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Amazônia colonial: gênese das relações socioespaciais do extrativismo

1. NOTAS SOBRE A FORMAÇÃO SOCIOESPACIAL DA AMAZÔNIA

1.1. Amazônia colonial: gênese das relações socioespaciais do extrativismo

Descrever o desenvolvimento econômico e espacial da Amazônia é um desafio permanente de identificação das arestas que definem a formação socioespacial da Amazônia e suas estruturas de produção. Nesse processo, importa definir bem claramente de que forma interagiram os determinantes do tempo de longa duração da floresta com os determinantes do tempo conjuntural associados ao ciclos econômicos extrativistas, transcorridos durante o tempo da ocupação colonial da Amazônia (do século XVII ao século XIX). Nesse momento inicial de conquista do território, o bioma da floresta amazônica aponta o sentido das relações de produção e dos elementos que comporão suas forças produtivas, organizando uma estrutura de produção pautada nas práticas do extrativismo de coleta e na apropriação indiscriminada do conhecimento indígena.

Na floresta colonial, observa-se que a prevalência de atividades econômicas de exportação mais preponderantes conforma uma longa continuidade nas práticas de extrativismo de coleta. A Amazônia colonial assiste à formação de um longo ciclo extrativista

que pode ser segmentado em fases pontuais nas quais preponderam alguns produtos, basicamente os demandados pela metrópole48: ciclo das drogas do sertão, sobreposto por um ciclo de exportação do cacau, que posteriormente é sobreposto por um ciclo gomífero, que por fim dá lugar a um ciclo de exploração e beneficiamento da castanha-do-pará49.

A periodização tradicional da história econômica da Amazônia colonial50 pode ser ajustada aos objetivos do capítulo de modo a iluminar os elementos da estrutura de produção extrativista e posteriormente da estrutura de produção agrícola. Roberto Santos51 sugere a

existência de alguns períodos diferenciados de exploração extrativista da Amazônia colonial. O primeiro é marcado pelo profundo isolamento comercial em relação à própria metrópole, em que predominavam atividades econômicas de baixo dinamismo e pouca conexão com o mercado externo, servindo basicamente à subsistência dos colonos. O segundo período inicia em meados do século XVIII, quando o cacau amazônico passa a representar, em valor, mais de 90% das exportações regionais52.

Até 1755, a exportação é comandada diretamente pelos colonos missionários, posteriormente substituídos por colonos portugueses que chegam a reboque de novas diretrizes da Corôa para a região53. Um terceiro período é marcado por uma expansão econômica ainda pautada basicamente no extrativismo do cacau, mas que, desse ponto em diante, seria mediada pelos agentes da Companhia e uma nova classe de colonos e fidalgos portugueses. O declínio dessa fase do ciclo é motivado por mudanças na demanda externa pelo produto, resultando em um quase imediato processo de desaceleração e estagnação da economia até o fim do período colonial brasileiro.

É interessante notar que no início do longo ciclo extrativista da Amazônia colonial, a exuberância da floresta, berço de segredos e riquezas que ainda hoje instigam o

48 COSTA, 2012, p. 21.

49 A respeito da ideia de ciclos econômicos durante o período colonial brasileiro, Costa (2012) defende a não

existência de um “produto-rei” que predomina única e exclusivamente sobre a economia de uma região. Na visão do autor, essa ideia de ciclo econômico periodizando a histórica econômica do período colonial brasileiro, pode vir a obscurecer outras atividades que não só estavam presentes naquele momento, como poderiam representar uma fração importante do que era exportado.

50 Quando nos referimos à Amazônia colonial, é importante que se diga que estamos tratando do Estado do

Grão-Pará e Maranhão, uma das colônias portuguesas da América do Sul e que hoje corresponde a grande parte da Amazônia legal brasileira. Diferindo-se politicamente do Estado do Brasil, foi constituído inicialmente 1621 como resultado do domínio lusitano definitivo sobre aquela parcela do território sul-americano. Correspondia a uma evolução institucional da capitania do Maranhão, constituída em 1534, mas que só é efetivamente ocupada pelos portugueses após a recuperação da cidade de São Luís do domínio francês durante a dinastia Filipina em 1615.

