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DESENVOLVIMENTAIS NA COMPREENSÃO DA PSICOPATOLOGIA

8. MODELO DE AVALIAÇÃO NA PSICOPATOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

8.1 O MODELO DE AVALIAÇÃO

É através de procedimentos de avaliação que são: - operacionalizados os conceitos de distúrbios; - identificados os problemas da criança;

- escolhidas as intervenções; - julgados os resultados.

Na medida em que o comportamento da criança varia de acordo com a situação e com o agente de interacção, não existe um único procedimento de avaliação ou fonte de informação que forneça um quadro compreensivo completo do funcionamento da criança. Um único informante não pode substituir o outro, o que significa que é

necessário obter informação de diferentes informantes que interagem com a criança em diferentes condições.

A avaliação é intrinsecamente multi-axial, no sentido de identificar as

potencialidades/competências e as limitações no funcionamento da criança numa série de importantes áreas. Este tipo de avaliação pode mesmo revelar que a interacção com determinados agentes necessita de uma maior mudança do que propriamente a criança. Da mesma maneira, a avaliação multi-axial pode mostrar a adequação de uma

intervenção num contexto e a sua desadequação noutro. Os eixos integradores desta avaliação dizem respeito:

- Eixo 1 - às informações dos pais;

- Eixo 11 - às informações dos professores; - Eixo III - à avaliação cognitiva;

- Eixo IV - à avaliação física;

- Eixo V - à avaliação directa da criança.

Note-se que nem todos os eixos sao igualmente relevantes paia lodos os períodos de desenvolvimento.

O objectivo da avaliação é usar procedimentos múltiplos no sentido de identificar necessidades em diferentes áreas. A avaliação estandardizada do desenvolvimento normativo fornece uma linguagem descritiva comum e procedimentos operacionais

comuns através dos quais se alicerça o conhecimento de base da psicopatologia do desenvolvimento.

A emergência deste tipo de abordagem multi-axial e multivariada foi possível com o advento dos computadores electrónicos nos anos sessenta e setenta. A informação obtida a partir de diferentes informantes pode, a partir de então, ser submetida a análises factoriais no sentido de se identificarem constelações de problemas que tendem a ocorrer em simultâneo. Contudo, poderão ser ainda hoje surgir dificuldades na integração da informação obtida a partir de diferentes métodos, informantes, ao longo do tempo e ao longo das situações.

Este novo tipo de avaliação difere substancialmente das avaliações características das abordagens nosológicas da psicopatologia tradicional, traduzida pelo actual

D.S.M.-TV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders - American Psychiatric Association) e pelo C.I.D. 10 (International Classification of Diseases). Enquanto que as abordagens multivariadas derivam de covariações estatísticas de sintomas e comportamentos, os critérios do D.SM. e Cl.D. baseiam-se na negociação de formulações dos conceitos clínicos referentes aos diferentes distúrbios. Por outro lado, os critérios de atribuição das diferentes categorias nosológicas baseiam-se em julgamentos dicotómicos de inclusão ou exclusão, não sendo, muitas vezes,

devidamente especificadas as fontes de informação a serem utilizadas em cada categoria de diagnóstico. Trata-se de uma taxonomia nosológica, que segundo as teorias psicanalíticas, são estáticas, mecânicas e não descrevem os processos psicodinâmicos idiossincráticos. Estes sistemas de diagnóstico contrapõem-se aos

sistemas de avaliação multi-axial e multivariada. Desta contraposição podem surgir questões como as que a seguir se levantam:

- A psicopatologia infantil deve ser perspectivada como um distúrbio que ocorre intrinsecamente à criança, como um distúrbio relacional, uma reacção às circunstâncias ambientais, ou uma combinação de tudo isto?

- A psicopatologia infantil constitui uma condição qualitativamente diferente da normalidade, um ponto extremo num continuum relativo a um traço ou dimensão, ou uma combinação de tudo isto?

- Poderão ser identificados distúrbios homogéneos ou a psicopatologia infantil será melhor definida como uma configuração de ocorrência de distúrbios ou como um perfil de traços ou características?

- Pode a psicopatologia infantil ser definida como uma entidade estática num determinado momento temporal, ou a realidade do desenvolvimento necessita que a psicopatologia infantil seja definida num processo dinâmico que se expressa em diferentes formas, ao longo do tempo c do espaço?

- A psicopatologia infantil é melhor definida em termos da sua expressão corrente ou deverá incorporar na sua definição condições não patológicas que podem constituir factores de risco para problemas futuros?

