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2.3. Vestuário e Calçado

2.3.1. Vestuário

Datas Extremas: 1340-1492;

Representação Geográfica: Alvorge, Braga, Entre Tejo e Guadiana, Évora, Funchal, Guimarães, Loulé e Porto.

A análise do preço do vestuário287 radica, fundamentalmente, em dois tipos de registos: taxas impostas ao ganho dos alfaiates pelo trabalho de costura, sendo que estas apenas permitem perceber a posição relativa de uma peça no conjunto do vestuário (obviamente, tendo em conta a utilização do mesmo têxtil) e compras avulsas de vestuário, sendo que estas raramente especificavam a qualidade do têxtil e, por conseguinte, dificultam o esboço evolutivo. Além destas modalidades, encontram-se ainda duas posturas que estabelecem o preço de venda ao público de dois tipos de peças de vestuário, mais precisamente safões, em 1379-81, na cidade de Évora e gibões, em 1480, na comarca de Entre Tejo e Guadiana.

Comece-se pelas posturas eborenses de 1379-81, a partir das quais se percebe que o custo de fabrico de roupa em pano de cor era, naturalmente, mais elevado do que em pano de linho (a costura de um guardaventre em linho custava metade de um em pano de cor e a melhor saia de linho menos um soldo do que a mais barata saia de pano de cor). Permitem, da mesma forma, hierarquizar a posição comercial de cada peça de vestuário nesse fim de século XIV. Assim, em primeiro plano, encontravam-se a melhor saia de mulher e o guardaventre, com um custo de fabrico nos 30 soldos. Tendo por base este valor, seguiam-se, em termos de preferências no que respeitava ao pano de cor: melhor saia vilã comprida (menos 10%);

“quit.am” (gibão?) (25%); opa comprida com tabardo (mediante o tamanho podia ir de menos

33,3 a 70%); tabardo (40%); pelote de mulher (50 a 66,7%); pequena saia vilã (56,7%); fertante com ou sem capeirote (56,7 a 66,7%); tabardeta ou camisa com capeirote (66,7%); pele ou mantão franzido (70%); mantelote redondo comprido ou pequeno (70 a 86,7%) e mantão de mulher (70 a 90%). Em termos gerais, entre os 3 e 30 soldos que separavam o fabrico da peça de vestuário mais acessível da mais valiosa, verificava-se uma diferença de

287

Sobre a temática do vestuário e calçado medieval salientamos os estudos de MARQUES, A Sociedade Medieval…, p. 23- 62, e de OLIVEIRA, Fernando José Cunha de – O Vestuário Português ao Tempo da Expansão – Séculos XV e XVI. Lisboa: Grupo de Trabalho do Ministério da Educação para os Descobrimentos Portugueses, 1991, onde poderão ser encontradas as definições de diversos conceitos explorados neste trabalho.

900%, a qual seria alargada com o gasto, maior ou menor, de tecido. O cenário era idêntico em relação à roupa de linho288, aparecendo novamente o guardaventre como a peça mais valiosa, num custo de 15 soldos para mulher e 6 soldos para moça. Seguiam-se, tomando em conta o guardaventre de mulher: saia de mulher (menos 20 a 80%); saia de homem (46,6 a 73,3%); guardacó de mulher (33,33%); guardacó de homem (80%); gibão (53,3 a 73,3%); alcandora (46,6 a 83,3%); camisa (73,3 a 93,3%); capa grande ou pequena (86,6 a 88,9%) coipadeiro (73,3 a 93,3%); alvergas (73,3 a 96,6%); chapeleiras (93,3%), finalmente, uns simples “picalgayos", calções ou alvergas com ramais (96,6%). Note-se como o vestuário feminino era mais caro do que o masculino289.

