sobre a natureza e os critérios de uma tarefa, assim como sobre as estratégias utilizadas para a efetivação da mesma. Ou seja, o sujeito possui a capacidade de reconhecer se a tarefa é ou não familiar, se está ou não bem organizada e se é difícil ou não. Assim, sabendo das características que a envolvem, o sujeito se esforça de forma proporcional a sua exigência. Este esforço envolve o uso de estratégias para a efetivação da referida tarefa, contudo, não bastará apenas tê-la e utilizá-la, mas também conhecer a sua especificidade e eficácia, sabendo adequá-la aos seus objetivos. Nesse sentido, Figueira (2003), baseada em Fry & Lupart (1987)46 e Flavell (1987)47, comenta que

[...] Para dirigir e regular a sua própria cognição, o indivíduo tem de se conhecer a si próprio como processador de informação, isto é, ter consciência das suas características (por exemplo, saber que aprende melhor se ler em voz alta), conhecer as exigências da tarefa, isto é, a sua especificidade e finalidade e, de acordo consigo próprio e com a tarefa, escolher a estratégia que melhor conduza aos objectivos pretendidos. (FIGUEIRA, 2003, p.4).

Em Síntese, este aspecto consiste em impressões e percepções conscientes que podem ocorrer antes, durante ou após a realização de uma tarefa. É através da capacidade da monitorização que o sujeito avalia suas dificuldades, suas incompreensões e sentimentos e, consequentemente, desenvolve meios para lidar com tais situações.

O segundo aspecto que o conceito de metacognição contempla é o controle do nosso comportamento, de nossa postura, frente a uma tarefa proposta. Ribeiro (2003) destaca que, em geral, não se faz distinção entre controle e autorregulação48, visto que ambos os movimentos partem da observação do próprio comportamento e de sua

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Fry, P. S. & Lupart, J. L. Cognitive processes in children's learning. Springfield: Charles C. Thomas, 1987.

47 Flavell, J. H. Speculations about the nature and development of metacognition. In F. E. Weinert, & R.

H. Kluwe (Eds.), Metacognition, motivation and understanding (pp. 21-29). Hillsdale: Lawrence Erlbaum Associates, 1987.

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Na literatura existem alguns autores que fazem distinção entre autorregulação e controle. Para eles, é a autorregulação que possibilita a observação e a analise do próprio comportamento, tendo consciência dos vários aspectos que o envolvem, buscando sempre sua manutenção. Já o controle se relaciona mais com a modificação deste comportamento quando há essa necessidade.

análise, a qual possibilita ao sujeito decidir se o mantém ou se o modifica, ou seja, tais denominações incutem no sujeito a capacidade para avaliar a execução de uma tarefa e fazer correções quando necessário. Existe, assim, o controle da responsabilidade dos processos que avaliam e orientam as operações cognitivas.

Outro ponto bastante discutido relacionado à temática da metacognição diz respeito à consciência ou não dos aspectos metacognitivos há pouco mencionados (monitorização e controle). Segundo Lefebvre-Pinard (198349, apud Figueira, 2003), mesmo que o sujeito exerça controle sobre o seu pensamento e comportamento, isso não quer dizer que se trata sempre de uma atividade consciente e deliberada.

Segundo Ribeiro (2003), Flavell (em 1981) ao iniciar os seus estudos sobre metacognição, concebeu e caracterizou as experiências metacognitivas como sendo conscientes, porém, ao avançar em tais estudos, o próprio autor passou a considerar que aquelas experiências podem também conter elementos não conscientes. Concordamos com a posição defendida por Jacobs e Paris (1987) de que o “[...] conhecimento acerca da cognição pode ser demonstrado, comunicado, examinado e discutido” (JACOBS; PARIS, 1987, p.258). Sendo assim, só se pode incluir no domínio da metacognição o conhecimento que é produzido conscientemente, excluindo, por exemplo, as aptidões automáticas, já que são ações cognitivas não conscientes. (JACOBS; PARIS, 1987).

Frente ao que foi exposto até agora nessa Seção, pode-se dizer, de forma sucinta, que cognição é a forma como o nosso cérebro percebe, aprende, recorda e pensa sobre toda informação captada através dos cinco sentidos. Contudo, podemos monitorar e controlar essa capacidade de obter e utilizar informações, a este movimento é o que chamamos de metacognição. Portanto, é por meio dela que regemos o nosso processo cognitivo.

