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AMBIENTE CONSTITUCIONAL DO CONTRATO DE TRABALHO 2.1 Constitucionalização do Direito do Trabalho:

A importância que a Constituição Federal de 1988 conferiu ao fenômeno trabalho decorre do valor econômico que lhe está embutido, além das preocupações sociais que a Constituição dispensa aos trabalhadores, reconhecendo direitos fundamentais específicos da classe trabalhadora.

Para se entender o fenômeno da constitucionalização do Direito do Trabalho é necessário contextualizar o Direito do Trabalho em uma das duas grandes divisões acadêmicas: Direito Público e Direito Privado.

Isso porque houve uma tendência mundial de publicização das normas e códigos de direito privado.

Assim, passa-se a examinar a separação acadêmica do Direito em dois grandes ramos oriunda do Direito Romano e a contextualização do Direito do Trabalho, a partir da lição de alguns renomados juristas brasileiros e portugueses.

Para fins meramente acadêmicos, o Direito Privado é compreendido como o ramo da ciência jurídica que disciplina as relações entre pessoas privadas nas quais predomina o interesse particular. Já o Direito Público regula as relações de ordem pública, ou seja, as relações em que o Estado é parte e se relaciona com outro Estrado ou com os particulares, quando exerce o seu poder soberano e tutela o bem coletivo.61

A partir dessa divisão clássica do Direito, segue-se a distribuição e enquadramento do direito positivo nos dois respectivos ramos.

61 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 19.ª ed. rev. e atual. São

Interessa-nos o enquadramento do Direito do Trabalho.

Para a maioria da doutrina justrabalhista, o Direito do Trabalho enquadra-se no ramo do Direito Privado, pois trata, essencialmente, de uma relação contratual entre particulares.

Há até mesmo doutrinadores com outras especializações que apontam na mesma direção.

Veja que Maria Helena Diniz62 classifica o Direito do Trabalho como ramo do Direito Privado ante o fato de regular o contrato de trabalho entre particulares, embora sofra acentuada intervenção estatal.

Para outros, o Direito do Trabalho seria ramo do Direito Público face o caráter imperativo de suas regras de proteção ao empregado e a acentuada intervenção estatal nos contratos e especialmente nas negociações coletivas, como ocorre no Brasil através dos dissídios coletivos. Há, ainda, um razoável número de normas de fiscalização trabalhista de natureza administrativa. Isso reforçaria a concepção publicística do Direito do Trabalho.

Contra essa concepção levantaram-se nomes de respeito como Amauri Mascaro Nascimento e Mauricio Godinho Delgado.

O primeiro salienta que, no Direito do Trabalho, há uma dimensão para a autonomia da vontade como fonte instauradora de direitos e deveres recíprocos. Acrescenta que o vínculo entre empregado e empregador encontra suas origens no direito privado, já que é o desenvolvimento da locação de serviços do direito civil.63

O segundo pondera que a imperatividade de normas não define a natureza jurídica de qualquer ramo do Direito. Até porque, se tal critério fosse

62 Ibid., p. 275.

63 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 31.ª ed. São Paulo: LTr,

decisivo, o Direito de Família, formado por regras imperativas, não seria ramo do Direito Civil e Privado. Acrescenta que o intervencionismo estatal também não influi na definição da natureza jurídica do Direito do Trabalho, pois não tem o condão de alterar a natureza da relação jurídica normatizada, qual seja, a relação privada entre partes contratantes formalmente iguais.64

Por fim, há aqueles que, inspirados pela obra francesa “L’idée de Droit Social” de Georges Gurvitch, enquadram o Direito do Trabalho num terceiro gênero do Direito definido como direito social. Sustentam que o Direito do Trabalho seria um “tertium genus” com novas categorias jurídicas e pessoas coletivas complexas, motivo pelo qual não poderia ser atribuído nem ao direito público nem ao direito privado.65

No Brasil, o expoente dessa corrente foi Cesarino Júnior.

Todavia tal posição encontra resistência na maior parte da doutrina. A ideia que lançou a base do Direito Social parece ignorar o fato de que todos os demais segmentos do Direito nos últimos anos têm sofrido alterações legislativas e mesmo doutrinárias, revelando a preocupação acentuada na prevalência do interesse coletivo sobre o individual. A socialização do direito não é um fenômeno exclusivo do direito do trabalho. Outros ramos do Direito Privado revelam a prevalência do ser coletivo sobre o individual, como o Direito do Consumidor.66

Aliás, o próprio Direito Civil, nos últimos tempos, guindou à posição de destaque normas lastreadas em conceitos que enfatizam a preocupação com a coletividade e dirigismo contratual. Mesmo diante da forte interferência estatal, não se cogita em alterar a classificação do Direito Civil como ramo do Direito Privado.