Data de inícios do século XV, mais precisamente da vila de Loulé de 1403, o segundo conjunto de taxas de costura disponíveis, desta feita relativas apenas a vestuário de burel e para o género masculino. A peça mais valiosa era o gibão, cujo fabrico encontrava-se tabelado em 7 reais para adulto, menos 28,5% para “chiol” e menos 42,8% para criança menor de 12 anos; seguia-se a saia, tabelada em 6 reais para adulto e menos 33,3% para criança; a capa, avaliada em menos 28,5% (o mesmo valor de um gibão para “chiol”) e os calções em menos 71,4%. Valiosa esta acta de vereação, sobretudo como testemunho do papel da idade na definição de preços.

Em 1413, novo tabelamento, desta feita da vereação portuense, aponta uma aljuba de mulher como a peça mais valiosa, a custar 50 reais. Seguiam-se: balandrau dobrado de homem (menos 30%); saia de mulher e pelote de manceba criada (40%); mantão de mulher (50%); balandrau simples de homem (60%); mantão simples de homem (70%); mantão de servidor (80%); par de calças atacadas e capeirote dobrado de homem (84%) e, finalmente, capelo singelo (90%). Note-se como o custo do fabrico de vestuário se diferenciava tendo em conta o sexo, mas também a condição social. Assim, um mantão de mulher valia mais 66,6% do que o de homem e um mantão de homem honrado mais 50% do que um mantão de servidor.

Do tabelamento de 1480 extrai-se o gibão como a peça mais valiosa, sendo que a costura de um exemplar de seda, forrado de um lenço e bragal e cheio de lã, se sobrepunha aos demais, já que era o único a exigir o desembolso de 60 reais. Seguia-se a costura de gibão idêntico, mas “vazio de huu lemço”290, e de gibão de chamalote com lenço e bragal (menos 16,6%); de gibão de peles com lenço e bragal (25%); hábito de frade com seu capelo, bentinho e mangas (33,3%); gibão forrado de pano com lenço, bragal e lã e um “mongy”

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Embora com a particularidade de surgirem peças diferentes, mais características deste tipo de têxtil.

289 Em boa parte pelo facto de o vestuário feminino comportar mais tecido. MARQUES, “A Pragmática de 1340”, p. 103. 290

dobrado (menos 41,7%). Por metade do valor da melhor peça, ou seja, a um preço médio, encontravam-se um gibão de fustão com bragal e lenço, um capuz com mangas e um mantão de clérigo. Abaixo de 30 reais encontravam-se: melhor pelote, loba, hábito de mulher e

“manto de frade, ou pobre da serra” (58,3%); capuz sem mangas, pelote de girões, “mongy”

simples, par de calças dobradas, capa, gabinarda, cota de mulher e fraldilha (66,6%); pelote simples sem girões, par de calças simples e manto de mulher (75%). Um sainho aparecia como a peça mais acessível, a importar menos 93,3%.

Além de possibilitar a imagem evolutiva acerca do valor e posição relativa de diversas peças de roupa, os tabelamentos de 1379-81, 1403, 1413 e 1480 demonstram que a mesma despesa caiu significativamente entre finais do século XIV e finais do século XV. Em resumo, as ditas taxas cifravam-se em: 0,5 a 30 soldos (0,26 a 15,69 g), em oscilação de 5900%, no final do século XIV291; 2 a 7 reais (0,7 a 2,45 g), em oscilação de 250%, para roupa de burel, em 1403; 5 a 50 reais (1,55 a 17,5 g), em oscilação máxima de 900%, em 1413; e 10 a 60 reais (1,15 a 6,9 g), em oscilação de 500%, em 1480.

Debruçamo-nos, de seguida, sobre os dados respeitantes ao preço da roupa enquanto produto final adquirido pelo consumidor, estabelecendo algumas comparações entre o valor das diversas peças de vestuário, mas também com alguns preços de outros produtos com vista ao seu melhor enquadramento.

