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3.2. Clérigos e “Profissionais Liberais”

3.2.2. Professor e Conservador

Datas Extremas: 1323-1494;

Representação Geográfica: Coimbra, Évora e Lisboa.

Comece-se por salientar que o salário do professor medieval raramente constituía o único provento económico inerente ao cargo, especialmente quando este era de cariz universitário400. Em certos momentos, ele não chegou sequer a constituir a principal parcela remuneratória, composta sim por tenças, colectas, rendimentos eclesiais (no caso dos docentes clérigos), e toda uma multiplicidade de privilégios401. Conduz-nos, todavia, o intuito de

400

Em relação ao salário dos lentes universitários importa consultar os estudos de COELHO, Maria Helena da Cruz – “As Finanças”. In História da Universidade em Portugal, volume I, tomo I (1290-1536), capítulo II, Coimbra: Universidade de Coimbra e Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 39-67 e MARQUES, José – “Os corpos académicos e os servidores”. In

História da Universidade em Portugal, volume I, tomo I (1290-1536), capítulo III. Coimbra: Universidade de Coimbra e

Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 69-127.

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Refiram-se alguns dos proventos económicos, de cariz monetário, auferidos ao longo dos séculos XIV e XV: em 1392, D. João I aumentava para o dobro as talhas cobradas pelos lentes de Leis e Decretos aos seus escolares (20 libras aos mais ricos, 10 aos meãos e 5 aos mais pobres); em 1450, determinava-se, atendendo à exiguidade do salário da cátedra de Lógica, que cada estudante pagasse ao professor uma quantia anual de vinte reais; em 1463, D. Afonso V concede ao docente de

perceber essa componente salarial, sua evolução e dimensão, quando comparada com outros vencimentos.

Data de 18 de Janeiro de 1323 a primeira notícia sobre o valor dos salários do Estudo Geral, da qual se extraem os seguintes pagamentos mensais a seis mestres e dois conservadores: 50 libras (821 g) ao mestre de Leis, 41,66 (684,1 g) ao de Decretais, 16,66 (273,6 g) ao de Física, 16,66 (273,6 g) ao de Gramática, 8,33 (136,78 g) ao de Lógica e 6,25 (102,63 g) ao de Música. Como se pode verificar, o lente de Leis era o mais bem ressarcido, auferindo mais 20% do que o de Decretais, o segundo mais bem pago, e mais 700% do que o de Música, o menos valorizado nestes inícios da Universidade portuguesa. Apreende-se, igualmente, que o salário mensal médio de um docente rondava as 23,26 libras (381,93 g)402, ou seja, era 2,1 vezes superior ao do ordenado do melhor mesteiral (200 soldos ou 123 g para um reparador de tectos e telhados) ao serviço do cabido da Sé de Évora, em 1340.

Em 1406, o mestre de Leis recebia o mesmo salário facial de 1323, mas a actualização imposta de 5000 libras (500 g) deve ter conduzido a uma perda real na ordem dos 39,1%. Quando comparado com o de outras profissões, este vencimento representava 22,8 vezes mais do que o de um jeirão da mitra de Braga (210 libras), nove vezes mais do que o do encarregado do relógio na cidade do Porto em 1403 (500 libras), cerca de 2,57 vezes mais do que o de um mesteiral louletano em 1403 (1400 libras) e cerca de 1,39 vezes mais do que o do contador da casa dos contos de Lisboa no mesmo ano de 1406 (2092 libras). Tratava-se, portanto, de um elevado mantimento aquele que o mestre de Leis auferia.

Em 1448, o infante D. Henrique comprometia-se a manter, à sua custa, a cadeira de prima de Teologia, afectando-lhe 0,833 marcos de prata (192 g) como salário do lente, salário que seria aumentado para um marco de prata (230 g) em 1460. Tendo em conta que a cátedra de Teologia da hora de prima era das mais importantes, senão mesmo a mais importante e mais bem remunerada, percebe-se uma clara descida do vencimento dos salários universitários face a 1323 e 1406. Em primeiro lugar, este vencimento encontrava-se claramente abaixo da média registada para o ano de 1323 e, em segundo lugar, embora mantivesse uma relação de superioridade face à grande maioria dos ordenados medievais, a distância monetária dessa relação havia encurtado. Note-se que um carpinteiro portuense podia auferir 500 reais em 1450-51 (104,5 a 115 g), ou seja, ordenado idêntico ao de um docente universitário médio, algo que não se verificava em 1323 ou 1406. Apesar da quebra, o ordenado do lente

Teologia uma renda anual de 15000 reais; em 1492, era atribuída uma tença de 4000 reais a um bacharel em Leis, para ensinar Gramática nos Estudos de Coimbra, tença confirmada em 1497.

