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Intervenção institucional e incentivos fiscais para substituição de importações Na presidência do general Castelo Branco, os anos iniciais da ditadura foram

G. do C Geopolítica do Brasil Rio de Janeiro: José Olympio Editora,

3.2. Intervenção institucional e incentivos fiscais para substituição de importações Na presidência do general Castelo Branco, os anos iniciais da ditadura foram

marcados por intensas reformas institucionais sob a tutela do Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG), que visava em primeira instância a debelar a explosão inflacionária que prometia chegar à casa dos 100% no final de 1964435. A nova institucionalidade do PAEG se estruturaria em torno de dois pilares: i) a possibilidade de usar o poder da política fiscal como

431 MARTINS, 2009, p. 82.

432 BRANDÃO, C. Acumulação primitiva permanente e desenvolvimento capitalista no Brasil contemporâneo.

Capitalismo globalizado e recursos territoriais. Rio de Janeiro: Lamparina, p. 39-69, 2010.

433 MARTINS, 2009, p.82. 434 PAULA, 2008, p. 25.

435 OLIVEIRA, F. A. A reforma tributária de 1966 e a acumulação de capital no Brasil. Brasil Debates, n.. 3,

instrumento para alavancar o crescimento (fiscal policy for growth), nesse caso o foco foi a isenção fiscal em benefício do lucro e da acumulação interna das empresas elegidas como prioritárias, aliado com o aumento da arrecadação; ii) diversas formas de incentivo para elevar o montante total da poupança, por meio de incentivos a aplicações financeiras, a acumulação de lucros das empresas e através de fundos de poupança compulsória criados também na época, como o FGTS e o PIS-PASEP436.

É interessante notar que as mudanças introduzidas com o PAEG consolidaram uma estrutura tributária e de financiamento da acumulação que possibilitam o milagre econômico, mas postergam as reformas de base do período Janguista (principalmente a reforma agrária). Assim, mesmo obedecendo a uma ideologia liberal-conservadora, as reformas incluídas no bojo do PAEG tornariam mais abrangente o papel do Estado na sociedade e na economia, garantindo a reestruturação do aparelho de intervenção estatal em todos os níveis, do econômico ao político437.

A equipe à frente do planejamento da economia compreende o Estado e suas instituições como agentes capazes de atuar na correção falhas de mercado e no apoio à atuação do setor privado, buscando dar ao capital segurança no investimento e condições de ampliar a acumulação438. Apesar do papel proativo do Estado na economia, o pensamento por trás do PAEG não rompe com a máxima do liberalismo econômico de que poupança gera investimento. Isso direcionaria a atuação das instituições do Estado no sentido da elevação da poupança interna e do volume de recursos líquidos à disposição do setor público, que passa a utilizá-lo para cumprir a tarefa de apoiar a acumulação e, ao mesmo tempo, minimizar o risco para o setor privado.

Ao estender a intervenção do governo central também aos estados e municípios, sob o pretexto de sanear as finanças e debelar a corrupção, a SPVEA se tornou a primeira grande instituição da Amazônia transformada em suas dinâmicas internas após o golpe de 1964. Inicialmente pela nomeação do general de divisão Ernesto Bandeira Coelho como interventor, em seguida com o repasse da instituição para o controle do recém-criado Ministério Extraordinário para a Coordenação dos Organismos Regionais (ME-COR), e por fim com a nomeação de um segundo interventor, o também general de divisão Mario de Barros Cavalcanti, que permaneceria no controle do órgão até a sua transformação em

436 LOPREATO, F. L. C. Caminhos da política fiscal do Brasil. São Paulo: Editora UNESP, 2013. 437 TAVARES, 1986, p. 11.

SUDAM, no ano de 1966.

A despeito de buscarem efetivar os projetos elencados durante a primeira fase da SPVEA, o curto período de transição foi fundamental para deslegitimar a atuação das gestões anteriores e impor a necessidade de um novo programa de emergência. Nesse programa, a SPVEA buscou racionalizar e concentrar a aplicação dos recursos disponíveis, combatendo o clientelismo político, a corrupção e a dispersão dos investimentos, diagnosticados pelos interventores como principal problema da instituição e fruto das péssimas administrações anteriores.