Inicie-se este breve exercício em 1340, ano em que o cabido da Sé de Évora despendeu cerca de 33,25 soldos por uma sobrepeliz (26,25 soldos por sete varas de pano e 7 soldos pela costura, ou seja, 78,9% para a matéria-prima e 21,1% para o trabalho), valor suficiente para comprar 1,8 carneiros ou 1,8 almudes de vinho branco. Em 1367, no Alvorge, uma cinta de nós e umas luvas de gato usadas custaram a mesma quantia de 4 dinheiros (0,2 g). Pelos anos de 1379-81, um par de safões novos custava entre 15 e 60 soldos (7,85 a 31,38 g), balizas que distinguiam, à semelhança do que se passava no calçado, entre um par fabricado com a acessível pele de carneiro e um feito à base de valiosos lombos de gama.

Em 1442, na vila de Guimarães, uma capa levou ao desembolso de 270 reais, bastante mais do que um gibão de 58 reais, uma alba de pano de 55 reais, um capelo de 50 reais, uma sobrepeliz de 40 reais e um mantão de 19 reais (sendo que no mesmo ano e espaço um almude de vinho, uma vara de burel e um cabrito custavam, respectivamente, 36, 10 e 6 reais).

Já na cidade do Porto, em 1450-51, uma capa de homem custava cerca de 400 reais, um sombreiro de palmito de criança cerca de 20 reais e um par de luvas entre 9 e 10 reais, caso

291 Dividindo-se este resultado em 3 a 30 soldos (1,57 a 15,69 g), em oscilação de 900%, para roupa de pano de cor e em 0,5 a

fosse para mulher ou homem (sendo que no mesmo ano e espaço um almude de vinho, um carneiro e uma mão de papel importavam, respectivamente, 60, 30 e 10 reais).

Em 1479, na cidade de Braga, uma aljuba de mulher podia chegar a valer 1500 reais, mais 1000 reais do que um gibão e mais 1250 reais do que uma saia (um boi, uma enxada ou machado e uma vara de burel importavam, respectivamente, 1000, 80 e 20 reais).

Em 1480, na comarca de Entre Tejo e Guadiana, um gibão de fustão encontrava-se tabelado em 152,9 reais (de “contramarca”), 209,3 reais (de “hulmo”) ou 250,85 reais (de Florença) e um gibão de “trez” em 122 reais. Na mesma década, mas para a cidade do Porto, registam-se: em 1482-83, um gibão por 120 reais e um par de luvas de mulher por 15,5 a 16 reis; em 1485-86, um manto de homem por 1900 reais e um par de luvas de mulher por 10 reais (um boi, um almude de vinho e uma mão de papel custavam, respectivamente, 500, 75 e 15 reais).

Finalmente, em 1491-92, na cidade do Porto, um manto de homem e um barrete conduziram ao desembolso de 1500 e 750 reais (uma gamela de tripas, um almude de vinho e uma vara de burel custaram 80, 64 e 30 reais), enquanto que, na vila do Funchal, um par de luvas custou cerca de 30 reais (uma resma de papel importava 300 reais).

O desconhecimento dos têxteis inerentes à maior parte das peças aqui mencionadas, o seu estado de conservação, bem como a evolução dos conceitos, entre outros aspectos, dificultam imenso uma análise de teor evolutivo. Em todo o caso, acompanhem-se as seguintes indicações para uma mesma peça de vestuário. Uma sobrepeliz custou 33,25 soldos (20,45 g) em 1340, na cidade de Évora, e apenas 40 reais (13,16 g), em 1442, na vila de Guimarães.

Um gibão, das peças mais comuns na Baixa Idade Média, era adquirido por 58 reais (19,08 g) em 1442, na vila de Guimarães e por 500 reais (67,5 g), em 1479, na vizinha cidade de Braga, sendo este o valor mais alto registado. No ano seguinte, na comarca de Entre Tejo e Guadiana, um gibão de fustão andava, como vimos, entre 122 e 250,85 reais (14,03 a 28,85 g), ou seja, preços similares ao de 1442. Já em 1482-83, na cidade do Porto, um gibão custou apenas 120 reais (13,8 g).

