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ALGUNS ASPECTOS RELACIONADOS COM A CONCEPTUALIZAÇÃO DO RISCO

DESENVOLVIMENTAIS NA COMPREENSÃO DA PSICOPATOLOGIA

B. RISCO E PROTECÇÃO NO DESENVOLVIMENTO

2.1 ALGUNS ASPECTOS RELACIONADOS COM A CONCEPTUALIZAÇÃO DO RISCO

Segundo a Organização Mundial de Saúde (O.M.S.,1973), os factores de risco são as características ou condições de vida de uma pessoa ou de um grupo que as expõe a uma maior probabilidade de desenvolver um processo mórbido ou de sofrer os seus efeitos.

A noção de risco é sempre probabilística e relativa, ou seja, existe sempre a noção de uma maior ou menor probabilidade de se sofrer os efeitos negativos dos riscos. O factor de risco é qualquer influência que aumenta a probabilidade do

aparecimento, evolução para um estado mais sério, ou a manutenção de uma condição mais problemática. Nas ciências sociais e médicas, os factores de risco são utilizados para prever resultados futuros expressos em probabilidades. Apesar de qualquer previsão se caracterizar pela incerteza, a combinação de um leque de factores de risco pode levar à conclusão de que a criança está em condição de alto risco para

determinado resultado do desenvolvimento. Contrariamente, a ausência de factores de risco pode levar à conclusão que a criança está em condição de baixo risco. A

probabilidade da ocorrência de um problema futuro, partindo de um mesmo factor de risco, pode variar com a raça/grupo étnico, género e idade da criança. Compreender os factores de risco e os seus efeitos negativos tem sido alvo de um rápido e crescente corpo de investigação.

As primeiras investigações sobre saúde mental infantil centraram-se nos

indicadores socio-cconómicos dn família c nos indicadores cie snfule mental para avaliar o grau de risco a que as crianças estariam expostas. "The danger lo children lies in the

cumulation of adversities that exist in many families but one evident

disproportionately in the poor" (Garmezy & Masten, 1994; citados por Garmezy,

1996, p.7). As crianças normalmente identificadas como estando em situações de alto- risco são aquelas que nasceram em contextos de pobreza, de baixo nível de educação parental ou ainda em contextos de alcoolismo e de doença mental. Apesar dos factores de risco como pobreza e o baixo nível educacional tenderem a co-ocorrer, é um erro assumir que influenciam os resultados desenvolvimentais da mesma maneira. É que num grupo de indivíduos considerados em risco, existe uma enorme variabilidade da sua exposição e interpretação dos stressores. Por outro lado, constatamos uma melhoria das condições de vida que tem sido acompanhada por um aumento de certas formas de psicopatologia e distúrbios psicossociais. "... /'/ has become increasingly

clear that lhe association between poverty /social disadvantage andpsychopathology is nowhere near as clear-cut as was once assumed" (Rutter, 1997, p.362). Não é a

pobreza por si só que justifica a psicopatologia, mas o facto da pobreza estar muitas vezes associada à desorganização e dissolução familiar ou outros aspectos relevantes nos mecanismos de risco. Em Portugal, segundo a conferência da Prof. Dr° Celeste Malpique no 8o Encontro Nacional de Psiquiatria da Infância e Adolescência (1997),

intitulada "Avaliação do Risco em Saúde Mental da Infância à Adolescência", os factores socio-demográficos mais prevalentes nas consultas de saúde mental infantil são:

- predominância do sexo masculino (56 a 64% dos casos);

- predominância de crianças em idade escolar, entre os 5 e os 11 anos ( 64% dos casos),

- 21% das famílias são dissociadas ou monoparentais;

- predominância de famílias numerosas (em média com 3 ou mais filhos).

Dado que, intencionalmente, iremos dar uma maior ênfase aos factores de risco psicossociais, que normalmente estão envolvidos no aparecimento da psicopatologia infantil, clarificamos desde já que utilizaremos o risco e o stress (ou acontecimentos de vida stressantes) como condições sinónimas, uma vez que, à partida, qualquer situação de stress que constituir uma situação de risco do desenvolvimento saudável.

