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Almocreve e serviços de transporte

3.2. Clérigos e “Profissionais Liberais”

3.3.2. Almocreve e serviços de transporte

Datas Extremas: c. 1340-1497;

Representação Geográfica: Évora, Funchal, Guarda, Lamego, Lisboa, Montemor-o-Novo, Ponte de Lima, Porto e Santarém.

Reunir exemplos significativos de serviços de transporte, atribuir uma ordem de grandeza às quantias a eles associados e, assim, contribuir para uma melhor percepção sobre o enquadramento financeiro desse campo de actividades, serão esses, sem dúvida, os principais

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Ganho diário de cabedal resultante de: 35 reais a dividir por 4 dias, período no qual se confeccionavam 7 gibões; 47 reais a dividir por 4 dias, período no qual se confeccionavam 7 gibões; 120 reais a dividir por oito dias, período no qual se confeccionavam 14 gibões e 3 reais num dia, período no qual se confeccionava um gibão.

objectivos das linhas que se seguem. Centraremos a nossa atenção em quatro tipos de serviços de transporte: transporte por almocreves; aluguer de bestas (sendo, por vezes, difícil destrinçar entre simples casos de aluguer e pagamentos de serviços idênticos aos da alínea anterior); diversos serviços de transporte terrestres (por açacais, ganha dinheiros, escravos, etc.) e transporte por barqueiros.

Naturalmente, o pagamento dos almocreves era calculado com base na relação entre o tipo e quantidade de carga e a distância percorrida. As posturas eborenses de finais do século XIV constituem o testemunho mais claro acerca de um desses cálculos. Assim, os almocreves das

“çaquilladas” recebiam entre 4 a 7 alqueires de trigo e entre 6 a 9 alqueires de cevada por

transporte de moio desses cereais de duas a cinco léguas.

Na vizinha vila de Montemor-o-Novo, mas já no ano de 1422-23, há registo de um almocreve, de nome João Serpa, ter recebido da vereação local 30 reais (9,3 g) pelo transporte de dois quarteiros de cal a uma distância de três léguas e 75 reais (23,25 g) pelo transporte de cinquenta cargas de pedra, a 1,5 reais a carga, sendo que, no dito ano e espaço, um almude de vinho branco encontrava-se no mercado a 16,8 reais.

Decorridos dez anos, as cortes de Leiria-Santarém estabeleciam um salário de 200 reais (60,6 g) para os mancebos auxiliares de almocreves possuidores de seis bestas, o mesmo valor, à data, pelo qual se avaliava uma bésta.

Em 1451, Gonçalo Pacheco, tesoureiro da Casa de Ceuta em Lisboa, pagava 6160 reais (1287,44 g) “a Afomso Anes almocreve por careto de noventa e seis moyos dezaseis alqueires

de pam que com ssuas bestas acaretou dos rregengos de Ribamar a Carnyde (…) a rrazam de sessenta e quatro reaes e meyo”424 ou o equivalente a 6,45 alqueires de trigo. Em 1453, despenderam-se 60 reais (12,54 g) com um almocreve que transportou arca da fazenda entre as cidades de Évora e Santarém, valor suficiente para aquele comprar cerca de 3,5 alqueires de trigo.

Em 1461, Fernando Afonso, antigo criado do infante D. Henrique, pagou 240 reais (36,72 g) “a aluaro gonçallvez almocreue morador em lagos daluguer de duas bestas que leuaram

certas cousas da guarda Roupa que foy do dicto Senhor Jfante a lagos e da dicta villa a evora”425, valor suficiente para a compra de 24 alqueires de trigo.

Em 1485, na vila do Funchal, era a vez do almocreve Gonçalo Eanes receber 90 reais (9,09 g) pelo transporte de alguma farinha entre a dita vila e o concelho vizinho de Câmara de Lobos, quantia que lhe permitiria adquirir três alqueires de cevada para a sua besta ou 7,5

424 Documentos das Chancelarias Reais…, II, p. 349. 425

coelhos. Finalmente, em 1491-92, outro almocreve funchalense recebeu elevada quantia pelo carreto de terra para construção de pontes, mais precisamente 324 reais (32,72 g), montante suficiente para a aquisição de 18 arráteis de carne de porco.

Por vezes, dispensava-se a contratação desta mão-de-obra especializada, em benefício de acordos pontuais e de melhor conveniência para o contratador, percebendo-se essa diferença na terminologia adoptada. Em 1451, o já referido Gonçalo Pacheco pagava 4380 reais (915,42 g) “a certos homens que com ssuas bestas acaretaram cento e nove moios de pam de Carnide

a Lixboa”426, à razão de 40 reais (8,36 g) por moio. Da mesma forma, em 1454, expendia 2720 reais (568,48 g) pelo carreto de 43,5 moios de trigo da ribeira de Lisboa a Carnide por

“certas bestas”427, à razão de 62,5 reais (13,06 g) por moio ou o equivalente a 3 alqueires de trigo.