64 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 9.ª ed. São Paulo: LTr, 2010. p.

69.

65 SÜSSEKIND, Arnaldo. MARANHÃO, Délio. VIANNA, Segadas. op. cit.. pp. 113-114. 66 DELGADO, Mauricio Godinho. op. cit. pp. 69-70.

Assim, prevalece o enquadramento do Direito do Trabalho como ramo do Direito Privado.

Na doutrina portuguesa o tema também não é pacífico.

Maria do Rosário Palma Ramalho67 assevera que a maioria da doutrina portuguesa qualifica o Direito do Trabalho como uma área jurídica híbrida ou opta pela solução de aferir natureza pública ou privada da área jurídica separadamente para os seus três centros regulativos tradicionais.

Esse segundo posicionamento é adotado por António Monteiro Fernandes68:

(...) a partir do isolamento daqueles três tipos de relações jurídicas assentes na prestação de trabalho, a doutrina tem destacado, no conjunto das normas que constituem o conteúdo do direito do trabalho, três núcleos de regulamentação: o das normas (de direito privado)

reguladoras da relação individual entre o dador de trabalho e o trabalhador, definidoras dos direitos e

deveres recíprocos que eles assumem por virtude do contrato e sancionadas por meios de direito privado (a sua inobservância pode dar origem ao dever de

indemnizar o prejudicado ou à invalidade do próprio

contrato); o dos preceitos (de direito público) alusivos às

relações entre empregador e o Estado, definidores dos

deveres que ao primeiro incumbe observar, dos meios de controlo e das sanções correspondentes ao seu incumprimento, e fundados na defesa do interesse geral; finalmente, as normas reguladoras das relações

colectivas de trabalho, votadas à tutela dos interesses

colectivos, de categoria profissional e ramo de actividade. (itálicos no original)

Porém há entendimentos respeitáveis na doutrina portuguesa que consideram o Direito do Trabalho como ramo do Direito Privado.

67 Op. cit. p. 116.

É o caso de Pedro Romano Martinez69 que, mesmo partindo da premissa de alguns doutrinadores que distinguem o Direito do Trabalho por áreas, classifica-o como ramo do Direito Privado.

Salienta que, mesmo as relações coletivas que ensejam dúvidas entre os doutrinadores, não é suficiente para conceituar o Direito do Trabalho como ramo do Direito Público. Isso porque as entidades sindicais ao celebrarem instrumentos de regulamentação coletiva fazem-no sem a interferência estatal, ou seja, desprovidas do ius imperii próprio do Direito Público. Acrescenta, ainda, que a interferência estatal nos contratos de trabalho para garantir o mínimo para a parte mais frágil da relação jurídica não seria suficiente para descaracterizar o Direito do Trabalho como Direito Privado. Veja que a limitação à liberdade contratual não é um fenômeno exclusivo do Direito do Trabalho. O autor cita como exemplo a legislação civil acerca dos contratos em geral e a responsabilidade civil do produtor. Ao final, conclui:

Por isso, o direito do trabalho não deve ser entendido como um composto de direito público e de direito privado, mas antes como um mero direito privado.

Qualificando o direito do trabalho como direito privado e não como um misto de direito privado e de direito público, decorrem consequências, designadamente a nível de interpretação, pois só se recorre aos princípios do direito privado e não aos de direito público. por outro lado, como não raras vezes a regulamentação de diferentes aspectos de direito do trabalho apresenta lacunas, a integração faz-se mediante o recurso às soluções de direito privado; assim, mormente no que respeita à responsabilidade contratual, como a previsão laboral apresenta inúmeras falas, há que recorrer ao regime do Código Civil.70

E, por fim, Maria do Rosário Palma Ramalho71 trilha o entendimento segundo o qual em termos globais o Direito do Trabalho é um ramo do Direito Privado, o que não colide com o fato de conter algumas normas de natureza pública com vistas a proteger o interesse público.

