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Em um trabalho que se pretende estudar o conflito do capital e do trabalho, a evolução da legislação de proteção ao trabalhador e a evolução de um sistema econômico capaz de harmonizar o trabalho e a livre iniciativa, tendo como primado a dignidade da pessoa humana, faz-se necessário dedicar

um tópico ao conjunto de leis tendentes à abolição da escravatura, especialmente num país como o Brasil que adotou a tradição romano- germânica (direito positivado em códigos).

Como efeito, o processo de abolição da escravatura foi fruto da combinação de alguns fatores, tais como: o advento da industrialização e a necessidade de novos mercados consumidores para as potências capitalistas, avanço das ideias liberais, pressão externa inglesa, revoltas internas e crise política na monarquia brasileira.

Todavia é inegável que o surgimento lento e gradual de uma legislação abolicionista é um marco na nossa história. Até porque traduz a evolução da nossa sociedade. Por isso merece destaque especial.

Abaixo será citada não só a legislação brasileira, mas também a legislação estrangeira que, diretamente, impactou os rumos da escravização no Brasil:

A Lei de 26/01/1818 proibia o tráfico de possessões portuguesas.

A Lei de 07/11/1831 proibia a importação de escravos. Essa lei foi fundamental para que a Inglaterra reconhecesse a independência do Brasil.

O Bill Palmerston de 24/08/1839 autorizava os navios britânicos a apresarem os navios negreiros.

O Bill Aberdeen de 08/08/1845 submetia os navios brasileiros à jurisdição britânica.

A Lei Eusébio de Queiroz de 04/09/1850 proibia, definitivamente, a importação de africanos.

É importante registrar que antes de 1850 o tráfico de escravos prosperava no Brasil, embora o país se comprometesse a coibi-lo.

Nelson Câmara38 lembra que o Brasil já revelava um conceito de país que não cumpria seus compromissos.

O ilustre autor assevera que as Leis de 1818 e de 1831 já preparavam a inevitável proibição do tráfico de escravos.

Mas somente em 1850 é que se aboliu, de forma definitiva, a importação de escravos.

Essa proibição tornou o escravo um produto raro para os fazendeiros.

Nessa época, as fazendas de café do Sudeste prosperavam, enquanto que os engenhos de açúcar no Nordeste estavam em declínio.

Diante da demanda por mão-de-obra escrava na região Sudeste e da ascensão econômica dos cafeicultores, surgiu o risco de transferência dos escravos da região Nordeste para o Sudeste onde se pagava mais pela mão- de-obra escrava. Nesse contexto, o deputado João Maurício Wandeley, Barão de Cotegipe, propôs a criação de uma lei que proibisse o tráfico interprovincial de escravos. Esse projeto não foi adiante, mas algumas províncias criaram taxas locais sobre a saída de escravos. Esse contexto desfavorável ao Norte e Nordeste seria decisivo para fazer com que as ideias abolicionistas tivessem mais êxito se comparadas com o Sudeste e o Sul.39

Em 1869, foi proibida a venda de escravos em leilão, graças ao projeto de lei apresentado por José de Alencar, grande romancista.

Alguns países da América Central possuíam um Código Negro que impunha limites às crueldades contra os escravos, prescrevendo um mínimo de direito aos negros.40

38 Escravidão nunca mais: um tributo a Luiz Gama. São Paulo: Lettera.doc, 2009. p. 149. 39 PRADO JR., Caio. op. cit. p. 174.

No Brasil, tal código não existiu, mas os castigos corporais tornaram-se mais escassos após a Lei do Ventre livre e do Sexagenário.

A Lei do Ventre Livre permitia ao escravo a formação de pecúlio por seu trabalho a fim de alcançar a sua libertação. Desse modo, o filho do ventre livre dava direito ao senhor a uma indenização.

Ressalte-se que foram travadas batalhas nos tribunais em que alguns juristas contrários à Lei do Ventre Livre chegaram a invocar o antigo Direito Romano para sustentar que o ventre de mulher escrava geraria escravo. Com o advento da Lei n.º 2.040/1871 é que se impediu a tentativa de burlar a Lei do Ventre Livre.41

No dia 08/05/1888, o Ministro da Agricultura Rodrigo Augusto da Silva, que fazia parte do Gabinete de Ministros presidido por João Alfredo Correia de Oliveira, formulou a proposta de abolição da escravatura, a qual foi apresentada à Câmara dos Deputados pelo o projeto de lei de abolição da escravatura. O projeto foi discutido e votado na Câmara nos dias 9 e 10 de maio de 1888.

No dia 11 do mesmo mês, o projeto seguiu para o Senado, tendo sido debatido nos dias 11, 12 e 13.

Em razão da viagem de Dom Pedro II à Europa, a lei foi sancionada pela Princesa Isabel.

Assim, a Lei n.º 3.353, posteriormente batizada como Lei Áurea, foi assinada no Paço Imperial, no dia 13/05/1888, por Dona Isabel e Rodrigo Augusto da Silva.

De fato, a lei apenas reconheceu um fato inevitável em face da pressão internacional, da desordem na senzala e do quase consenso nacional acerca da questão.

Veja a lição de Nelson Câmara:

A Lei de 13 de maio de 1888 limitou-se a reconhecer e confirmar um fato preexistente e evitou maiores perturbações e desordens, se não terríveis calamidades. A emancipação estava feita no dia em que os ex- escravos se recusaram a marchar para o trabalho e começaram os êxodos das fazendas. A lei confirmou a liberdade, dando-lhe a sanção dos poderes públicos; mas, sem a lei, não deixaria de acontecer o fato que se impunha contra todas as resistências, ponderava o Jornal do Comércio em outubro de 1888.42

Por certo, a lei emancipadora, no caso da escravatura, chancelou um movimento que já ganhava força entre a incipiente classe média brasileira e populares que não tinham escravos. A população que possuía escravo era uma minoria. Por isso ficava cada vez mais difícil para os proprietários de escravos encontrar apoio moral para a escravidão.

Ademais, desde os anos 1870, desenvolvia-se, ainda que timidamente, algumas fábricas, organizações financeiras, setores do comércio, tudo impulsionado pela urbanização. Esse quadro descortinava novas oportunidades de investimento do capital. Com isso, não mais convinha aos fazendeiros imobilizar o capital em escravos, produto que se depreciava rapidamente.

Por isso muitos fazendeiros de regiões prósperas aderiram à causa abolicionista.

Porém pleiteavam a fixação de um prazo para a transição do trabalho escravo para o assalariado, além de indenização para cobrir os gastos e investimentos que haviam feito com escravos.

A ordem jurídica escravocrata já não mais dispunha da adesão espontânea da sociedade brasileira. O resultado dessa insatisfação social refletia nas revoltas nas senzalas, o Exército já não mais aceitava ordens para perseguir escravos, sociedades abolicionistas conspiravam, etc.

Era necessário que a ordem jurídica fosse alterada para acompanhar a dinâmica social, sob pena de desprestígio e desobediência civil aberta.

Com efeito, a Lei Áurea reconheceu um fato social que se impunha há muito tempo.

A importância dessa lei reside na consagração de um pensamento libertário cujo efeito moral conduziu o país para novos rumos, haja vista o movimento republicano. Um dos efeitos mais evidentes era o alinhamento do Brasil às demais nações do mundo ocidental que, há muito tempo, já condenavam a escravidão. Outro ponto que merece especial destaque é que, caso a abolição não ocorresse, haveria o grave risco de tumultos sociais, os quais já vinham ocorrendo com certa frequência.

De certa forma, a Lei Áurea trouxe relativa pacificação social.