51 Cf. SANTOS, R. de A. História econômica da Amazônia: 1800 – 1920. São Paulo: T.A. Queiroz, 1980. 52 SANTOS, op. cit., p. 17.

capital estrangeiro internacional, tornar-se-ia ao mesmo tempo dádiva e castigo. Dádiva, pois oferecia, em larga escala, mercadorias prontas para o comércio internacional, ao alcance das mãos daqueles que se dispunham a coletá-las54; castigo, pois a mesma exuberância, que norteava a produção de riqueza, também limitava o projeto de exploração colonial portuguesa, modificando as estratégias de colonização até então utilizadas na conquista ultramarina55.

Organizada como empresa mercantil, a viabilidade econômica da colônia é o que definiria a possibilidade, ou não, de conquista efetiva daquele território para o Estado português56. Não contavam os colonizadores que o caráter específico das condições naturais

da região estaria para além das técnicas agronômicas dominadas até então57, inviabilizando

aquele espaço como uma economia colonial organizada a partir da plantation monocultora. Em seu lugar, os produtos primordialmente exportados da Amazônia – drogas do sertão – seriam fruto do extrativismo de coleta. Essa condição obrigaria a reconfiguração de estratégias empresariais e de Estado, implicando na modificação dos elementos utilizados como forças produtivas e nas próprias relações socioespaciais de produção tidas como ideais para a exploração do novo mundo pelos portugueses.

É o paradoxo de uma natureza que limita a expansão da monocultura e ao mesmo tempo apresenta a solução para uma ampla geração de excedentes comercializáveis, o que possibilita a viabilização econômica e militar do Estado do Grão-Pará e Maranhão como uma gigantesca área para a prática do extrativismo. Assim, nos primórdios da formação socioespacial da Amazônia, molda-se uma estrutura de produção extrativista cuja dialética interna se torna dependente da permanência – e não da eliminação da floresta –, diferenciando-se em vários aspectos das outras formações socioespaciais coloniais dispostas no Estado do Brasil, que tinham a monocultura como atividade preponderante de exportação.

É evidente que a escravidão é a relação de trabalho que pretende se colocar como hegemônica, pelo menos sob o ponto de vista de política de Estado. Entretanto por determinantes do espaço social presentes na estrutura extrativista, esse tipo de relação ganha contornos específicos e se transforma. As sociedades indígenas locais tornam-se os principais centros de oferta de força de trabalho escrava, pois é somente pelo conhecimento indígena –

54 COSTA, op. cit., p.172. 55 COSTA, 2010, p. 168.

56 Importa lembrar que a presença estrangeira na região era um constante, antes do século XVII, ocorrendo

inclusive a presença de espaços militares estrangeiros (fortes e fortins) no interior da floresta, e mesmo a fundação de cidades como foi o caso de São Luís no Estado do Maranhão. Cf. Leal (2007).

dimensão do saber da consciência prático-moral – que se viabiliza o extrativismo de coleta de drogas do sertão como uma atividade realmente lucrativa para o projeto colonial.

Desse modo, a falta de conhecimento do meio ambiente amazônico pelo colono – saber tecnicamente valorizável – e a dificuldade de tornar cativa a mão de obra importada da África, pela extensão das áreas de coleta das drogas do sertão no interior da floresta, alça a mão de obra indígena à melhor opção disponível para o agente colonizador, tornando sua disponibilidade um pressuposto da própria existência da produção colonial58. Todavia, em

relação ao cativo africano, as relações de produção forjadas entre o agente colonizador e o índio consolidaram-se de forma distinta, posto que as leis que as regem são as mesmas.

A política indigenista para a Amazônia colonial foi a chave-mestra da política do Estado português durante o período colonial59. Tratava-se de leis mais brandas no sentido do grau de exploração, se comparadas evidentemente ao massacrado escravo negro, o que só se tornava possível em virtude da interpretação que a igreja católica possuía do índio60. Aparentemente, sem apresentar relação direta com as determinações do ciclo extrativista, a legislação indígena portuguesa para suas colônias sofreu sucessivas alterações entre os séculos XVI e XVII, alternando o controle sobre a força de trabalho: ora dominavam os colonos leigos, ora os colonos missionários.