69 Direito do Trabalho. 4.ª ed. Coimbra: Almedina, 2008. pp. 62-67. 70 Ibid. p. 68.

Com efeito, o Direito do Trabalho ostenta a natureza de Direito Privado, pois traz subjacente a autonomia contratual. A interferência estatal na liberdade de contratar não é uma exclusividade do Direito do Trabalho.

Embora, nesse ramo, seja mais acentuada, já se verifica o dirigismo contratual no âmbito civil em face da tendência cada vez maior de socializar o direito.

Essa tendência de publicização do direito decorre das mudanças do Estado Liberal, transitando para o Estado Social. A valorização do ser humano e a despatrimonialização do direito privado são apontadas por Mauro Schiavi72 como mudanças do paradigma jurídico.

Não se ignora que o constitucionalismo, como movimento político e jurídico, surgiu com o objetivo de implantar regimes constitucionais de governos, limitando o poder dos soberanos no Iluminismo.73

Nesse período, surge a primeira geração de direitos fundamentais atrelados às liberdades públicas, protegendo o indivíduo contra o Poder do Estado. Após a Primeira Guerra Mundial, surgem os direitos de segunda geração que correspondem aos direitos sociais.

Já nesse período, desenha-se a ideia de intervenção estatal na economia diante do advento do comunismo na Rússia em outubro de 1917.

O trabalho apresentava-se como elemento sensível de equilíbrio social, motivo pelo qual seus conflitos bem exemplificavam os atritos sociais. Colhe- se, nesse sentido, a lição de Francisco Pedro Jucá:

72 A Constitucionalização do Direito Civil. Reflexos na Responsabilidade Civil do Empregador

em Atividade de Risco por Danos à Saúde do Trabalhador. In: ALMEIDA, Renato Rua de (coord.). CALVO, Adriana. ROCHA, Andrea Presas (org.). Direitos fundamentais aplicados ao direito do trabalho. São Paulo: Ltr, 2010. p. 116.

Ora, na medida em que o fator trabalho inseriu-se no universo complexo da organização da sociedade, e, mais, a massificação brutal daqueles que vivem do trabalho – trocando-o por utilidades indispensáveis para a sobrevivência – cresceu, e o insumo/mercadoria trabalho/mão-de-obra passou a ter seu valor de troca flutuando na equação oferta/demanda, instalou-se a questão social, com o confronto exacerbado entre o capital e o trabalho, custando vidas, recursos e gerando a insegurança para a organização da sociedade; esta ocorrência ganhou dimensão política, consubstanciando, assim, conforme já se viu antes, em fator real de poder, e como tal, inseriu-se na formulação da equação política.74 Nesse contexto de valorização do homem a partir da Doutrina Social da Igreja e de reação ao avanço dos ideais da Revolução Russa é que o Estado passou a intervir no cenário econômico e consequentemente nos conflitos trabalhistas.

Já no período posterior à Primeira Guerra Mundial, surge o chamado Constitucionalismo Social:

Considerando que o movimento operário veio a constituir-se em fator real de poder, pelo seu potencial de mudança política profunda, e, que a ética social vigente dava início à real valorização do trabalho, sua tutela ganha dimensão política expressiva, e se constitucionaliza, o que vem a ser o chamado “Constitucionalismo Social”.75

No Brasil, o Constitucionalismo Social é inaugurado na Constituição de 1934. A Revolução de 1930, o movimento Tenentista da década de 20 e a Revolução Constitucionalista de 1932 representaram a relativa insatisfação com a ordem capitalista vigente. Ainda que não tenha ocorrido uma ruptura com o modelo econômico e político vigente à época, a classe trabalhadora ganhou espaço por meio de suas agremiações, fazendo com que a dramática insatisfação social, antes reprimida pelo aparelho policial, passasse a ser alvo

73 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 27.ª ed. atual. São

Paulo: Saraiva, 2001. p. 7.

74 A constitucionalização dos direitos dos trabalhadores e a hermenêutica das normas

infraconstitucionais. São Paulo: LTr, 1997. p. 34.

de um diálogo mais amplo. Nesse passo, a elite econômica foi obrigada a fazer concessões a fim de evitar a ruptura total da ordem econômica vigente, permanentemente ameaçada por revoltas operárias sangrentas.

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934, representou uma espécie de pacto político entre a elite governante e a classe trabalhadora, uma vez que positivou certos direitos e garantias de interesse da classe operária.