Nas primeiras versões do Diagnostic and Statistical Manual of Mental

Disorders (D.S.M) os distúrbios da infância são diagnosticados pelas categorias

referentes ao adulto. No D.S.M.l (1952) existe apenas uma categoria infantil designada

"adjustment reactions of childhood and adolescence ". A segunda edição do

D.S.M.continua a negligenciar a maior parte dos distúrbios da infância, com excepção para a deficiência mental e para a esquizofrenia infantil. No D.S.M.1I1 (1980), os critérios de classificação tornam-se mais explícitos; mais categorias relativas à infância são incluídas e é dada maior ênfase aos dados empíricos. No D.S.M. III

-R (1987), uma determinada criança pode ser classificada ou diagnosticada a partir de um conjunto de sintomas, sem haver a necessidade de preenchimento de todos os requisitos de inclusão na categoria. Os novos avanços contemplam a natureza heterogénea em constante mutação da maior parte dos distúrbios da infância, mas continua a verificar-se uma ausência de adequação empírica em certos critérios de diagnóstico e um descurar dos factores situacionais ou contextuais que contribuem para o aparecimento de vários distúrbios. No D . S M - IV (1994) são contemplados factores como a idade, sexo e cultura, associados à expressão de cada distúrbio, aumentando o reconhecimento da importância da família e do meio extra-familiar.

Contudo, a natureza estática das categorias do D.SM. contrasta com a natureza do desenvolvimento. Os problemas sub-clínicos ou os problemas relacionados com mais de uma categoria de diagnóstico são subestimados.

Na prática clínica, verillca-se com grande frequência o co-apatecimento de diferentes síndromes, isto é, conjuntos sintomáticos que permitem a inclusão da criança em mais do que uma categoria de diagnóstico. Os trabalhos de Steinhauser & Goebel (1987) apontam para correlações de 0.7 a 0.21 entre os diagnósticos psiquiátricos feitos a crianças e as escalas de questionários preenchidas pelos pais. Simultaneamnete há que, numa avaliação multivariada, ter em conta todos os sintomas que, apesar de não preencherem todos os requisitos inerentes à inclusão num determinado

diagnóstico, são pertinentes para a compreensão do fenómeno psicopatológico, numa perspectiva holística, e que são, em última instância, formas de comunicação que não podem ser negligenciadas. Nesta linha de raciocínio, as gradações quantitativas, isto é,

o grau em que a criança apresenta determinado sintoma ou conjunto de sintomas, parecem fazer muito mais sentido do que dicotomias e dialécticas nosológicas, a nosso

ver artificiais e constrangedoras. "Our focus on prediction in developmental

psychopathology requires that we move from the yes/no definition to a definition utilizing a continuum of disorder" (Lewis, 1990, p.33).

Não é portanto surpreendente que uma criança dignosticada com determinada psicopatologia, segundo os critérios de avaliação do D.SM. ou Cl.D., apresente através de uma avaliação multivariada, diferentes síndromes que no seu conjunto definem um perfil descritivo da criança, em relação a esses mesmos síndromes. Routh (1983) refere, a título de exemplo que "...there was little evidence that attention

deficit disorder without hiperactivity was an independent syndrome " (Routh, 1983,

cit. por Routh, 1990).

Os conceitos clínicos que servem de base de negociação para a definição da psicopatologia numa abordagem tradicional, fazem a comparação das crianças que apresentam psicopatologia com crianças ditas normais ou com um funcionamento adaptado. Contudo, estes conceitos não especificam os meios ou operações de

comparação entre o normal e o patológico, uma limitação claramente ultrapassada nas abordagens multivariadas, na medida em que fornecem comparações métricas e

explicitam os processos comparativos entre crianças normais e crianças que apresentam psicopatologia, todas elas pertencentes ao mesmo grupo etário.

Podemos, finalmente referir que não existe um único julgamento "correcto" e

que as múltiplas avaliações da psicopatologia, através de vários informantes, c

desejável e necessária. O recurso a fontes múltiplas de informação complexifica o processo de diagnóstico, mas oferece um enorme potencial para o tornar mais rigoroso e preciso. Sem elas, os sistemas de classificação e dignóstico mostram-se inadequados na representação das interrelações e hiatos existentes entre muitos distúrbios e, por outro lado, apresentam-se pouco sensíveis aos parâmetros desenvolvimentais,

contextuais e relacionais, conhecidos por caracterizarem as formas psicopatológicas da infância.

Partindo da ideia de que qualquer esquema de classificação (nosológica ou multidimensional) representa uma construção e não uma realidade, "... the limitations

inherent in the current data base render premature any effort to construct a global overaching theory of the psychopathology of development" (Rutter & Garmezy, 1983,

p. 870).

8.2 SÍNDROMES IDENTIFICADOS ATRAVÉS DE ANÁLISES