Segundo a política indigenista, a compulsão da força de trabalho indígena deveria segmentar-se de dois modos: os índios considerados aldeados (aliados) e os tidos como cativos (inimigos)61. O modo de compulsão escravista da força de trabalho indígena, aos moldes do modelo de escravidão dos cativos africanos, sucumbe como relação de trabalho

58 Cabe destacar os motivos principais para a prevalência da mão de obra escrava indígena perante a mão de obra

escrava africana: o primeiro deriva do seu conhecimento sobre o meio ambiente amazônico, o que garantia uma coleta mais eficiente das “Drogas do sertão”; o segundo e mais determinante deriva das grandes dimensões das áreas de coleta, o que dificultava enormemente o controle do trabalhador, sem o que a relação escravista torna-se impossível. Cf. Costa (2010).

59 MELLO, M. E. A. S. Fé e Império: as juntas das missões nas conquistas portuguesas, Manaus: EDUFAM,

2009. p. 245.

60 A legislação indigenista que interfere nas relações de produção da colônia amazônica não são estáticas, se

modificando algumas vezes ao longo do século XVII. A escravidão legal do gentio foi instituída pelo sistema de organização do trabalho indígena (Sistema de Capitães de Aldeia) em 1611, que entregava aos colonos o controle da captura do indígenas na aldeia. A violência desse processo resultou tanto em um acentuado genocídio étnico na Amazônia colonial, quanto em práticas predatórias de coleta que devastavam os depósitos de especiarias amazônicas. Foi envolta nessas questões, nas ideias de Pe. Antônio Vieira e da “Revolta de Beckman” no Maranhão que a Coroa define, em 1686, o Regimento das Missões do Estado do Maranhão e Grão-Pará, que passa o controle do indígena para as mãos dos missionários. Cf. LEAL, A. L. Uma sinopse

histórica da Amazônia. São Paulo, 1991; cf. MELLO, M. E. A. S. O regimento das missões: poder e

negociação na Amazônia portuguesa. CLIO: Revista de Pesquisa Histórica, n. 27.1, 2010.

61 FARAGE, N. As muralhas dos sertões: os povos indígenas no rio Branco e a colonização. Rio de Janeiro:

hegemônica tanto pela violência do processo de captura62 quanto pela impossibilidade de controle sobre a força de trabalho escravizada, devido à amplitude e complexidade das áreas de coleta63. Desta forma, o grau de produtividade no extrativismo de coleta por meio do índio escravizado deveria ser bem inferior ao do índio aldeado, tendo em vistas as fugas constantes durante período de coleta64.

A força de trabalho indígena era aldeada principalmente pelo trabalho de catequização dos colonos missionários, que subiam às aldeias com o intuito de promover a catequização do nativo amazônico e seu descimento para as aldeias missionárias localizadas na orla dos principais rios da região65. No caso específico dos índios situados nos aldeamentos

missionários, as relações de produção que se estabelecem são distintas e não se baseiam na escravidão do corpo, mas na do espírito. Ocorre que a aculturação e a catequização do índio foram as formas encontradas para manejar a mão de obra indígena na relação com os colonos missionários66, dispensando a escravização forçada.

Pode-se inferir que nas empreitadas de captura nos rincões da floresta, o colono português incentivava ainda mais os descimentos para os aldeamentos. Por isso, se olharmos da perspectiva do indígena, após a conquista portuguesa restavam duas “opções” distintas, ambas catastróficas do ponto de vista cultural e humano: resistir às guerras ditas justas67, promovidas pelo agente colonizador, ou então “descer” aos aldeamentos missionários situados na beiras dos principais rios da região68, onde seriam convertidos e trabalhariam na

62 O único caso em que a escravidão era permitida pela legislação indigenista portuguesa era naqueles casos

prisioneiros de investidas armadas (guerras justas) contra aldeias, promovidas pelos colonos leigos. Essa condição impulsionou constantes empreitadas militares em busca de força de trabalho ao custo de imensos genocídios do indígena durante grande parte do século XVII.