Dependendo do serviço, nem sempre era necessária a contratação de pessoas encarregadas do transporte, mas tão-somente o aluguer de bestas. Em 1340-41, na cidade de Évora, o aluguer diário de uma azémola rondaria os 5 soldos (3,08 g).

Em 1401, a vereação portuense concedia 1500 libras (150 g) a um dos seus membros

“pera aluger dhuma azemella que leuou a casa delrrey”428, o que é por dizer que o aluguer de uma azémola para uma viagem de ida e volta entre as cidades do Porto e Lisboa importava o mesmo que 25 almudes de vinho branco ou cerca de 30 pares de sapatos de cordovão. No ano seguinte, a mesma edilidade recebia um alvará de D. João I para que, entre outras coisas, alugasse bestas cavalares e asnais, ao preço diário de 35 e 17,5 libras (3,5 e 1,75 g), a um enviado seu em missão de transporte de dinheiros.

Em 1431, Gonçalo Anes, almoxarife da Guarda, desembolsava 180 reais (57,78 g)

“daluguer a huua besta que leuou dinheiros a Lixboa”429 e 300 reais (96,3 g) de aluguer de duas bestas que transportaram livros à cidade do Porto e regressaram à cidade da Guarda, à razão de 150 reais por besta. Com estes dispêndios por animal adquiriam-se, respectivamente, 13,5 e 11,25 varas de burel. Em 1433, D. Duarte estipulava o pagamento de 30 reais (9,09 g) por aluguer diário de cavalo, mas apenas por ordem de certos membros da corte. Em 1437, João Louvado, almoxarife de Lamego, gastara 2400 reais (736,8 g) pelo aluguer de oito azémolas que levaram livros a Lisboa, à razão de 300 reais (92,1 g) por azémola ou o equivalente a cerca de 28,5 alqueires de trigo.

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Documentos das Chancelarias Reais…, II, p. 349.

427

Documentos das Chancelarias Reais…, II, p. 694.

428 “Vereaçoens”. Anos de 1401-1449, p. 19. 429

Em 1442, era a vez de João Martins, escudeiro e escrivão das sisas em Tavira, expender 30 reais (9,87 g) pelo aluguer de duas bestas para transporte de dinheiros de Castro Marim a Leiria, à razão de 15 reais por besta. No mesmo ano, também Pedro Afonso Malheiro, recebedor de pedido régio no almoxarifado de Ponte de Lima, pagara 875 reais (287,88 g) pelo aluguer de 3,5 bestas que transportaram dinheiros dessa localidade a Leiria, muito provavelmente numa média de 12,5 reais (4,11 g) diários por besta430 ou o equivalente a 1,25 alqueires de trigo. Em 1444-45, regista-se o aluguer de três bestas para o transporte de uma quantidade de panos à cidade de Lisboa, aluguer à razão de 350 reais por besta (115,15 g) e contraído por Diogo Afonso Malheiro, contador dos almoxarifados de Guimarães e Ponte de Lima.

Em 1460, a vereação portuense passava um alvará para que, entre outras coisas, se alugassem bestas de sela e asnais, a 20 e 15 reais (3,06 e 2,3 g) diários, a tesoureiro da redenção dos cativos em Ceuta, quando este voltasse de mais uma missão de resgate. Em 1491, o aluguer de uma besta, na vila do Funchal, para o transporte de géneros alimentares à freguesia de Caniço importou 60 reais (6,06 g), o mesmo valor que custou um pato nessa mesma ocasião.

Finalmente, em 1499, o procurador de Montemor-o-Novo desembolsara 430 reais (43 g) pelo aluguer de três bestas para uma viagem a Coruche, à razão de 143,33 reais (14,33 g) por animal ou o equivalente a cerca de quatro alqueires de farinha.

Além do típico transporte de mercadorias por almocreves e bestas, verificaram-se outras modalidades e especializações. Reportamo-nos, naturalmente, a “moinheiros” ou acarretadores de pão, açacais, ganha-dinheiros, etc. Entre 1379 e 1392, na cidade de Évora, os

“moinheiros” viram o seu salário quebrar um mínimo de 66,2%, na medida em que, na

primeira data, venciam 4 dinheiros (0,17 g) por transporte de alqueire e, na segunda, apenas 1 real (0,46 g) por transporte de 8 a 10 alqueires. Já em 1403, na vila de Loulé, aos acarretadores de pão era estabelecido um ganho de 20 soldos (0,1 g) por alqueire.

