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O CONTROLE NO AMBIENTE PRIVADO E NO SETOR PÚBLICO

No documento VOLUME 3 COMPETÊNCIAS E REGRAS (páginas 138-141)

ENFRENTAMENTO DA PANDEMIA DE COVID-

3. O CONTROLE NO AMBIENTE PRIVADO E NO SETOR PÚBLICO

Gerir qualquer organização, pública ou privada, implica um processo contínuo de to- mada de decisões, que se podem revelar mais ou menos acertadas.

Embora na gestão privada haja mais liberdade para decidir, nela há também processos contínuos de controle, por vezes sofisticados e, em certos casos, notadamente rígidos, para prevenir decisões demasiadamente arriscadas, conflitos de interesse ou condutas desviantes. Assim ocorre em instituições financeiras, cujas análises de risco de crédito seguem regras e parâmetros estritos para preservação da própria instituição e do sistema financeiro. Há empresas de grande porte que não admitem a coexistência em seus quadros de parentes em linha reta, afins e colaterais até certo grau, ainda que não trabalhem no mesmo setor da empresa, com a finalidade de assegurar impessoalidade na gestão de pessoas e evitar conflitos de interesses. Outras empresas não admitem qualquer tipo de relacionamento entre os funcionários responsáveis pelas compras da empresa e seus fornecedores que não ocorra pelos canais oficiais previamente estabelecidos. De fato, o controle é essencial em qualquer organização. Não é característica exclusiva do setor público.

Decidir sempre envolve riscos para quem decide. Na iniciativa privada, os gestores são chamados a tomar decisões o tempo todo, muitas delas em tempos de crise, cruciais mesmo para o futuro da organização. Por elas, respondem com o próprio emprego e com sua reputação, acaso se mostrem desarrazoadas. Embora não haja elevados riscos jurídicos, a menos que ocorram con- dutas com falta de integridade, definitivamente não há conforto ou tranquilidade permanentes para quem toma decisões na iniciativa privada. O risco de demissão está sempre presente.

Na gestão pública, o processo decisório é sujeito a diversas regras de procedimento, que visam assegurar a impessoalidade e obter as melhores condições para a administração. Quer-se evitar que contratações sejam dirigidas a empresas de propriedade de parentes ou amigos do gestor, busca-se oferecer a todos a oportunidade de fornecer para o Poder Público e pretende-se, com a competição entre os interessados, que as melhores condições sejam oferecidas. Por fim, esse processo decisório é ainda submetido a uma avaliação de economicidade, isto é, uma avaliação de custo-benefício do gasto público, com finalidade, quase sempre, de promover a melhoria de decisões futuras, mas que pode também adquirir conformação sancionatória em casos de decisões evidentemente antieconômicas.

É fato que a gestão pública não conta com a mesma liberdade que a privada. Enquanto o gestor privado é cobrado fundamentalmente pelos resultados alcançados, o gestor público é também avaliado pelos procedimentos adotados, mas, em compensação, quase nunca será demi- tido por decisões apenas malsucedidas.

A administração pública precisa observar e tornar concretos os princípios da legali- dade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, conforme estabelece o art. 37 da Constituição (2). Embora relevantes para essa finalidade, não há dúvida de que os procedimentos

estabelecidos para garantir esses princípios tornam a gestão pública mais lenta.

Essa lentificação da gestão pública impõe desafio adicional ao gestor que é o de obter resultados positivos, conforme o planejamento feito, tendo de observar regras e etapas estabelecidas em lei para a tomada de decisão, especialmente aquelas relativas a compras, contratações e obras.

Entre a decisão política de realizar algo e a decisão administrativa para efetivá-la, há um espaço de tempo permeado por análises técnicas e jurídicas que darão sustentação à decisão administrativa, além da observância de prazos legais, sem contar o tempo demandado pelos fornecedores para a entrega dos produtos contratados.

Se, em tempos de normalidade, a gestão pública é desafiadora, nos tempos adversos decorrentes da pandemia de COVID-19, os desafios são ainda maiores. No contexto da pandemia, decisões ágeis se fazem necessárias. É preciso adequar a capacidade de atendimento médico às projeções de evolução do número de casos, considerando as medidas de contenção da disseminação da doença adotadas. Vale dizer, dentro de um cenário em que dadas medidas de isolamento e suspensão de atividades econô- micas são adotadas, deve-se adequar a capacidade de atendimento médico disponível à hipótese mais pessimista, ou pelo menos à mais provável, de expansão do número de doentes.

Para isso, espera-se do Poder Público uma reação rápida, de efeitos o mais possível imediatos, que promova o aumento do número de leitos hospitalares para internação de pacientes e incremento dos leitos de terapia intensiva, o que requer aumento proporcional da força de trabalho dos profissionais de saúde, de equipamentos de proteção individual (EPI), de medicamentos e demais materiais médico- -hospitalares. Tudo isso precisa ser providenciado com presteza. Na maior parte dos casos, não há tempo para os procedimentos de licitação. É preciso realizar contratações diretas.

Muitas vezes, não há sequer a possibilidade de receber os produtos para só então proce- der ao pagamento correspondente. O quadro de escassez de produtos, provocado pela demanda mundial pelos mesmos insumos, gerou uma corrida para sua aquisição, favorecendo os adquirentes dispostos a pagar adiantadamente pelo fornecimento. Nesses casos, o gestor que não aceitar o risco do pagamento adiantado, que é o de não receber o produto posteriormente, colherá a certeza de não conseguir dar resposta à necessidade de ampliação da rede de saúde que lhe compete gerir e, com isso, ocorrerão mortes que poderiam ser evitadas.

Além disso, a escassez de produtos provoca a elevação dos preços, especialmente daqueles que não podem ter sua oferta rapidamente ampliada, como é o caso dos aparelhos de suporte à respiração (respiradores) utilizados nos pacientes com prejuízo importante da função pulmonar. Como realizar contratações diretas de elevados valores, com possível pagamento adiantado, sem violar as normas de direito financeiro, sem correr o risco de ser apenado pelos tribunais de con- tas ou processado por improbidade administrativa perante o Poder Judiciário? Como justificar a aquisição de produtos com preços sensivelmente majorados sem caracterizar sobrepreço?

Além da necessidade de rápida reação no atendimento à saúde, surgiu também a neces- sidade de medidas econômicas, com novos gastos públicos, para evitar ou mitigar um possível quadro de falência generalizada de empresas, provocado pela suspensão de suas atividades por conta das medidas de isolamento social, como também o quadro de desemprego e consequente perda de renda de milhares de trabalhadores formais e informais, pondo em risco a própria segu- rança alimentar de suas famílias.

Esse aumento do gasto público, seja na saúde, seja no resto da economia, inexoravelmente conduziria os entes federativos, especialmente a União, a ultrapassar os limites de gastos estabe- lecidos nas normas de responsabilidade fiscal. Como fazer isso sem sofrer as punições previstas em lei e aplicáveis pelos tribunais de contas?

Nada obstante, a pandemia também constitui desafio para os órgãos de controle. Como realizar a missão de prevenir e coibir abusos sem criar embaraços à gestão ágil e eficiente? Como avaliar corretamente o quadro fático – em que as decisões foram tomadas a fim de não cometer injustiças? Como impedir que a flexibilização de procedimentos não se transforme em salvo-con- duto para o cometimento de desvios?

A pandemia passará em algum momento, mas as contas públicas permanecerão, assim como o dever de fiscalizá-las.

No documento VOLUME 3 COMPETÊNCIAS E REGRAS (páginas 138-141)