Mais uma vez invoca-se o precioso magistério de Francisco Pedro Jucá:

É este componente significativo para o declínio dos “casacudos”, minados pelas sucessivas revoltas políticas dos anos 20, como o Tenentismo, onde já são considerados aspectos relevantes da questão social e, pode-se vislumbrar os primeiros albores da modernização conservadora brasileira, que desaguou na Revolução de 30 a qual trazia em sua plataforma o problema do trabalho, e, acabou por instituir sistematicamente a legislação trabalhista e a justiça do trabalho. Com sua constitucionalização advinda em 1934, consectária da Revolução Constitucionalista de São Paulo, que contou com tropas incógnitas do Pará e Mato Grosso, esta última ostensiva, onde mesmo derrotada militarmente, findou por vitoriosa politicamente, e a Constituinte de que resultou a Carta de 1934, inaugura concretamente o Constitucionalismo Social e, consagrando os princípios laborais de ordem pública, como se verá adiante.

(...)

Com efeito, o Constitucionalismo Social inaugura-se entre nós em 1934, a partir de quando se foram consideradas as classes trabalhadoras como fator real de poder e, inscrevendo progressivamente garantias para seus interesses no pacto político, contido no instrumento jurídico-político da Carta Constitucional, num crescendo e em reelaborações sucessivas nos diversos ciclos constitucionais até hoje vividos(...)76

Não é por acaso que a Carta Política de 1934, por meio de seu artigo 122, instituiu as Juntas de Conciliação e Julgamento e as Comissões Mistas de

Conciliação como órgãos administrativos vinculados ao Ministério do Trabalho. Observa-se a preocupação política na época de se criar um órgão destinado a dirimir os conflitos trabalhistas. Somente através do Decreto-Lei n.º 9.797, de 9 de setembro de 1946, que a Justiça do Trabalho foi integrada ao Poder Judiciário77.

Essa Constituição criou um capítulo sobre a ordem econômica e social e outro sobre família, educação e a cultura com normas programáticas sob a inspiração da Constituição Alemã de Weimar:

A Constituição de 16 de julho de 1934 funda juridicamente no País uma forma de Estado social que a Alemanha estabelecera com Bismarck há mais de um século, aperfeiçoara com Preuss (Weimar) e finalmente iria proclamar com solenidade textual em dois artigos da Lei Fundamental de Bonn, de 1949, cunhando a célebre fórmula do Chamado Estado social de direito, matéria de tanta controvérsia nas regiões da doutrina, da jurisprudência e da aplicação hermenêutica.78

O artigo 121 da Constituição de 1934 tratou de preceitos da legislação trabalhista, o que não havia sido feito antes. O salário mínimo, a jornada máxima de oito horas de trabalho, o repouso hebdomadário, as férias anuais remuneradas, a indenização ao trabalhador dispensado sem justa causa, a assistência médica ao trabalhador e à gestante e as convenções coletivas de trabalho foram objeto de disciplina constitucional.

Com efeito, a Constituição de 1934 não abandonou os ideais liberais já consagrados pelas revoluções burguesas do passado, mas, ao mesmo tempo, preocupou-se em criar mecanismos de intervenção na economia, a fim de corrigir eventuais desequilíbrios e excessos do mercado livre defendido pelo Estado Liberal.

77 GIGLIO, Wagner D. Direito processual do trabalho. 14.ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,

2005. p.p 3-5.

78 BONAVIDES, Paulo. ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 3.ª ed. Rio de

José Afonso da Silva sintetizou com bastante felicidade a Constituição de 1934 como “(...) um documento de compromisso entre o liberalismo e o intervencionismo.”79

Os episódios posteriores à Segunda Guerra Mundial reforçaram a tendência de constitucionalização dos direitos sociais.

Como já foi visto, o fenômeno da constitucionalização no mundo ocidental iniciou-se antes da Primeira Guerra Mundial, mas se firmou somente após a Segunda Guerra Mundial:

Todos esses fatores apontam para o sentido eminentemente social da Constituição de 1934. Seguindo uma certa tendência européia do pós-guerra, mas que na verdade só iria se firmar definitivamente ao término da Segunda Grande Guerra, alguns dos preceitos do chamado “Welfare State” foram consagrados no texto.80 Após a Segunda Guerra Mundial, há uma profunda reflexão no mundo ocidental acerca da valorização do homem, culminando com a Declaração dos Direitos do Homem em 1948. Ao mesmo tempo, o pós-guerra revelou um quadro caótico em que a falência de empresas e a falta de recursos inviabilizavam a reconstrução dos países envolvidos no conflito. Isso significava que caberia ao Estado a iniciativa de reconstruir o país. Acrescente-se a isso o fato de que a elevação das tensões sociais provocadas pela desigualdade econômica estimulava o conflito de classes. Para muitos a intensificação desses conflitos sociais poderia favorecer o avanço do movimento comunista a partir do Leste Europeu.