Uma capa rondava 270 reais (88,83 g) em 1442 e 400 reais (83,6 a 92 g) em 1450-51, preços muito idênticos. Por sua vez, um manto de homem pode ter visto o seu preço descer entre 1485-86 e 1491-92, já que, na primeira data importou 1900 reais (191,9 g) e, na segunda, apenas 1500 reais (151,5 g). Finalmente, na cidade do Porto, um par de luvas de mulher custou 9 reais (1,88 a 2,07 g) em 1450-51, 12 reais (1,45 g) em 1474-75, 15,5 a 16 reais (1,78 a 1,84 g) em 1482-83 e 10 reais (1,01 g) em 1485-86. Refira-se ainda que, em

1491-92, no Funchal, se desembolsaram 30 reais (3,03 g) por um par de luvas, o que pode ser prova de como também os têxteis foram mais caros na Madeira.

Analisando estes dados, e tendo em conta que os têxteis e o custo de fabrico parecem ter sofrido uma quebra desde finais do século XIV, assumimos que o vestuário, em termos estruturais, viu, igualmente, o seu preço descer desde aquele período e ao longo da centúria de Quatrocentos.

2.3.2. Calçado

Datas Extremas: 1379-1498;

Representação Geográfica: Arraiolos, Entre Tejo e Guadiana, Évora, Funchal, Lisboa, Loulé, Mós de Moncorvo e Porto.

Recorrendo novamente às posturas eborenses de 1379-82292, constata-se que as matérias- primas mais caras no que diz respeito ao fabrico de calçado na segunda metade do século XIV foram os couros de gamo e cervo. A título de exemplo, note-se como um par de botas de gamo e cervo custava entre 33 a 40 soldos, enquanto que um par de botas de cabra valia 30 soldos e de carneiro 20 soldos. Com um valor bastante semelhante surgia o calçado fabricado à base de cordovão macho: uns socos deste material encontravam-se à venda por 30 soldos, enquanto que uns socos de carneiro valiam 15 soldos e umas gramaias de cordovão macho valiam 14 soldos, enquanto que umas de carneiro apenas 10 soldos. Refira-se que o couro do macho era mais valorizado do que o da fêmea, já que um par de gramaias de cabra andava pelos 10 soldos. Seguia-se o couro de carneiro e, com um custo muito semelhante ou ainda mais acessível, o couro vacaril, cujo bom par de sapatos com solas de festo não ultrapassava os 10 soldos.

Em termos de género, o mais valioso parece ter sido a bota, a qual não aparece a ser fabricada em couro vacaril e com o par a valer entre 20 a 40 soldos. Seguia-se o par de socos, importando entre 15 a 30 soldos, o par de sapatos e sapatas de mulher, a valer entre 10 e 15 soldos e o par de gramaias e sapatos afins (ponta, porta, etc.) a valer entre 9 e 14 soldos.

Concluindo, devem reter-se os seguintes apontamentos: um par de botas de cervo foi, por esse tempo, o género de calçado mais caro, exigindo ao consumidor o desembolso de 40 soldos; ao invés, um par de sapatos de couro vacaril com solas de espaldar custava apenas 9 soldos, o que representava uma diferença entre os dois tipos de calçado na ordem dos 344,5%.

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Fonte ímpar, não só para o conhecimento dos preços, mas também das matérias-primas e tipos de calçado. Assim, encontra-se calçado fabricado a partir das peles de bode (cordovão macho), cabra, carneiro, vaca, gamo e cervo. Em termos de género, referem-se as gramaias, botas, sapatos de porta, sapatos de calça, sapatos de ponta, sapatos e sapatas de mulher, chapins e socos.

Em 2 de Julho de 1401, a vereação portuense ordenava que os sapateiros de cordovão não vendessem o bom par de sapatos altos e baixos por mais de 14 e 12 reais e que os sapateiros de vaca não vendessem o par de sapatos por mais de 10 reais e o par de solas por 6 reais. Assim, temos que um par de sapatos de cordovão era mais caro, no mínimo, 20% do que um par de sapatos fabricados em couro vacaril. Estes preços não foram, todavia, aceites pelos sapateiros, sendo que no dia 23 do mesmo mês apareceu na vereação um mestre Rejell “e dise

que a ell prazia de dar oyto pares de çapatos de cordouom por huum franco douro”293.