Frequentemente os indivíduos que desenvolvem distúrbios psicopatológicos sofrem de uma acumulação de riscos/stress ao longo do tempo, mas também pode acontecer que a exposição a um único factor de risco possa levar aquele sujeito em questão a desenvolver patologia(s). "...an accumulation of life events might explain

(Gore & Eckenrode, 1997, p.23). Brown & Harris (1978/1989; cit. por Gore & Eckenrode, 1996) defendem, opondo-se à investigação tradicional sobre os acontecimentos de vida de Holmes & Rahe (1967), que a patologia não está

dependente do impacto cumulativo dos acontecimentos mas do significado cognitivo que adquirem. A qualidade cognitiva-emocional específica dos acontecimentos define o seu significado e é esse significado que está associado ao aparecimento da patologia.

As três abordagens tradicionais da investigação sobre o stress centram-se na acumulação dos acontecimentos de vida, na estrutura social ou nos factores singulares de stress. Esta última abordagem chama a atenção para populações especiais e para os riscos que experienciam, em virtude de determinados acontecimentos de vida.

Contudo, estes factores de stress ocorrem no contexto de outras condições de vida muitas vezes subestimadas nesses estudos. Estas três abordagens tradicionais da investigação partilham uma série de limitações que envolvem a conceptualização do risco. Nenhuma destas abordagens oferece soluções para o problema da elevada diferenciação das experiências de stress ou para o problema da conceptualização das interrelações entre variáveis associadas aos problemas de adaptação funcional.

Os riscos podem ser distais ou proximais. Consideramos os riscos proximais aqueles que exercem uma influência directa no sujeito e os riscos distais aqueles em que a sua influência só se faz sentir através de factores mediadores. Por exemplo, o baixo estatuto socio-económico é um importante factor de risco distai implicado nos resultados do desenvolvimento, mas não revela as diferenças proximais das famílias em diferentes grupos socio-económicos, diferenças estas igualmente implicadas. Baldwin et ai. (1993) referem a necessidade de se focar a atenção dos factores de risco

proximais, na medida em que interagem directamente com a criança e não operam através de qualquer outra variável proximal.

Os riscos podem também categorizar-se segundo factores biológicos,

psicológicos ou sociais, se bem que a sua ocorrência é muitas vezes simultânea. Estes riscos referem-se quer a características intrínsecas ao indivíduo, quer aos contextos onde interage (e.g. família, escola, comunidade).

As situações de risco/stress podem ser pontuais ou duradoras, portanto, agudas ou crónicas. Apesar, dos stressores crónicos nem sempre potenciarem os efeitos dos stressores agudos, Flutter (1976, cit. por Gore & Eckenrode, 1996) concluiu que as admissões hospitalares, enquanto situações de stress agudo, estavam associadas a problemas emocionais nas crianças quando existia simultanemante elevados níveis de stress familiar crónico. Outros estudos (e.g. Wheaton, 1990; cit. por Gore &

Eckenrode, 1996) confirmam a ideia de que o stress agudo pode promover a saúde mental em situções de stress crónico, uma vez que aqueles acontecimentos stressantes oferecem uma oportunidade para aliviar ou fugir à situação de stress crónico e

potenciadora do distúrbio.

Para compreendermos a origem do risco e da adversidade temos de ter em conta que, em algumas circunstâncias, as características que são transmitidas de igual forma a todas as crianças dentro da mesma família são menos importantes do que aquelas que são transmitidas diferencialmente, de modo a que uma criança seja mais afectada do que as outras. Qual a razão das variações individuais de exposição aos ambientes de risco? Tendo em conta o nosso referencial teórico, as acções e comportamentos individuais seleccionam ambientes, por exemplo, através do efeito protector do planeamento activo dos acontecimentos. Assim, o impacto do risco no indivíduo é mediado pelas suas características pessoais, pelas características contextuais e também

pelo momento histórico em que tem lugar. Daí a necessidade de uma grande relativização quando nos referimos ao conceito de risco.

2.2 REFLEXÕES HISTÓRICAS SOBRE A INVESTIGAÇÃO ACERCA