402 Para se obter uma ordem de grandeza, refira-se que, por este ano de 1323, um alqueire de trigo andaria, em Coimbra, em

universitário continuava a ser superior à maioria dos ordenados medievais. Tome-se, como exemplo, o vencimento do mestre de carpintaria e artilharia real, segundo Costa Lobo, o oficial mecânico mais bem pago do reino403, com 766,25 reais (176,24 g) ou os vencimentos do porteiro da câmara portuense em 1450-51, o qual auferia apenas 125 reais (26,13 a 28,75 g) e do escrivão da alfândega de Lisboa em 1450, este com 200 reais (46 g). Obviamente mais elevados eram os ordenados dos oficiais superiores da administração central, caso do vedor da fazenda da Casa de Ceuta, o qual, em 1448, recebia 3333 reais (1097 g) ou mais 471%.

Em 1494, era atribuído um salário de 720 reais (72,72 g) ao lente de véspera de Medicina, o que comprova a ideia de quebra nos salários. Ainda que se tenha em conta o facto de este docente não ter sido dos mais bem ressarcidos, é de notar que seu ordenado podia ser atingido e até ligeiramente superado pelos 800 reais (80,8 g) passíveis de serem recebidos por um carpinteiro portuense em 1491-92. No conjunto das profissões, o panorama mantinha-se idêntico: ainda que longe dos 2917 reais (295 g) que constituíam o ordenado do vedor da fazenda em 1490, o seu salário era superior em cerca de 475% face aos 125 reais (12,63 g) do vencimento do procurador da câmara portuense no dito ano de 1494 ou em 20% face aos cerca de 600 reais (60 g) auferidos por um juiz do cível ou crime lisboeta em 1498.

O Estudo Geral compunha-se, igualmente, de alguns oficiais responsáveis pela boa ordem e manutenção do Estudo. Um deles, o conservador, auferia 3,33 libras (54,68 g) em 1323, ou seja, menos 85% do que o salário médio de um docente. Em 1396, à imagem do grupo docente, via cair o seu rendimento cerca de 30% para 41,66 libras (38,33 g) 404.

Finaliza-se esta análise com a evocação do pagamento de uma tença mensal, em 1459, de 250 reais a um “um bacheler que ensina gramatiga e a escrever os filhos dos boons e

quaesquer outros que querem aprender”405. Com esta quantia, o bacharel auferia a mesma remuneração do escrivão e o dobro da do porteiro da câmara do Porto em 1450-51. Da mesma forma, constituía metade do máximo passível de ser auferido por um carpinteiro portuense no mesmo ano e menos 77,3% do que o salário do prestigiado docente de prima de Teologia em 1460. Contando com outros ganhos, estávamos perante um salário prestigiante.

403

LOBO, História da Sociedade…, p. 505.

404

Segundo Maria José Ferro Tavares, o rendimento do conservador era de 500 libras mensais, o que significaria uma subida de 740% face a 1323, bem como uma proximidade improvável com o salário de um lente de leis, orçado em 5000 libras (500 g) em 1406. TAVARES, Estudos de História…, p. 129.

405

Ficou assim registado o processo de definição da referida tença, extraído de capítulo especial da cidade de Évora nas cortes de Lisboa de 1456: “Outrossy senhor a esta cidade se veeo morar um bacheler que ensina gramatiga e a escrever os

filhos dos boons e quaesquer outros que querem aprender ao qual a cidade hordenou em cada hum anno de teença tres mil e quinhentos réis; e ora senhor o corregedor da côrte quando proveeo as despesas e contos aos officiaes disse que era muy grande teença, e que era assaz pera elle dous mil réis e que lhe nom dessem mais, e elle diz que se lhe nom derem os ditos tres mil e quinhentos réis que se hirá da cidade e nom ensinará mais. Senhor, seja vossa mercee que ajamos vosso mandado e autoridade pera lhos darmos, que honra he a hua tal cidade aver em ella quem ensine os filhos dos boons e quaesquer outros que querem aprender. A esto respondemos que nos praz que possaes poer tença ao dito mestre se pera ello for pertencente atee contia de tres mil réis se avees por honra da dita cidade e por proveito das singolares pessoas della” Documentos Históricos…, II, p. 78-79.