• Nenhum resultado encontrado

DESENVOLVIMENTAIS NA COMPREENSÃO DA PSICOPATOLOGIA

B. RISCO E PROTECÇÃO NO DESENVOLVIMENTO

3. A RESILIÊNCIA E OS MECANISMOS DE PROTECÇÃO

3.8 O KAUAI LONGITUDINAL STUDY

O Kauai Longitudinal Study (Werner, 1993) é paradigmático na área da psicopatologia desenvolvimental, ao analisar a resiliência, segundo uma metodologia longitudinal, pelo que achámos conveniente centrarmo-nos um pouco nas conclusões a que o autor chegou. O estudo teve como objectivo uma avaliação das consequências a longo prazo das complicações perinatais e das condições adversas no desenvolvimento dos indivíduos e sua adaptação. Este estudo foi efectuado numa ilha hawaiana durante cerca de 30 anos. As 614 crianças que constituíram a amostra, nascidas em 1955, estavam expostas a condições de stress perinatal, pobreza crónica e ambientes familiares complicados, caracterizados pela discórdia conjugal crónica e pela

psicopatologia parental. O autor concluiu que uma em cada três crianças de alto risco é competente e funcional quando adulta.

Mesmo na primeira infância, as crianças resilientes suscitam uma atenção positiva dos membros da família e mesmo de estranhos. Aos 20 meses é evidente a sua

autonomia e a tendência para procurar novas experiências. Trata-se de crianças com mais competências ao nível da comunicação, locomoção e competência de auto-ajuda, quando comparadas com outras crianças de alto risco que desenvolvem mais tarde sérios problemas de coping.

Na idade escolar, tanto os professores como os pais referem que estas crianças apresentam um leque mais alargado de interesses e envolvem-se em mais actividades e hobbies. A medida que vão progredindo ao longo da escolaridade, estes jovens

desenvolvem um auto-conceito positivo e um locus de controle interno. As raparigas resilientes são particularmente mais assertivas e independentes quando comparadas com as outras raparigas.

Ainda segundo os resultados deste estudo, muitos dos rapazes e raparigas resilientes cresceram em famílias com 4 ou menos crianças, com o espaço de dois anos ou mais entre a criança resiliente e o irmão que nasce logo a seguir. Poucas destas crianças experienciaram separações prolongadas da sua figura de vinculação durante o primeiro ano de vida. Todas tiveram oportunidade de establecer uma relação próxima com um dos pais, do qual recebiam uma atenção positiva. Esta atenção foi, em alguns casos, fornecida por substitutos parentais, com um importante papel enquanto modelos positivos de identificação. O emprego da mãe e a necessidade de tomar conta de irmãos mais novos contribui para a vincada autonomia e sentido de responsabilidade das crianças resilientes do sexo feminino, especialmente nas condições de ausência paterna. Tanto os rapazes como as raparigas resilientes encontram suporte emocional em contextos extra familiares que aconselham e dão apoio nos momentos de crise. Quando estas crianças resilientes entram na vida adulta apresentam uma maior competência pessoal e determinação e um maior apoio do cônjuge ou companheiro. Quando são pais apresentam uma postura carinhosa e respeitam a individualidade dos seus filhos, ao mesmo tempo que fomentam a sua autonomia. Nota-se contudo, uma necessidade persistente de desvinculação destes jovens adultos em relação aos seus pais e irmãos, cujos problemas domésticos e emocionais ainda são percepcionados como ameaçantes. Algumas destas jovens adultas dedicam-se simultaneamente às

exigências do casamento e maternidade e procuram activamente o sucesso na sua carreira profissional.

Este estudo evidencia o facto da presença de uma unidade familiar intacta na infância, especialmente na adolescência, constituir um factor protector major na vida dos jovens delinquentes incluídos na amostra, que não cometem ofensas no início da idade adulta. Uma minoria de indivíduos com problemas de saúde mental sérios durante a adolescência, continua a necessitar da ajuda dos serviços de saúde quando entram na sua terceira década de vida. Contudo, existem mais homens do que mulheres com problemas de saúde mental na adolescência que, quando adultos, apresentam maiores dificuldades em encontrar emprego, situações de divórcio e mais registos criminais. As fonte de apoio nos momentos de dificuldade são o cônjuge ou os amigos mais próximos. Perto de metade dos homens e dois terços das mulheres com

problemas mentais na sua juventude, referem que o cônjuge tem um importante papel de suporte nas condições de stress da vida adulta. Dois terços dos homens e metade das mulheres dizem recorrer ao suporte emocional dos amigos mais próximos. O indivíduos caracterizados com problemas graves em vários domínios do

desenvolvimento e em idades precoces apresentam um padrão de desajustamento mais estável na idade adulta, quando comparados com indivíduos que têm apenas uma área problemática.

No sentido de compreender as ligações entre factores protectores e a adaptação bem sucedida na idade adulta de crianças e jovens em situações de alto risco, este estudo identificou quatro clusters de factores protectores:

- Características comportamentais do indivíduo que o ajudaram, enquanto criança, a manifestar respostas positivas;

- Competências e valores que levam a uma utilização eficiente das capacidades que estas crianças têm (e.g. planos educacionais e vocacionais realistas e

responsabilidades familiares);

- Características estilo educativo parental que promovem a competência e incrementam a auto-estima na criança;

- Adultos que dão apoio e fomentam a confiança.

Nesta investigação nota-se uma certa continuidade ao longo do ciclo vital dos homens e mulheres de alto risco no que concerne à forma adaptada como superam as adversidades experienciadas na infância. As suas disposições individuais levam-nos a seleccionar e construir contextos que, por sua vez, reforçam e mantêm as suas disposições activas e recompensam as suas competências. Existe, por exemplo, uma associação positiva entre o temperamento "fácil" na primeira infância e as fontes de suporte social às quais a criança pode recorrer ao longo de toda a infância. A análise dos efeitos a longo prazo da adversidade na infância e dos factores protectores nos jovens de alto-risco, mostra que alguns dos determinantes mais críticos na adaptação à vida adulta estão presentes na primeira década de vida.

Por exemplo, as interacções parentais positivas com a criança estão associadas a uma maior autonomia e maturidade social aos 2 anos e uma melhor competência académica aos 10 anos. Por sua vez, a competência académica aos 10 anos está associada positivamente: - ao número de fontes de apoio, incluindo o suporte social fornecido

A um sentido de auto-eficácia aos 18 anos, está associado a um menor stress emocional em homens de alto-risco aos 32 anos. A auto-eficácia gera um maior

número de fontes de suporte emocional em mulheres de alto-risco no início da idade adulta (incluindo o suporte do cônjuge ou do companheiro).

Neste estudo também se verificou que os pais com um nível educacional mais elevado têm interacções mais positivas com as suas crianças no Io e 2o anos de vida e

fornecem mais suporte emocional na infância, mesmo quando a família vive em condições de pobreza. O nível educacional dos pais está também associado a bons níveis de saúde, a um bom estatuto físico da criança aos 2 anos.e à competência escolar aos 10 anos.

Verificou-se que todas as crianças resilientes deste estudo têm pelo menos uma pessoa que as aceita incondicionalmente, independentemente das suas idiossincrasias temperamentais, atractividade física ou inteligência. A sua auto-estima e auto-eficácia resultam são promovidas através destas e outras relações de suporte. Este dado é particularmente importante dado que "the promotion of competence and self-esteem in

a young person is probably one of the key ingredients in any effective intervention process" (Werner, 1993, p.511).