Em pouco tempo, contudo, ficou provado para o general Cavalcanti que a incapacidade de articular grandes projetos de desenvolvimento regional pouco se relacionava com a incapacidade administrativa dos técnicos ou com práticas de clientelismo. O contínuo descaso da União com os repasses obrigatórios de responsabilidade da SPVEA levaria Cavalcanti a incluir em seus escritos críticas duras ao próprio regime militar que o apoiara439, somado aos limites internos da renda regional e à resistência dos empresários do extrativismo ao órgão, o que tornava inócuo qualquer projeto de desenvolvimento regional que não fosse diretamente ligado ao Governo Federal.

O Fundo de Valorização da Amazônia há algum tempo já limitava a autonomia da SPVEA, na medida em que definia o sentido prioritário dos recursos existentes para projetos de desenvolvimento regional, restando pouco mais de 20% que poderiam ser empregados livremente para investimento440. Pode-se dizer que a falta de autonomia seria compensada pelo aumento dos incentivos fiscais para projetos industriais – um modelo investimento que vinha se consolidando na SUDENE, desde 1961 –, incluídos de forma generalizada no chamado “artigo 34/18”441, que seria estendido à Amazônia ainda no ano de 1963442.

439 “Desta maneira, é firme a disposição desta Superintendência evitar o prolongamento de uma política de

restrições na contribuição financeira da União, que somente prejuízos têm acarretado à região amazônica, além de, neste lance, contribuir para o desprestígio da Revolução, através da perpetuação de um sistema que se objetivou combater” (CAVALCANTI, 1967, p. 132-133). CAVALCANTI, M. B. Da SPVEA À SUDAM

(1964-1967). Belém: [s.n.], 1967.

440 Entre os anos de 1950 e 1960, diversas leis complementares repartiriam o Fundo de Valorização destinado

aos projetos de desenvolvimento regional da Amazônia Legal, tornando obrigatória a aplicação dos recursos em diversas frentes, tais como: serviços de águas pela Fundação SESP (5%), administração da SPVEA (8%), obras assistenciais e educacionais da igreja (3%) e para a conclusão da Belém-Brasília e para Zona Franca de Manaus (36%).

441 O generalizadamente conhecido como “artigo 34/18”, correspondia a um poderoso conjunto de incentivos

fiscais associados à SUDENE que foi responsável por importantes deslocamentos de capital privado nacional, incentivando a industrialização via substituição de importações que pouco incorporava a força de trabalho regional para as atividades industriais. Cf. (SANTOS, 1978 p. 137-138).

Com isso, elevou-se a participação dessa modalidade de investimento nos recursos aprovados pela SPVEA de 1964 em diante, atingindo a impressionante marca de 69% do total dos investimentos da superintendência ainda em 1966443. Ademais, durante os pouco mais de treze anos de existência do órgão, houve ocorrência de concentração dos investimentos no Pará, condição que se ampliou na fase final da superintendência, quando o estado sozinho chegaria a receber mais da metade dos recursos disponíveis para projetos industriais444. Essa situação contribuiria ainda mais para a falta de legitimidade da SPVEA a

nível regional, constituindo-se como uma superintendência eminentemente paraense, cuja extinção não encontraria grandes resistências por partes dos outros estados da Amazônia Legal.

Enquanto o BCA seria reformado para se tornar o BASA, ampliando suas atribuições no tocante ao desenvolvimento regional, a SUDAM surgiria, verdadeiramente, dos escombros da SPVEA445, herdando algumas diretrizes da sua fase final. Mais do que uma ideia abstrata de Valorização da Amazônia, a Lei de criação da SUDAM 446 era mais bem elaborada e apontava para a necessidade de defesa e integridade do território, selecionando espaços e setores da economia mais propícios ao desenvolvimento, aqueles capazes, na visão da referida Lei, de dar sentido econômico à ocupação447.

A SUDAM foi estruturada em moldes semelhantes à segunda fase da SUDENE448, assumindo a função de gerir os fundos constitucionais utilizados para garantir incentivos e concessões fiscais a empresas nacionais e estrangeiras interessadas em investir na Amazônia. Ao BASA, seria delegada a função de braço financeiro da SUDAM, funcionando como banco de desenvolvimento, de forma análoga ao que acontecia com o Banco do Nordeste (BNB). Sua estratégia primordial seria a de incentivar a industrialização como motor do desenvolvimento regional amazônico, moldada no pressuposto cepalino de substituição das importações449. Isso fez com que em seu primeiro Plano Quinquenal (1967-

Manaus, a Amazônia Ocidental e a faixa de fronteiras, por força de Decretos.

