• Nenhum resultado encontrado

A alimentação equilibrada é indispensável ao crescimento e desenvolvimento das crianças (NOVAES; FRANCESCHINI; PRIORE, 2007). Os hábitos alimentares podem ser compreendidos como padrões de comportamento no qual alimentos são consumidos rotineiramente e repetidamente no cotidiano das pessoas, não necessariamente refletindo os alimentos preferidos (RAMOS; STEIN, 2000). No entanto, no caso das crianças, os hábitos são determinados por suas preferências, e estas se manifestam, em geral, por alimentos ricos em gordura e açúcar (VIANA; SANTOS; GUIMARÃES, 2008). De acordo com o Guia Alimentar para a População Brasileira (BRASIL, 2014) os alimentos ultraprocessados, tais como biscoitos recheados, salgadinhos de pacote, refrigerantes e macarrão, são nutricionalmente

desbalanceados e devem, portanto, ser evitados. Os alimentos in natura e minimamente processados devem constituir a base da alimentação (BRASIL, 2014).

As preferências alimentares se originam da socialização alimentar da criança e dependem, em grande parte, dos padrões de cultura alimentar que ela aprendeu (RAMOS; STEIN, 2000). A preferência pelos sabores doces e salgados, provavelmente inata, tende a declinar se a criança tiver menor contato e experiência com alimentos com essas características (VIANA; SANTOS; GUIMARÃES, 2008). Dessa forma, destaca-se o papel da família, e em especial dos pais, como primeiros educadores nutricionais (RAMOS; STEIN, 2008). As crianças em idade escolar também adquirem ou desenvolvem preferências alimentares por meio da observação de outras crianças (VIANA; SANTOS; GUIMARÃES, 2008).

O estudo de Hesketh et al. (2005) constatou que as crianças em idade escolar da Austrália, de 7 a 11 anos podiam identificar alimentos saudáveis e não saudáveis e tinham ciência dos nutrientes que contribuem para a sua percepção a respeito da salubridade dos alimentos. Muitas crianças, no entanto, achavam confuso classificar os alimentos considerando os métodos de preparação e/ou mistura de alimentos, a exemplo da batata-frita, na qual a ideia da batata ser saudável competiu com a adição de sal e gordura. Muitas crianças discutiam também as consequências da alimentação na saúde: perder peso, fortalecer ossos, deixar doente. Apesar desse conhecimento, a maioria das crianças relatou ingerir regularmente alimentos não saudáveis. As crianças demonstraram preferência por esse tipo de alimento, mas descreveram suas refeições em casa como predominantemente saudáveis.

Considerando a percepção dos pais das crianças, Hesketh et al. (2005) identificaram que eles acreditavam que seus filhos compreendiam quais alimentos eram saudáveis, mas suspeitavam que não compreendiam totalmente as consequências de comer alimentos não saudáveis. Essa percepção era derivada da publicidade dos alimentos densos em energia, que poderia confundir as crianças. Os pais, inclusive, não se sentiam bem equipados de informações para poder distinguir lanches mais ou menos saudáveis para os filhos à luz da enorme variedade disponível e comercializada para crianças. Eles também relataram a necessidade de estratégias para incentivar os filhos a comer alimentos saudáveis e serem mais ativos fisicamente, além de estratégias para resistir às demandas dos filhos por alimentos ultraprocessados.

Resultado diferente foi encontrado por Waddingham et al. (2016), que identificaram que a percepção das crianças em idade escolar sobre alimentos saudáveis era limitada. Quando, durante a pesquisa, as crianças foram solicitadas a criar um cardápio saudável para a cantina escolar, a maioria das escolhas das crianças não era saudável. As preferências alimentares das crianças eram também por alimentos não saudáveis (WADDINGHAM et al., 2016).

Chan et al. (2016) identificaram que os critérios mais frequentemente mencionados para identificar alimentos saudáveis ou não saudáveis por adolescentes chineses foram conteúdo e valor nutricional. O segundo critério mais frequentemente citado pelos jovens foi efeito na saúde física. Os alimentos saudáveis foram descritos como aqueles que contêm ou fornecem proteínas, cálcio, vitaminas, água, açúcar (natural), gordura, substâncias orgânicas e lactobacilos. Já os alimentos não saudáveis foram descritos como aqueles que contêm produtos químicos ou aditivos artificiais, corantes, gordura, sal e conservantes. Os quatro principais fatores que afetam a escolha de alimentos de adolescentes são o gosto, a imagem (os alimentos não saudáveis eram vistos como empolgantes e interessantes, devido ao apelo do marketing), a conveniência e a falta de preocupação para o preparo de alimentos não saudáveis. Os alimentos não saudáveis eram descritos como deliciosos, com forte sabor e este, mesmo sendo artificial, era preferido entre os adolescentes.

