• Nenhum resultado encontrado

ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS DURANTE A PANDEMIA

No documento VOLUME 3 COMPETÊNCIAS E REGRAS (páginas 141-144)

ENFRENTAMENTO DA PANDEMIA DE COVID-

4. ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS DURANTE A PANDEMIA

Atento a esse quadro, que se mostrava especialmente preocupante no início da pandemia, porquanto ali o grau de incerteza sobre seus impactos era extremamente elevado, o legislador alterou o quadro normativo aplicável às contratações públicas efetuadas durante a pandemia e flexibilizou normas de responsabilidade fiscal.

Em 20 de março de 2020, o Congresso Nacional editou o Decreto Legislativo 6/2020 (3),

reconhecendo o estado de calamidade pública resultante da pandemia de importância mundial, para os fins do art. 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal, dispensando o governo federal do dever de atingir resultados fiscais e promover contingenciamento de despesas constantes do orçamento, em razão da frustração de receitas advinda da redução da atividade econômica. Com a posterior edição da Lei Complementar 173 (4), que alterou dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal

para dar tratamento especial ao período da calamidade pública, o reconhecimento dessa situação pelo Congresso Nacional passou a produzir efeitos também para os demais entes federados.

Em 7 de maio de 2020, o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional (EC) 106 (5), que instituiu o chamado “Orçamento de Guerra”, com a flexibilização de regras

fiscais, administrativas e financeiras com o fim de conferir ao governo federal instrumentos jurí- dicos para gerir com mais liberdade, transparência e segurança as contas públicas do país e adotar medidas para enfrentamento da pandemia.

A EC 106/2020 (5) determinou a criação de um orçamento específico, com segregação

dos gastos relativos à pandemia do Orçamento Geral da União para 2020, permitindo melhor visualização e avaliação dessas despesas.

Além desse objetivo, a emenda produziu as seguintes mudanças, válidas para o período de calamidade pública:

i. foram convalidados os atos de gestão relativos à pandemia adotados desde 20 de março, protegendo os servidores públicos envolvidos;

ii. admitiram-se procedimentos simplificados de contratação de pessoal, em caráter temporário e emergencial;

iii. também foram admitidos procedimentos simplificados para aquisições e contratações de serviços e obras;

iv. o governo federal não precisará cumprir a chamada “regra de ouro” da responsabilidade fiscal, estando autorizado a emitir títulos da dívida em montante superior ao das despesas de capital; v. empresas com irregularidades previdenciárias poderão contratar com a administração e se beneficiar de incentivos fiscais;

vi. a distribuição de equipamentos, medicamentos e insumos da saúde entre estados e municí- pios deverá obedecer a critérios objetivos e previamente publicados, a fim de garantir tratamento isonômico entre os entes federados;

vii. o Banco Central foi autorizado a comprar e vender títulos do Tesouro Nacional nos mercados secundário, local e internacional;

viii. o Banco Central foi autorizado ainda a adquirir títulos privados e créditos nos mercados financeiro, de capitais e de pagamentos.

Cabe destacar as medidas apontadas nos itens “iv” e “vii” acima referidas. A “regra de ouro” impede que o ente da federação se endivide para realizar despesas de custeio, como pessoal, manutenção, contas de luz etc., a menos de excepcional autorização legislativa específica para tanto. Em tempos de normalidade, o descumprimento da “regra de ouro” pode levar à rejeição das contas do Presidente da República e sujeitá-lo a processo de impeachment por violação das normas relativas a orçamento público.

A aquisição de títulos e créditos privados pelo Banco Central visa garantir fluidez no mercado de crédito, essencial para o funcionamento da economia, mas constitui medida de elevado risco, uma vez que pode transferir àquela instituição títulos eventualmente sem aceitação no mercado, considera- dos “podres”, com a finalidade de promover o salvamento de empresas em situação pré-falimentar por causas independentes da pandemia. O risco também é elevado porque os servidores do Banco Central não têm a mesma experiência que os empregados das instituições financeiras possuem para avaliação do risco de crédito associado às empresas e seus respectivos títulos.

Embora a EC 106/2020 (5) autorize a operação, ela não pode ser feita sem criteriosa análise

de sua necessidade e dos riscos envolvidos. A urgência decorre das emergências na área da saúde, nas quais o bem posto em risco é a vida, não ocorre com a mesma intensidade para o salvamento de empresas em dificuldades. A autorização excepcional deve ser utilizada apenas em condições também excepcionais. Esse é um ponto que certamente merecerá atenção por parte do TCU.

Também o Supremo Tribunal Federal (STF) se manifestou no sentido da necessária flexibili- zação das normas relativas à responsabilidade fiscal. Antes mesmo da promulgação da EC 106/2020(5),

o ministro Alexandre de Moraes deferiu medida cautelar pedida pelo Presidente da República nesse sentido. Com o advento da emenda constitucional 106/2020(5), entendeu o STF que o pedido do

Chefe do Executivo já se encontrava atendido pelo novo texto constitucional, sendo desnecessária a continuação do processo. Caso não houvesse a emenda, contudo, já estaria assegurada pelo STF a necessária flexibilização orçamentária e financeira para enfrentamento da pandemia.