443 MARQUES, op.cit., p. 83. 444 Idem.

445 Como afirma o General-interventor, Mario Cavalcanti em seu trabalho Da SPVEA à SUDAM (1964 – 1967). 446 Lei 5.173 de 27 de outubro de 1966.

447 TRINDADE, 2014, p.159.

448 A diferença nas fases de atuação da SUDENE no nordeste está associada às mudanças na concepção inicial

de Celso Furtado, na qual havia uma preocupação mais integrada com a questão fundiária e agrícola, para além dos incentivos fiscais voltados ao crescimento da matriz industrial da região. Sobre isso ver: FURTADO, C. A

Fantasia Desfeita. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1989.

1971) apresentasse um novo desenho institucional dos incentivos voltados à substituição de importações industriais, indicando a alocação de investimentos públicos e privados em setores econômicos específicos.

Nos seus primeiros anos de atuação, a SUDAM acompanharia as diretrizes de incentivos dos últimos três anos da SPVEA, consolidando um movimento que marcaria as políticas regionais voltadas para a Amazônia paraense ao longo das décadas seguintes. Trata- se, em especial, de incentivos fiscais voltados a projetos agropecuários de grupos empresariais oriundos de outras regiões450. Esses projetos tiveram seus recursos ampliados ainda durante a

SPVEA, passando de Cr$ 1,7 bilhões em 1965 para quase Cr$ 40 bilhões em 1966451. Isso

significava que o conjunto de medidas normativas que compunham a “Operação Amazônia” conduzida pela SUDAM não só absorvia o modelo de incentivos fiscais aplicados na SUDENE, como expressava os objetivos do desenvolvimentismo conservador do regime militar no planejamento regional para a Amazônia paraense, que seria o de incorporar fortemente a agropecuária como elemento importante para o desenvolvimento regional452.

Também de forma semelhante ao que ocorria na SPVEA, as amarras associadas aos recursos constitucionais que atendiam à região seguiriam limitando a autonomia da SUDAM e dos Planos elaborados por seu corpo técnico. Do próprio orçamento previsto para a execução do I Plano Quinquenal, a SUDAM detinha o controle de apenas cerca de 12% dos recursos, ficando o restante sob controle de outros órgãos governamentais453. O FINAM454, por exemplo, apesar de compor oficialmente os recursos da SUDAM, tinha a prerrogativa de aplicar pelo menos 60% dos seus recursos em crédito rural. Logo, mesmo se colocando como a principal instituição de desenvolvimento regional da Amazônia, com o poder de supervisionar e fiscalizar o demais órgãos regionais, sua autonomia seria fortemente condicionada ao modelo instituído para aplicação dos fundos públicos do Governo Federal.

Como a SUDAM não dispunha do controle direto dos recursos financeiros

450 MARQUES, 2014, p. 88.

451 Em quinze anos os recursos destinados à agropecuária chegariam ao montante de um bilhão de dólares. Cf.

SCHMINK; WOOD, 2012, p. 103.

452 Para tornar atrativo o investimento na Amazônia, a política regional definida pela SUDAM permitia o

reinvestimento de parte dos vencimentos de Impostos de Renda de pessoa jurídica em projetos avalizados pela SUDAM. Os recursos eram liberados pelo BASA para empréstimos ou capital de giro para os projetos aprovados, que incialmente contavam com uma contrapartida de um cruzeiro para cada dois cruzeiros recebidos e posteriormente poderia ser de apenas 25% do custo total do investimento. Cf. SCHIMINK; WOOD, 2012, p. 103.

453 TRINDADE, 2014, p.164.

454 O Fundo para Investimentos Privados no Desenvolvimento da Amazônia (FINAM), centralizaria 1% da renda

destinados à Amazônia, condição indispensável à implementação adequada do I Plano Quinquenal, na sequência do mesmo foi elaborado o I Plano Diretor da instituição, que previa o repasse à SUDAM por um período de três anos consecutivos de todos os impostos arrecadados na região455. O I Plano Diretor acabaria sendo negado pelo governo central, o que faria com que a estratégia de desenvolvimento regional capitaneada pela SUDAM ficasse ainda mais dependente da utilização dos incentivos fiscais por parte do setor privado, com predominância sobre os projetos de agricultura e a agropecuária, que já em 1967 concentrariam 73% dos recursos disponíveis nessa rubrica456. Uma concentração que apenas

se ampliaria até o início dos anos de 1970457, quando os recursos do FINAM passam a

financiar os programas de colonização e de expansão da malha rodoviária da região.