Sparrenberger et al. (2015), identificaram que é expressiva a contribuição de alimentos processados no consumo alimentar de crianças do Sul do Brasil. A idade da criança mostrou-se como fator associado mais importante para o consumo desses produtos, que pode ser explicado pelo fato de elas geralmente terem maior autonomia nas escolhas alimentares (SPARRENBERGER et al., 2015). De forma semelhante, o estudo de Melo et al. (2019) identificou que os alimentos ultraprocessados estão fortemente inseridos no consumo alimentar de crianças brasileiras em idade escolar e que a mídia exerce grande influência na escolha desses alimentos.

Segundo Harris (2008), muitos fatores afetam a aceitação das crianças por alimentos saudáveis, tendo destaque aqueles que permitem a exposição precoce a alimentos culturalmente apropriados no período de desmame ou pré-desmame. Entretanto, é comum aos pais observar diferenças individuais na disposição das crianças em consumir novos alimentos (HARRIS, 2008). Ramos e Stein (2000) afirmam que o processo de aprendizagem do comportamento alimentar está condicionado a três fatores: sugestão do sabor dos alimentos, consequência pós- ingesta da alimentação e contexto social. Este tem um papel preponderante sobre como as crianças aprendem a se alimentar, principalmente considerando as estratégias que os pais utilizam para a criança apender a alimentar-se de um modo geral ou para aprender a comer alimentos específicos (RAMOS; STEIN, 2000).

Ramos e Stein (2000) constataram, no entanto, que a preocupação dos pais está centrada na quantidade de alimentos ingeridos pelas crianças, e não no desenvolvimento de hábitos e atitudes convergentes a uma alimentação mais adequada do ponto de vista qualitativo. Emley, Taylor e Musher-Eizenman (2017), ao examinar a relação entre alimentação consciente dos

pais e comportamentos alimentares da criança, identificaram que a alimentação consciente dos pais foi associada a comportamentos alimentares saudáveis das crianças. Especificamente, a presença mental e emocional dos pais durante a alimentação das crianças previa maior ingestão de frutas e vegetais e menor consumo de açúcar entre as crianças (EMLEY; TAYLOR; MUSHER-EIZENMAN, 2017).

Novaes, Franceschini e Priore (2007) identificaram em um estudo realizado com escolares em Viçosa/MG, que hábitos alimentares foram semelhantes entre crianças eutróficas (com boa nutrição) e com sobrepeso, ou seja, grande parte dos alimentos consumidos era similar entre os dois grupos. Ressalta-se que as crianças com sobrepeso apresentaram uma ingestão significativamente superior em relação àquelas com peso saudável. O estudo evidencia a importância da reeducação alimentar tanto para as crianças eutróficas quanto para as com sobrepeso, a fim de obter uma alimentação saudável e variada, além da importância de trabalhar o tamanho das porções de alimentos ingeridas pelas crianças.

No estudo de Silva (2014), adolescentes brasileiros demonstraram compreender o tema alimentação saudável, que esteve associado com a ingestão adequada de frutas, legumes e verduras; exclusão do consumo de alimentos com excesso de gordura, sal e açúcar; realização de refeições “na hora certa” e consumo de variedade de alimentos. Apesar desse conhecimento, os adolescentes não consideram uma tarefa fácil adotar comportamentos alimentares saudáveis, devido à maior preferência por alimentos ultraprocessados.

A permanência das crianças em frente à televisão tem sido apontada por estudos como fator de influência no desenvolvimento de hábitos alimentares menos saudáveis, além de reduzir o tempo dedicado à atividade física (ROSSI et al., 2010). As crianças também se utilizam de outras telas para brincar com jogos, assistir vídeos, ouvir músicas e conversar com amigos, tais como smartphones, tablets, Xbox e iPod (SUNDUS, 2018). Kunsch (2014) alerta para o uso em excesso de dispositivos eletrônicos por crianças, que pode acarretar prejuízos em termos de atividades físicas, implicar no risco de desenvolvimento de transtornos alimentares, causar tédio às crianças, prejudicar o convívio social com outras crianças e o desenvolvimento da criatividade. Constatou-se que houve correlação entre o consumo de ultraprocessados e o uso de aparelhos eletrônicos pelas crianças (MELO et al., 2019).

Os estudos coincidem ao demonstrar a preferência das crianças pelos alimentos ultraprocessados, os quais têm sabor realçado pela indústria alimentícia para propiciar maior consumo. Os pais têm papel fundamental na educação nutricional das crianças ao expô-las a diversidade de alimentos in natura e minimamente processados e pelo exemplo de seu próprio consumo alimentar. As refeições compartilhadas feitas no ambiente da casa constituem

momentos preciosos para cultivar e fortalecer os laços das pessoas que se gostam e, no caso das crianças e adolescentes, são excelentes oportunidades para adquirir bons hábitos e valorizar a importância de refeições regulares (BRASIL, 2014). Além disso, o envolvimento de crianças e adolescentes na compra de alimentos e no seu preparo permite que eles conheçam novos alimentos e novas formas de consumi-los (BRASIL, 2014).