63 COSTA, 2012, p. 41. 64 Idem.

65 O aldeamento era um misto de espaço de conversão e catequização, com espaço de moradia e espaço de troca

de mercadorias, constituindo-se como unidades quase autônomas de produção. Dividia-se a rigor em três tipologias: o aldeamento missionário cujos índios estavam a serviço unicamente das ordens religiosas, cuja renda revertia para as mesmas, livre de impostos, como uma forma de pagamento pelo serviço de catequização que estes prestavam à Coroa; aldeamentos do serviço real, no qual a força de trabalho indígena era utilizada estritamente para os serviços do Estado, incluso os serviços militares; e por último os aldeamentos de repartição, cuja força de trabalho indígena era utilizada para a subsistência dos moradores das vilas e cidades próximas.

66 Segundo Costa (2012 p.41), tratava-se de “uma pedagogia decultadora, uma metodologia de transformação

sem dor dos ‘inocentes’ (pois ainda não tocados pela verdade), ‘pagãos’ ofensivamente livres, em homens disciplinados para o louvor a Deus e para os trabalhos da terra, das águas e dos matos”.

67 Como explica Mello (2009), o conceito de guerra justa se aplicava a povos que não tinham conhecimento da

Fé cristã, e cuja hostilidade e ofensa aos cristãos podia ser corrigida pela justa causa da guerra. MELLO, M. E. A. S. Fé e Império: as juntas das missões nas conquistas portuguesas, Manaus: EDUFAM, 2009. p.310.

68 Apenas a nível de nota, é preciso colocar que a colonização portuguesa obrigou à maior parte dos grupos

indígenas amazônicos refugiarem-se no interior da floresta, para a sua própria proteção contra os europeus. Nos relatos são descritos duas principais áreas mais densamente na Amazônia pré-portuguesa: a primeira na várzea

coleta extrativa das drogas do sertão para os agentes da colônia em troca de um salário irrisório69. Dessa forma, não se tornaria um cativo, no sentido de “perder” propriedade sobre sua própria vida, tampouco permaneceria índio, tendo em vista o afastamento de sua cultura e a catequização pelo missionário; tornar-se-ia sim um escravo disfarçado compulsoriamente de trabalhador livre70. Em outras palavras, mesmo destituído de sua cultura, ao indígena aldeado sob a tutela dos colonos missionários era garantido proteção contra o agente colonizador português, assegurando-se sua vida como um não-índio no interior do aldeamento. Uma condição que engendra paulatinamente novos princípios de organização social para a força de trabalho regional.

Nos aldeamentos, as atividades cotidianas poderiam ser supervisionadas de perto, ao mesmo tempo em que seus espíritos seriam salvos e sua força de trabalho, encaminhada paulatinamente para novas tarefas71. A interação com os colonos e indígenas aldeados estabeleceria formas de integração que, paulatinamente, separariam os mecanismos de aprendizado entre o agir comunicativo e o agir instrumental para o trabalho em cooperação, possibilitando o surgimento de elementos específicos da força produtiva, como objetos de trabalho e meios de produção necessários às atividades extrativistas.

O aldeamento se tornaria o espaço social inicial articulado à estrutura extrativista da formação socioespacial da Amazônia, onde o ritmo e o controle do trabalho e da vida podiam ser ditados pelos representantes da autoridade metropolitana ou religiosa. Ao ser convertido e aldeado, o indígena é acima de tudo constrangido enquanto sujeito, o que permite a imposição de mudanças no seu modo de produzir excedente, daí por diante orientado pela demanda do comércio internacional. No interior do aldeamento missionário, o indígena assiste à desarticulação da forma tribal das suas relações de produção72. O salário irrisório que recebia passa a servir para obter produtos manufaturados que não produzia e de que, uma vez destribalizado, passa a necessitar.

da Bacia Amazônica, se estendendo ao longo de todo o trecho do baixo Amazonas, próximo à foz do Rio Negro; uma segunda que também localizava-se no Baixo Amazonas, mas no trecho entre o Rio Negro e a Ilha de Marajó.

69 “Estimativas dão conta que o salário mensal de um índio [...] convertido à comparação com artigos

comerciados à época, não era suficiente para comprar uma faca, nem mesmo um anzol” (LEAL, 2007).