É importante destacar que, diferente das modalidades de incentivos previstos pela SUDENE, o valor das terras de propriedade das empresas poderia ser contabilizado como recursos próprios e contrapartida dentro do projeto de financiamento apresentado para a SUDAM. Isso não só desobrigava o empresário a possuir uma significativa reserva financeira para captar o projeto na SUDAM, quanto possibilitava a especulação com o preço da terra rural na Amazônia. Durante todo o período de atuação da SUDAM, estima-se que o valor contábil das terras correspondia a cerca de 92% dos recursos próprios dos projetos, com uma frequência maior entre os projetos menores, nos quais os valores das terras chegavam a corresponder três vezes mais do que os recursos próprios, enquanto nos grandes projetos agropecuários esse valor equivaleria a pouco mais de 30% dos investimentos com recursos próprios458.

Nesse contexto da política de incentivos em privilégio da agropecuária, consolida- se uma prática do reinvestimento dos próprios recursos, provenientes dos possíveis lucros do projeto, para ampliar o estoque de terras da empresa. Acelera-se com isso a corrida por terras em regiões nas proximidades dos novos eixos viários, ou então em áreas onde novas rodovias estivessem sendo planejadas, o que permitiu ao embrionário mercado de terras rural assumir uma forma eminentemente especulativa, contribuindo para o aumento nos casos de grilagem. Na Amazônia paraense, a terra rural seria o único meio de produção do empresário que não perderia valor com o tempo, pois além de ser de baixíssimo preço, rapidamente se valorizava

455 LIRA, op. cit. 456 LIMA, 1971. 457 CARVALHO, 1999.

458 COSTA, F. A. Formação agropecuária da Amazônia: os desafios do desenvolvimento sustentável. Belém:

com a própria derrubada da mata ou com investimentos em infraestrutura no seu entorno. Esse círculo vicioso de investimentos em terra rural se tornaria uma combinação fatal para o aumento de conflitos agrários em algumas regiões do Pará

Ao mesmo tempo em que se acelerava o ritmo das migrações espontâneas provenientes do Nordeste e do Centro-Oeste, a dificuldade de aferição pelos técnicos da SUDAM das áreas rurais utilizadas como parte dos recursos próprios de projetos, ampliaria a grilagem nas regiões de influência da rodovia Belém-Brasília, nesse caso no Sul e Sudeste do Pará. A prevalência de posseiros que viviam do extrativismo, somada à chegada de novos grupos de migrantes, revertia-se a cada dia em objeto de conflito a ser resolvido normalmente pela violência, ampliando a tensão em torno dos conflitos fundiários nessas áreas459.

De todo modo, foi a mudança na forma como o capital portador de juros passa a circular pela terra rural e urbana na Amazônia que se tornou o impulso necessário para reconfigurar os elementos da força produtiva regional e as relações de produção estabelecidas com a força de trabalho, particularmente no interior do sistema de aviamento. Uma vez transformada as formas de propriedade e utilização da terra, as mudanças nos outros fatores de produção necessários à acumulação – trabalho e capital – ocorreriam em decorrência, definindo novas relações socioespaciais de produção.

Os dados de financiamento da SUDAM entre os anos de 1964 e 1971 parecem espelhar a fase inicial dessa reconfiguração, com a quase ausência dos tradicionais grupos ligados ao extrativismo e ao aviamento, bem como a pouca participação das indústrias locais formadas na fase de reestruturação endógena da economia amazônica. Enquanto que, do lado oposto, observa-se o forte direcionamento dos recursos para as atividades agropecuárias de grande porte, normalmente associadas ao grande capital nacional e internacional ou à figura do pioneiro, migrante de outra região brasileira.

Como mostra o Apêndice G , entre os anos de 1964 e 1971, os valores dos projetos aprovados pela SUDAM, reservados às atividades produtivas460 de base agrícolas, industrial e extrativistas, correspondiam a cerca de 78% do total disponibilizado pela SUDAM no período. A maior parte do restante seria captado por empresas estatais para realização de obras de infraestrutura (10,21% em cinco projetos) e, em menor escala, por empresas do setor terciário. Em grande medida, os projetos relacionados a atividades

459 CARDOSO; MÜLLER, 1977, p.72.

agrícolas absorveriam recursos de aproximadamente 470 milhões de cruzeiros461, o que correspondia a cerca 27% do total dos investimentos do período, sendo quase 95% desses recursos destinados a atividades de criação de gabo bovino, como consta no Apêndice H.

