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DESENVOLVIMENTAIS NA COMPREENSÃO DA PSICOPATOLOGIA

6. A PSICOPATOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO AO LONGO DO CICLO VITAL

6.1 O DESENVOLVIMENTO NO CICLO VITAL

As questões que temos vindo a colocar em relação aos mecanismos do desenvolvimento e à própria psicopatologia desenvolvimental, remetem-nos para a perspectiva do ciclo vital, já que se trata de fenómenos que têm lugar desde a concepção até à morte do indivíduo, e como tal, salientam o pressuposto de que o potencial do desenvolvimento se estende ao longo da vida. Outros princípios de base

subscrevem esta perspectiva, nomeadamente os princípios de multidireccionalidade e multidimensionalidade. Segundo eles, não existe uma única trajectória

desenvolvimental; o desenvolvimento é potencialmente multidireccional, ocorrendo em diversos domínios, níveis ou esferas ontogenéticas (dimensões).

Este trabalho, tal como a grande parte da literatura subordinada ao tema, nunca negligenciando a perspectiva do ciclo vital, foca-se mais no desenvolvimento e

psicopatologia infantis, por uma série de razões:

- Desde o nascimento até à maturação dá-se um rápido período de

desenvolvimento, com grandes transformações que nunca mais ocorrerão ao longo da vida (trata-se de uma oportunidade única para auscultar e detectar aspectos

particulares e únicos do processo de desenvolvimento);

- Os problemas da infância têm grande impacto na sociedade e na vida futura do indivíduo;

- São problemas relativamente frequentes, implicando grande custos económicos e grande sofrimento humano;

- Muitos distúrbios da vida adulta têm o seu início no período da infância.

Subscrevemos Luís Joyce-Moniz (1993) quando afirma que "... a psicopatologia do desenvolvimento não se restringe às crianças. Apesar desta restrição se aplicar aos trabalhos da quase totalidade dos autores anglo-saxónicos, que constituíram formalmente esta disciplina nos anos 80, fundamentando-se em estudos de patologia infantil. Em consequência, são escassos e incidindo apenas em distúrbios isolados, ou numa teorização geral sem objectivos nosológicos, os trabalhos sobre os adultos " (e.g. Kegan, 1982; Noam, 1988, Noam & Dill, 1991; Rogers & Kegan, 1991; Rosen, 1985, 1991; cit. por Joyce-Moniz, 1993, p.18).

A melhor compreensão dos distúrbios psicopatológicos da infância poderá dar origem a programas de prevenção e intervenção mais eficazes, "...despite the

possibility of change throughout the life-span, prior adaptation does place constrains on subsequent adaptation. In particular the more, the more prolonged period of time na individual persists along a maladaptative pathway, the more difficult it is to reclaim a normal development trajectory. " (Cicchetti, 1993, p.482).

A perspectiva do ciclo vital pressupõe três princípios de base:

- O desenvolvimento é um processo que ocorre ao longo do ciclo de vida e não cessa com a maturação biológica. "A tarefa de uma orientação de ciclo vital é a de identificar a forma e o curso das mudanças comportamentais à medida que elas decorrem, em vários pontos do curso da vida e estabelecer o padrão da sua ordem temporal e inter-relações" (Lemos, 1986, p. 146 e 147). A perspectiva do ciclo vital enfatiza as diferenças individuais mais visíveis na idade adulta e velhice, assim como as formas de desenvolvimento multidireccionais e multidimensionais:

- O desenvolvimento reflecte os princípios ontogenéticos e evolutivos,

ocorrendo e interagindo com a macro-ecologia transformadora e em transformação. A perspectiva do ciclo vital maximiza a compreensão da influência dos factores culturais e históricos, ligados aos efeitos da geração, assumindo um enquadramento histórico- social para a trajectória do desenvolvimento.

- A perspectiva do ciclo vital defende uma concepção pluralista do

desenvolvimento, em que as mudanças que ocorrem ao longo do ciclo vital adquirem diferentes formatos em relação à extensão temporal, direcção, grau de variabilidade inter-individual e plasticidade (isto é, o desenvolvimento em trajectórias descontínuas, com processos multidimensionais, multilineares e contextuais).

Ao longo do desenvolvimento, o ser humano está sujeito a uma série de influências que condicionam e determinam o processo e a agenda desenvolvimental. Estas influências interagem entre si, e tendo o indivíduo como mediador e principal protagonista neste processo, produzem mudança e desenvolvimento. Podemos agrupá- las em três categorias para melhor compreendermos esta realidade:

- influências normativas relacionadas com a idade - referem-se a determinantes biológicos ou ambientais do desenvolvimento, altamente relacionados com a idade cronológica do indivíduo e que se espera que tenham lugar;

- influências normativas relacionadas com a história - referem-se a determinantes biológicos ou ambientais do desenvolvimento, altamente relacionados com o momento histórico em que acontecem e em que são esperados acontecer;

- influências não-normativas - referem-se a determinantes biológicos ou

ambientais do desenvolvimento que não ocorrem à maioria dos indivíduos e, como tal, não há expectativas da sua ocorrência, mas que podem de facto acontecer em qualquer idade cronológica e em cada momento histórico.

Daqui mais uma vez se depreende que o desenvolvimento só pode ser concebido com base na relação entre o indivíduo e os contextos (e destes contextos entre si). Referimo-nos aos contextos nos quais o indivíduo tem uma acção mais directa, mas também aos contextos sociais e culturais mais alargados, tanto uns como outros com um maior ou menor grau de formalidade. Os trabalhos de Bronfenbrenner (1979) são, a nosso ver, paradigmáticos, neste âmbito, ao definirem diferentes níveis que delimitam os sistemas ambientais (microssistemas, mesossistemas, exossistemas e macrossistemas).

"Development has to be analyzed as a process of interaction between individual and his socio-ecological environment, which itself is in continual historical change "

(Montada & Schmitt, 1982, p. 3).

A abordagem do ciclo vital não pode esperar construir um quadro definitivo acerca da evolução ao longo da vida. Ao centrar-se num indivíduo em mudança inserido num contexto em mudança, pretende alcançar uma verdade temporária, baseada em conceitos e teorias explicativos daquilo que é constante e daquilo que muda, do universal e do particular, ou seja, do desenvolvimento humano.