70 Idem

71 SCHMINK, M.; WOOD, C. H. Conflitos sociais e a formação da Amazônia. Ed. UFPA, 2012. p. 77. 72 “A desarticulação da forma tribal das relações sociais em proveito mercantil através de injeção de artigos

europeus, cujo fornecimento posterior era condicionado à sua (indígena) participação nas atividades produtivas, foi condição para o devassamento da floresta tropical ao longo dos rios, furos, lagos e canais e a exploração das drogas do sertão” (CARDOSO; MULLER, 1977, p. 22). Cf.: CARDOSO, F. H.; MÜLLER, G. Amazônia:

Era no aldeamento missionário, mais do que nas vilas urbanas, que se desenrolava uma parte significativa da vida cotidiana da Amazônia colonial, já que era ali que se concentrava a maior parte dos indígenas aldeados e destribalizados. Pela necessidade de promover descimentos, os aldeamentos localizavam-se nos rincões da floresta, o que obrigava que se estabelecessem meios de transporte articulados com a rede fluvial da região, de modo a conduzir o que era extraído diretamente para Belém, ponto final entre a colônia amazônica e a Metrópole portuguesa, e onde localizavam-se os principais templos/armazéns das ordens religiosas73.

Os descimentos ampliaram as áreas de coleta de drogas do sertão, e construir aldeamentos ao longo do curso dos principais rios da região amplia o domínio português sobre a bacia amazônica74. Como não havia localizações pré-definidas das especiarias, os colonos buscavam áreas onde pudessem encontrar a concentração de algumas drogas específicas, como é o caso dos cravos na região do alto Xingú75. Essa condição difundiu lentamente o aldeamento missionário pela calha dos principais rios da região no período colonial, atingindo, em 1718, um total de 51 aldeamentos apenas no rio Amazonas, divididos entre as principais ordens religiosas presentes no Grão-Pará76, estendendo os limites da formação socioespacial amazônica e se constituindo como pontos nodais da embrionária rede urbana da região.

O isolamento do aldeamento missionário, somado às relações de produção predominantes na estrutura extrativista, inviabiliza que a hegemonia sobre o comércio das drogas do sertão fosse mediada por outros grupos sociais que não os próprios colonos missionários. As relações socioespaciais de produção da estrutura extrativista a princípio desestimulam inclusive que o comércio fosse mediado por qualquer tipo de sistema monetizado, condição que se manteve até 1755, sendo inúmeros os relatos que tratam das

73 VICENTINI, Y. Cidade e história na Amazônia. Curitiba: Ed.UFPR, 2004.

74 Somada a isso, a busca pela catequização e captura da força de trabalho do indígena obrigava o

estabelecimento de diversos pontos de descimento nas orlas dos principais rios, base operacional dos missionários, mas também dos militares portugueses que se abrigam nos fortes e fortins construídos para assegurar a conquista do território. Como se encontrava associada à política expansionista da Corôa, os aldeamentos normalmente se localizavam nas proximidades de fortalezas ou fortins militares, como é o caso das cidades de Belém e Manaus, ou então sobre as antigas cidades indígenas, como é o caso da cidade de Santarém. Ver: CORRÊA, 1987.

75 CARDOZO, A.; SOUZA, C. M. (Org.). Histórias do Xingu: Fronteiras, espaços e territorialidades. Belém:

EDUFPA, 2008.

76 Vicentini (2004, p. 67) cita que apenas no ano de 1718 e somente no ao longo do rio Amazonas havia 19

dificuldades de monetização do sistema, mesmo durante o século XVIII77.

Até os meados do século XVIII, a estrutura de produção extrativista se mostrava como a principal força produtiva motriz da reprodução do capital, na sua forma mercantil, no interior formação socioespacial da Amazônia. A exportação ainda limitada das drogas do sertão definia o ritmo da atividade cotidiana nos aldeamentos missionários e nas restritas áreas urbanas da região. Ao que tudo indica, a reprodução cotidiana daquelas relações socioespaciais de produção e o acúmulo de graus de aprendizado no interior do aldeamento permitem o aumento de produtividade na atividade extrativista, ampliando a geração de riquezas em favor dos colonos missionários. Essa condição os eleva à posição de classe dominante mais poderosa da colônia amazônica, aparentemente à revelia da própria vontade do Estado e principalmente da classe de colonos leigos que habitam as principais vilas78.

A resiliência da estrutura de produção extrativista, que permite a sua sobrevivência como estrutura hegemônica na formação socioespacial da Amazônia, tem como particularidade a capacidade de direcionar rapidamente as atividades de coleta de acordo com