Com as novas possibilidades de acessar o capital portador de juros e a facilidade de adquirir terras rurais na região, usando-as como recursos próprios dentro dos projetos apresentados à SUDAM, a agropecuária se fortaleceria como importante frente de geração de riquezas, substituindo a floresta por pastagem pelo uso de um grande contingente de força de trabalho temporária. Em grande parte, tratava-se de investimentos controlados por novos grupos empresariais formados tanto por importantes frações do capital nacional e internacional, quanto pelo pequeno capital de pioneiros, que haviam migrado para a região no início da fase de abertura das rodovias.

Nos primeiros anos dos incentivos fiscais da SUDAM, foram dois os casos representativos de participação de frações do capital nacional, originários do complexo cafeeiro do Oeste paulista, e nesse caso personificados nos empresários João Lanari do Val e Nicolau Lunardelli. Ambos eram descendentes de famílias italianas de importantes cafeicultores462 e que durante os anos de 1960 constituiriam sociedades anônimas para exercer atividades extrativistas e agropecuárias no Sul e Sudeste do Pará, recebendo pesados incentivos fiscais a partir de 1966. Somente a Companhia de Terras da Mata Geral (CTMG), empreendida por Lanari do Val, que também era o seu sócio majoritário, viraria o maior latifúndio paraense de capital exclusivamente brasileiro, com cerca de 350 mil hectares ou 20% do município de Conceição do Araguaia463, no Sudeste do Pará. Apenas entre os anos de 1966 e 1968, do Val aprovaria projetos de incentivos fiscais na SUDAM no valor de aproximadamente 13 milhões de cruzeiros, segmentados entre cinco empreendimentos desmembrados do patrimônio da CTMG com 5 mil hectares cada.

Pelo lado do grande capital internacional, a Amazônia paraense receberia os primeiros investimentos da multinacional alemã Volkswagen, atraída pelas facilidades oferecidas pela SUDAM e possibilidade de diversificação no sentido do mercado de carne bovina, visando ao mercado norte-americano e europeu. A fazenda modelo da multinacional Volkswagen do Brasil receberia o nome de Cia. Vale do Rio Cristalino (CVRC), concebida

461 Em valores de 1971.

462 Nicolau Lunardelli era filho de Geremia Lunardelli, um dos maiores fazendeiros de café do interior do Estado

de São Paulo.

em conjunto com a SUDAM, com incentivos na ordem de aproximadamente 9 milhões de cruzeiros464, servindo de empreendimento modelo da região e possível polo de inovação tecnológica para o desenvolvimento de uma raça de gado bovino robusta o suficiente para melhorar a produtividade da pecuária na Amazônia. Modelo semelhante seguiria a Companhia Agropecuária do Pará, subsidiária da multinacional argentina Swift-Armour, ocupando uma área de aproximadamente 200 mil hectares no município de Paragominas e aprovando o projeto agropecuário de maior valor no período, na ordem de 28 milhões cruzeiros.

Boa parte das intermediações fundiárias, tanto dos grandes grupos internacionais quanto dos nacionais, teria ocorrido partir de Carlos Ribeiro, um pioneiro paulista que se tornou o mais importante corretor de títulos nas regiões Sul e Sudeste do Pará, ficando famoso por “dinamizar” os trabalhos burocráticos do órgão fundiário do Pará que permitiam a titulação de mais de duas centenas de títulos de terras devolutas, totalizando cerca de um milhão de hectares. Ribeiro foi o fundador da Companhia de Desenvolvimento do Sul do Pará (CODESPAR), com aproximadamente 140 mil hectares, posteriormente vendida para Nicolau Lunardelli. Nas mãos do fazendeiro paulista, a CODESPAR captou, ainda em 1966, o valor de aproximadamente 14 milhões de cruzeiros na SUDAM para financiamento do seu primeiro projeto agropecuário.

Em todos os casos, a demarcação da terra seria acompanhada da derrubada de mata nativa e da venda das madeiras nobres que tinham algum interesse comercial. O extrativismo madeireiro passaria a servir como fonte importante de capitalização para o dono do empreendimento, um modo de acumulação primitiva do capital que se combinava com superexploração da força de trabalho da peonagem, para permitir a produção de capital no interior do processo de reprodução ampliada do capital465.

As relações socioespaciais que se definem como “peonagem” têm como