Na mesma cidade e século, parece que os açacais se encontravam especializados no transporte de água e de telhas. Em 1340-41, sabemos de um pagamento de 7 soldos e 4 dinheiros (4,51 g) a um “açaca” por este ter transportado 1100 telhas, bem como a regra de pagamento de 1 soldo (0,62 g) por transporte de cada carga de cem telhas. Já por volta de 1379-82, as posturas municipais tabelavam aos açacais os seguintes pagamentos: entre 6 a 16 dinheiros (0,26 a 0,7 g) por carga de água e entre 8 a 16 dinheiros (0,35 a 0,7 g) por centena

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de telhas. Para um açacal atingir, por exemplo, o rendimento mensal máximo de um telheiro por estes anos (240 soldos) teria, teoricamente, de transportar entre 18000 a 36000 telhas.

Os “ganha dinheiros” constituíam uma mão-de-obra móvel, mais presente nas cidades e frequentemente utilizada em tarefas de transporte. Alguns exemplos: em 1340-41, o cabido da Sé de Évora pagava “hu soldo a dois ganhadineiros que a levaram (vergem) ó lagar”431; em 1379-82, na mesma cidade, regista-se um moço “ganha dinheiro” encarregado das tarefas de transporte numa ferraria com um rendimento diário de 1 soldo (0,52 g), ou seja, 1/8 do que auferia um malhador e 1/20 do que recebia o mestre ferreiro. Já para 1451, sabe-se que, na cidade de Lisboa, foram pagos 18 reais (3,76 g) “a ganhadinheiros que acaretaram tres

moios e meo de triguo da barca aa casa de Cepta” e 90 reais (18,81 g) “a ganhadinheiros que acarretaram cinco tonees de vinho das lojas aa ribeira”432.

Não foi também estranha a utilização de escravos em serviços de transporte não especializado. A vila do Funchal de finais do século XV é bem o retrato dessa realidade, registando-se desde pequenos pagamentos como 8 reais (0,81 g), em 1485-86, pelo transporte de 96 ripes para construção de alpendre até quantias consideráveis como 400 reais (40,4 g), em 1491-92, “aos negros (…) pelo trigo que acaretarom a logea”433.

Seguem-se alguns preços de serviços prestados por barqueiros. Em 1391, na cidade do Porto, a travessia do Rio Douro custava 4 ou 2 soldos (2,09 e 1,05 g) por pessoa com sua besta carregada ou sem carga e 1 soldo (0,52 g) por pessoa apenas. Cerca de 4 soldos custava, por esse tempo, um arrátel de carne de vaca. Em 1421-22, a vereação de Sabonha tabelava o pagamento de 2 reais (0,62 g) ao barqueiro João Afonso, o único de Aldeia Galega, por pessoa que transportasse a Lisboa, num mínimo de 30 reais (9,3 g) por viagem434. Entre 1451- 53, o transporte de vinho entre os reguengos de Ribamar e Lisboa rondava os 35 reais (7,32 g) por tonel e entre Santarém e Lisboa encontrava-se estabelecido “a rrazom de cincoenta reaes

por tonell segundo he ordenado”435. Já o transporte de tonéis vazios importava 1/5 desse valor, ou seja, 10 reais (2,09 g), o mesmo preço de um alqueire de trigo. Em 1485-86, o transporte de trigo entre navio e a ribeira do Porto importou 50 reais (5,05 g), valor de cinco galinhas ou de 6,25 canadas de vinho branco. Nesse mesmo ano económico, mas na vila do

431 SOUSA (B.), SILVA (F.) e MONTEIRO (N.), “O Livro das Despesas…”, p. 132 432

Documentos das Chancelarias Reais…, II, p. 349.

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Vereações da Câmara Municipal do Funchal: Século XV, p. 174.

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Os oficiais da vereação de Sabonha “disseram que em Aldeia Galega não havia mais que a barca de João Afonso, que

presente estava, e que não ia a Lisboa senão uma vez ou duas e com mui poca gente, e às vezes com cinco ou seis ou sete pessoas, per guisa que ele e seus parceiros não haviam a despesa do mantimento que alá faziam. E porqunto que o dito João Afonso nem seus parceiros não queriam ir à vila, nem eles não eram servidos o que lhe mandavam, que ele cada terça feira vá à vila com aquelas pessoas que achar, dês quinze pessoas pera fundo e que estas quinze pessoas taxem antre si, per guisa que façam paga ao dito João Afonso de trinta reais. E se forem mais das ditas quinze pessoas, que o dito João Afonso não leve mais de cada uma pessoa que os ditos dous reais, assi como se a barca fosse cheia de gente”. Livro da Vereação de Alcochete…, p. 141.

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Funchal, diversos transportes realizados por barqueiros oscilaram entre 30 e 860 reais (3,03 e 86,86 g). Finalmente, em 1496-97, o transporte de quintal de fio entre Santarém e Lisboa importou 15 reais (1,5 g).