Todo esse complexo quadro político e econômico impulsionou a concepção do Estado do Bem Estar Social. Novamente o pensamento keynesiano ganha força. O Estado passa a ser visto como o fomentador ou indutor do progresso econômico e, ao mesmo tempo, o regulador das forças

79 Curso de Direito Constitucional Positivo. 34.ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2011. p.

82.

econômicas, evitando assim a exploração de um segmento social por outro. O trabalho passa a ser uma questão de forte preocupação do Estado. Se antes o Estado Liberal era mero garantidor da propriedade e do respeito ao contrato, as modificações sociais implementadas pelas duas Grandes Guerras forçaram uma postura totalmente diversa na qual havia a necessidade de intervenção estatal para assegurar o tênue equilíbrio político entre o poder do capital e as demandas sociais dos trabalhadores.

A mudança do Estado Liberal para o Estado Social criou um ambiente social em que cada vez mais o interesse público tangencia o interesse privado. Áreas antes intocadas pelo interesse público, como, por exemplo, a autonomia privada contratual, passaram a despertar o interesse público, exigindo intervenção estatal.

É importante destacar que a tendência à constitucionalização no Estado Contemporâneo abarcou não só o Direito do Trabalho, mas também o Direito Privado.

Mauro Schiavi explica com propriedade o constitucionalismo do direito privado:

A constitucionalização do direito privado decorre da migração, para o âmbito privado, de valores constitucionais, dentre os quais a dignidade da pessoa humana e despatrimonialização do Direito Civil. O ser humano é colocado no centro do Direito Civil.81

O Código Civil Brasileiro de 2002 bem exemplifica esse fenômeno, uma vez que o referido diploma legal acolheu preceitos constitucionais concernentes à função social da propriedade e do contrato e direitos da personalidade. Essa interlocução ou diálogo entre o diploma legal infraconstitucional que adota expressamente preceitos constitucionais e a Carta Política, que positiva em seu texto institutos próprios do Direito Privado, revela uma tendência de publicização do Direito Privado. Isso porque a preservação do postulado da

dignidade da pessoa humana não se restringe às relações entre o súdito e o seu Estado, mas também entre particulares. Daí a tendência dos direitos fundamentais influenciarem as relações privadas. Mais adiante será abordada de forma minuciosa a questão dos direitos fundamentais nas relações privadas (eficácia horizontal dos direitos fundamentais).

Por ora, analisa-se a elevação para o plano constitucional dos princípios do direito privado e, ao mesmo tempo, a interpretação dos institutos do direito privado à luz dos novos valores constitucionais.

A Constituição Federal de 1988 representa um novo paradigma valorativo a ser observado tanto nas relações públicas como privadas. Em outras palavras, a interpretação de qualquer instituto do direito público ou do direito privado só pode ser feita à luz dos valores alçados à categoria de princípios fundamentais.

Nesse aspecto, o valor “trabalho” foi acolhido pela Constituição como elemento fundamental para formação jurídica do Estado e para a promoção social do homem.

No artigo 1.º da Constituição Federal são enunciados como fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade do ser humano e os valores sociais do trabalho.

Em regra, as Constituições revelam uma certa identidade política, já que muitas delas oriundas de processos revolucionários costumam refletir as posições do grupo vencedor.

Todavia, na Assembleia Constituinte do Brasil, não houve um grupo majoritário que conseguiu impor o seu projeto político.

Assim, a elaboração de uma Carta Política naquele período só foi possível mediante concessões feitas pelas diversas forças políticas das mais diferentes matizes ideológicas que atuaram na Constituinte.

Por isso é possível perceber que a Constituição de 1988 contém preceitos inconciliáveis.

Nesse sentido, é a lição de Alexandre Teixeira de Freitas Bastos Cunha82:

E a CRFB, muitas vezes, tenta conciliar valores de uma antinomia frontal, como resultado da ação de forças e