Para exemplificar o nosso entendimento sobre o processo metacognitivo discutido até agora, optamos por tratar da leitura, já que faz parte da primeira etapa da resolução de um problema. Ao fazermos uma leitura de um texto escrito, o nosso cérebro trabalha para que possamos entender as informações presentes no mesmo, porém, em alguns momentos, o leitor pode ter dificuldades para entender certos trechos deste texto. Nesse instante, quando surge a dificuldade, o mesmo busca algum meio para superá-la tentando ajudar o seu cérebro a entender a informação, para isso, ele

49 LEFEBVRE-PINARD, M. Understanding and auto-control of cognitive functions: implications for the

relationship between cognition and behavior. International Journal of Behavioral Development, 6, p.15-35, 1983.

passa a dispor de procedimentos de leitura (recursos como ler em voz alta, ler outros parágrafos, ler mais lentamente etc).

Em outras palavras, quando realizamos uma leitura de um texto escrito e nos propomos a compreendê-lo, objetivamos interpretá-lo de modo a nos aproximar, ao máximo, do que o autor daquele texto realmente quis dizer com o seu escrito. Pode-se dizer que é uma tentativa de dialogar com o autor buscando compreender suas principais ideias. Para alcançarmos tal objetivo, nos esforçamos para fazer aquilo que compreendemos ser necessário para auxiliar o nosso processo cognitivo. Isso também ocorre quando sentimos a necessidade de avaliar, estando de acordo com os nossos objetivos de leitura, aquilo que foi compreendido, ou seja, quando buscamos analisar com mais profundidade o conhecimento compartilhado no texto.

No caso de haver uma incompreensão relativa à leitura de um texto, recorremos a estratégias metacognitivas para amenizá-la, pois tomamos consciência sobre aquilo que precisamos realizar para alcançarmos os nossos objetivos de leitura, monitorando e controlando, assim, o nosso processo cognitivo. Estas ações estão a nível cognitivo e vão além dos procedimentos de leitura, como: ler mais lentamente, ler o parágrafo seguinte ou reler o anterior, relacionar o trecho lido com algum que foi lido em outra ocasião, em outro texto, ler em voz alta etc.

Desse modo, são das estratégias metacognitivas que, incialmente, tomamos consciência para que, logo em seguida, possamos pensar em um procedimento de leitura que auxilie no desenvolvimento destas estratégias. Porém, entendemos que até mesmo os procedimentos de leitura fazem parte do processo metacognitivo, já que são ações desencadeadas a partir de um monitoramento e que possuem o mesmo objetivo que as próprias estratégias metacognitivas: auxiliar o monitoramento do sujeito em busca da compreensão do texto lido.

Nesse sentido, corroboramos com Ribeiro (2003), que, baseada em Brown, Campione e Day (1981)50, comenta que quando há ações

[...] utilizadas a serviço do progresso da monitorização, ou seja, sempre que está em causa a avaliação da situação, as ações podem ser entendidas como estratégias metacognitivas, produzindo experiências metacognitivas e resultados cognitivos. Porém, se forem utilizadas para produzir progresso cognitivo, ou seja, quando a finalidade consiste em atingir o objetivo cognitivo, podem ser entendidas como estratégias cognitivas, produzindo igualmente

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BROWN, A. L.; CAMPIONE, J. C.; DAY, J. D. Learning to learn: On training students to learn from the texts. Educational Researcher, 10, p.14-21, 1981.

experiências metacognitivas e resultados cognitivos. (RIBEIRO, 2003, p.112, grifo nosso).

Para a autora, seja qual for a ação tomada, seja a serviço do progresso da monitorização ou a serviço do progresso cognitivo, há de se gerar sempre uma experiência metacognitiva. Ribeiro (2003) exemplifica este entendimento do seguinte modo:

[...] algumas vezes, procedemos a uma leitura lenta simplesmente para aprender o conteúdo (estratégia cognitiva); outras vezes, lemos rapidamente para ter uma idéia acerca da dificuldade ou facilidade da aprendizagem do seu conteúdo (estratégia metacognitiva). Deste modo, aprendemos sobre as estratégias cognitivas para fazermos progressos cognitivos e sobre as estratégias metacognitivas para monitorizar o progresso cognitivo. (FLAVELL, 1987, apud RIBEIRO, 2003, p.112).