No ano seguinte, a vereação louletana tomava a mesma acção de tabelamento do preço do calçado294. Esta revela nova proximidade entre o valor do couro de veado e do cordovão, sendo que a diferença entre um e outro podia depender de uma melhor adequação ao fabrico de certo tipo de calçado. Assim, se na costura de um par de botas, o cordovão chegava a valer 100 reais e o couro de veado apenas 60 reais, já umas cabeças de veado com solas de festo e guarnição valiam entre 20 e 20,86 reais e umas de cordovão simples 16 reais. Aos rostos de cordovão e veado era atribuída a mesma quantia de 15 reais. Mais barato era o couro de carneiro: um bom par de botas andava pelos 57,14 reais, umas botinas por 12 reais (as de cordovão custavam 15 reais) e umas cabeças por 11,43 reais.

Quanto ao valor dos diversos tipos de calçado, constata-se que as botas continuavam bastante apreciadas neste início do século XV, custando entre 57,14 a 100 reais. Seguiam-se os borzeguins, cujo par fabricado em cordovão rondava os 42,86 reais; as sapatas de mulher, cujo par em cordovão importava 25 reais; os sapatos de correia, com o par de couro de veado com solas de festo e guarnição a valer 20 a 22 reais; as cabeças, que valiam 11,43 reais caso fossem de carneiro, 16 reais de cordovão e 18 ou 20 reais caso fossem de veado com solas de festo ou guarnição. As botinas e os rostos apareciam como os mais acessíveis: umas botinas de cordovão e de carneiro custavam, respectivamente, 15 e 12 reais e uns rostos de veado ou cordovão com boas solas importavam 15 reais. Umas boas gramaias de veado aparecem tabeladas em 11,43 reais, ou seja, como um dos tipos de calçado mais acessíveis. Conclui-se, assim, que entre o calçado mais caro, umas boas botas de cordovão de 100 reais, e o calçado mais barato de carneiro, a valer 10 reais, verificava-se uma diferença de 900%.

Em 1413, a vereação portuense tabelava novas taxas para o calçado295. O cordovão continuava a ser mais valioso do que o modesto couro vacaril. Com efeito, um par dos mais baratos sapatos de cordovão, avaliado em 12 reais, não deixava de ser mais caro do que os

293

“Vereaçoens”. Anos de 1401-1449, p. 30.

294

Faz-se menção a três matérias-primas (veado, cordovão e carneiro) e aos seguintes géneros: sapatos de correia, botas, gramaias, sapatas de mulher, borzeguins e botinas.

295 Refere-se apenas o cordovão e, por uma vez, o couro vacaril como matérias-primas. Em termos de tipos, registam-se as

melhores sapatos de vaca, estes a custarem 10 reais. No que respeita ao tipo, as botas continuavam a ser bastante apreciadas, custando entre 85,71 (comuns de cordovão) a 100 reais (as melhores de cordovão). Seguia-se um bom par de socos296, cujo par andava entre 30 (comuns de cordovão) e 35 reais (melhores de cordovão) e um par de sapatos, a valer 10 (o melhor de vaca), 12 (comuns de cordovão) e 14 reais (melhores de cordovão). Entre os 14 reais, do calçado mais acessível, e os 100 reais, do mais valioso, encontrava-se uma diferença de 614,3%.

A vila de Arraiolos oferece seis valores para o ano de 1420: par de botas de cordovão macho a 80 reais e de cordovão fêmea a 60 reais; borzeguins de cordovão macho a 50 reais e de fêmea a 35 reais e par de sapatos de cordovão macho a 18 reais. Além de confirmar a valorização do couro macho (que, no presente caso, ia de 33,4 a 42,9%), esta postura permite perceber que um par de botas custava mais 60 a 71,5% do que uns borzeguins e mais 233,4 a 344,5% do que uns sapatos. Por sua vez, um par de borzeguins valia mais 94,4 a 178% do que uns sapatos.