Para tratar de diversos aspectos relativos ao enfrentamento da pandemia, o Congresso Nacional editou a Lei 13.979, de 6 de fevereiro de 2020 (6). No que diz respeito ao tema das com-

pras governamentais, cabe destacar o art. 4º, que estatui ser “dispensável a licitação para aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus”. 

Trata-se de nova modalidade de contratação emergencial, distinta das previstas na Lei

8.666/93 (7) e Lei 13.303/2016 (8), por admitir procedimentos preparatórios ainda mais simpli-

ficados, nomeadamente o planejamento, a elaboração da estimativa de orçamento, o termo de referência ou projeto básico, a fundamentação fática e jurídica, os requisitos para contratação e os critérios de pagamento.

Em casos excepcionais, poderá ocorrer até mesmo a dispensa da estimativa de preços ou a contratação por preços superiores ao da estimativa feita, em razão da oscilação de preços no mercado. A escassez de certos produtos no início da pandemia, resultado do aumento súbito da demanda, fez com que seus preços tivessem alta sem precedentes.

Em favor dos gestores, a lei declara presumidas a situação de emergência; a necessidade de pronto atendimento da situação e a existência de risco à segurança de pessoas, obras, prestação de serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares. Tais presunções não dispensam a necessidade de motivar a contratação, mas admitem motivação simplificada, resumida, uma vez que seu contexto se afigura presumido.

A Lei 14.065, de 30 de setembro de 2020 (9), resultante da conversão da Medida Provisória

961/2020, admitiu o pagamento antecipado em situações excepcionais, quando essa antecipação for “condição indispensável para obter o bem ou assegurar a prestação do serviço” ou propiciar significativa economia de recursos.

Observe-se que o legislador foi assaz proficiente na tarefa de prover os gestores de todas as normas autorizadoras das condutas especiais requeridas pela pandemia, sem descuidar, todavia, de exigir fundamentação e transparência, com a publicação em sítio eletrônico, no prazo máximo de cinco dias úteis, contado da realização do ato, de todas as aquisições ou contratações realiza- das com base na Lei 13.979/2020 (6), com o nome do contratado, número de sua inscrição na

Secretaria da Receita Federal do Brasil, prazo contratual, processo de aquisição ou contratação, discriminação e valor do bem, além de outras informações para dar satisfação à sociedade.

Não obstante essa maior liberdade, com todas as salvaguardas legais para rápida atuação dos gestores na pandemia, surgiram dúvidas e receios entre os gestores quanto à forma com que seus atos seriam posteriormente avaliados pelos órgãos de controle.

O receio era de que, após meses ou anos do encerramento da pandemia, os atos fossem examinados com perda daquela referência de contexto emergencial em que foram tomados.

O governo federal chegou a editar a Medida Provisória (MP) 966/2020 (10) com o objetivo

de explicitar que os agentes públicos somente poderiam ser responsabilizados pela prática de atos relacionados com as medidas de enfrentamento da pandemia e de combate aos efeitos econômicos e sociais dela decorrentes se agissem ou se omitissem com dolo ou erro grosseiro.

A MP 966 (10) estabeleceu ainda que a responsabilização por opinião técnica não se es-

tenderia automaticamente ao gestor que a houvesse adotado como fundamento de decidir, exceto

se houvesse elementos bastantes para o agente público aferir o dolo ou o erro grosseiro da opinião técnica ou se houvesse conluio entre os agentes.

No art. 2º, definia-se o erro grosseiro como o erro manifesto, evidente e inescusável, praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia.

Já o art. 3º estabelecia os seguintes elementos que deveriam ser considerados na aferi- ção de eventual erro grosseiro na conduta do agente, a saber: os obstáculos e dificuldades reais do agente; a complexidade da matéria e das atribuições exercidas pelo agente; a circunstância de incompletude de informações na situação de urgência ou emergência; as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação ou a omissão do agente e o contexto de incerteza acerca das medidas mais adequadas para enfrentamento da pandemia de COVID-19 e das suas consequências, inclusive as econômicas.

A MP 966 não foi, contudo, convertida em lei e perdeu sua eficácia. O Congresso Nacional não considerou que fossem necessários seus dispositivos, provavelmente pelo conjunto de autorizações legais já editadas para salvaguarda dos gestores, pelas disposições já vigentes na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (LINDB) e pelo modo com que já atuam os tribunais de contas no Brasil (11).

5. A ATUAÇÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU)

No documento VOLUME 3 COMPETÊNCIAS E REGRAS (páginas 141-144)