Considerando este exemplo, entendemos que, se iniciamos uma leitura de modo lento, propositadamente, estamos a pôr em prática uma estratégia cognitiva, pois ainda não se iniciou o monitoramento do próprio progresso cognitivo. Contudo, pelo fato de se ter consciência de que se está tomando uma ação (ler mais lento) para melhor compreender o problema, pode-se dizer, então, que se tem uma ação tomada a serviço do progresso da monitorização.

Assim, é após a incompreensão do texto que questões semelhantes a seguir surgem: O que o autor quis dizer com isso? Será que tem a ver com aquele outro trecho lido (seja no próprio texto ou em outro texto)? Será que se relaciona com o conhecimento que possuo sobre o assunto? Sendo, portanto, reflexões como estas que contribuem para o acionamento das estratégias metacognitivas. Palincsar e Brown (1984), investigando e analisando como leitores fluentes realizam suas leituras, perceberam a existência de seis estratégias metacognitivas acionadas e utilizadas por eles, são elas: entender os objetivos de leitura; ativar os conhecimentos prévios relevantes; e verificar a compatibilidade entre eles e as novas informações; atribuir atenção às ideias principais do texto, descartando o que é menos importante; avaliar o significado construído; e supervisionar as funções anteriores para avaliar a compreensão.

Entendemos, portanto, que em uma leitura, essas estratégias são acionadas quando o sujeito monitoriza o seu processo cognitivo relacionado à leitura do texto buscando compreendê-lo ou mesmo avaliá-lo (parte dele). Contudo, elas podem ser acionadas quando o próprio sujeito põe em prática algum procedimento de leitura como:

ler em voz alta, ler mais de uma vez o texto, ler mais lenta e pausadamente, ler parágrafos anteriores e posteriores, etc. Desse modo, percebemos que tais procedimentos de leitura também se configuram como ações controladas pelo sujeito a fim de potencializar/vivificar o seu monitoramento sobre o seu próprio progresso cognitivo, sendo, então, estas ações parte do processo metacognitivo. Assim, também estaremos indicando-as em nossa Tese como estratégias metacognitivas.

Pensemos em outra situação distinta da anterior. Um sujeito ao se deparar com um smartphone (aparelho eletrônico tão utilizado nos tempos atuais), com o qual não esteja acostumado a utilizar, tenta ligar o aparelho (baseado nos conhecimentos prévios guardados em sua memória). Supomos que, a princípio, ele não consiga e solicite ajuda a alguém. Sendo assim, ele sabe que, se obtiver tal ajuda, poderá aprender como se faz (ele inicia o processo de monitorização). O sujeito, então, observa as ações praticadas pelo outro (e ele o faz com muita atenção), observando com bastante precaução a forma como aquele segura o aparelho, os movimentos que realiza e os botões que ele clica. Esse procedimento de observar mais atentamente os movimentos do outro sujeito, focando, especificamente, no que está sendo realizado, ocorre devido ao entendimento de que o mesmo pode ajudar o seu cérebro a compreender como se liga o referido aparelho (o sujeito busca controlar seu comportamento). Tendo consciência disso, ele se utiliza de uma estratégia para continuar a controlar a sua capacidade cognitiva inicial de aprendizagem. Percebe-se, portanto, que a metacognição permeia todo o movimento realizado pelo sujeito.

Por fim, antes de iniciarmos as discussões acerca da metacognição na resolução de problemas, é importante salientar ainda que, segundo Flavell e Wellman (1977, apud RIBEIRO, 2003), a monitorização e o controle, considerados na perspectiva tratada até agora nesta Tese, compreendem apenas um componente do conhecimento metacognitivo, sendo o outro a sensibilidade. Esta diz respeito ao conhecimento da necessidade de se utilizar ou não estratégias em tarefas que venham a possuir ou não alguma instrução para as suas realizações. Nas tarefas induzidas, as que possuem instruções, o sujeito adota uma determinada estratégia (sabe qual estratégia deve utilizar) a partir das regras já pré-estabelecidas. Nas tarefas espontâneas, as que não possuem instruções, o sujeito também sabe o que deve fazer considerando os objetivos da tarefa proposta.