Em 1439-40, a administração de Mós de Moncorvo despendeu 112 reais com dois bons pares de sapatos e oito varas de burel, o que faz calcular em cerca de 16 reais o par de sapatos. Conhecemos apenas cinco valores para o terceiro quartel do século XV: 16 reais por um par de sapatos de mulher em 1450-51; 24 reais por um par de sapatos de homem em 1461-62; 20 reais por um par de sapatos por volta de 1474 e 30 reais por um par de botinas de mulher em 1474-75.

Em 1480, num tabelamento ordenado por D. Afonso V para a comarca de Entre Tejo e Guadiana, apenas se referem o cordovão e o carneiro como matérias-primas, sendo que o cordovão continuava mais dispendioso. Assim, se um par de borzeguins de cordovão valia entre 51 e 80 reais, um par de borzeguins de carneiro valia entre 35 a 60 reais. Em termos de género, os borzeguins eram os mais caros. Seguiam-se os pantufos (55 reais), os chapins de homem (45 reais), sapatos (18 a 45 reais), botinas de mulher (33 reais) e servilhas (19 a 22,5 reais). Entre 80 reais do maior par de borzeguins de cordovão e 19 reais de um par de servilhas de carneiro ia uma diferença de 321%.

Regista-se nova postura portuense em 1482, desta feita colocando um topo de 80 reais para o par de borzeguins (o mesmo de 1480, na comarca de Entre Tejo e Guadiana) ou socos e de 12 a 32 reais por par de sapatos. Em 1482-83 e 1485-86, na mesma cidade, um par de

296

Com estes aparece a única cor referida, no caso, vermelho: “boons çoquos uermelhos”. CRUZ, António, “Os Mesteres do Pôrto no século XV. Aspectos da sua actividade e taxas de ofícios mecânicos”. Separata do Boletim Cultural da Câmara

botinas de mulher importou, respectivamente, entre 27,5 a 31,5 reais e entre 40 a 46,7 reais. Em 1491-92, na vila do Funchal, um par de sapatos custava menos de 15 reais (na medida em que se despenderam 60 reais com 4 pares de sapatos e panos para os anjos da procissão de

“Corpus Christi”) e, em 1493-94, novamente na cidade nortenha, um par de borzeguins tinha

subido para cerca de 100 reais.

Data de 1498 a única postura lisboeta conhecida para o preço do calçado297. Naturalmente, as melhores “pelles da Jlha ou de ca do Regno”298 constituíam a matéria-prima mais valiosa,

seguidas do cordovão. A única referência a couro vacaril atribui-lhe o mesmo valor que ao cordovão. O couro de carneiro surge como a matéria-prima mais barata. Assim, um par de borzeguins de pele custava entre 130 a 140 reais, um par de borzeguins, ditos comuns, ou seja, de cordovão, entre 110 a 120 reais e um par de borzeguins brancos de carneiro apenas 90 reais. É de salientar que os borzeguins aparecem, neste final de século XV, como o tipo de calçado mais valioso. Custavam, como acabamos de ver, entre 90 a 140 reais. Seguiam-se os pantufos, a custarem 75 reais, os chapins de homem, a custarem 60 reais, os sapatos, sendo que os mais baratos, feitos de cordovão ou vaca, valiam 40 reais e os mais caros, à base de couro das ilhas, 50 reais. As servilhas apareciam como o calçado mais acessível, sendo que os mais baratos, feitos de carneiro, valiam 15 reais e os mais caros, à base de cordovão, 20 reais. De referir que o preço do calçado não era apenas definido pela matéria-prima, mas também pela coloração. Note-se que um par de borzeguins pretos valia menos 10 reais do que um par de borzeguins de cor. Em relação aos sapatos, a diferença ficava-se pelos 5 reais. Entre as servilhas de 15 reais e os borzeguins de 140 reais, ocorria uma diferença de 833,3%.