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Reflexos da evolução dos direitos humanos no âmbito do trabalho: No panorama histórico, pode-se afirmar que a primeira influência

significativa dos direitos humanos, ainda incipientes, no mundo do trabalho deu-se através da Revolução Francesa de 1789, na qual já se condenava abertamente a escravidão.

Como já foi visto, somente nos tempos modernos é que os direitos humanos ganharam a configuração que conhecemos hoje e foram albergados, explícita ou implicitamente, na grande maioria dos ordenamentos jurídicos mundiais.

As relações de trabalho sempre foram fonte de atritos sociais, já que, nelas, era emblemática a luta de forças sociais. Seja na Idade Antiga com a escravidão, seja na Idade Média com a servidão, seja depois na Idade Moderna novamente com a escravidão e, finalmente, na Idade Contemporânea com o conflito entre os detentores dos meios de produção e o proletariado.

Interessa-nos o sistema capitalista no Mundo Contemporâneo, pois dele originou-se o sistema de proteção das grandes massas. O moderno sistema de proteção aos trabalhadores vem da eclosão de conflitos provocados pelo desequilíbrio aviltante entre os que detinham o capital e os que não possuíam senão sua força de trabalho.55

O avanço tecnológico da Revolução Industrial contrastava com a miséria coletiva produzida. A desigualdade econômica criava um abismo social aparentemente insuperável e colocava em perigo a estabilidade da sociedade liberal.

55 NAZAR, Nelson. Direito Econômico e o Contrato de Trabalho: com análise do contrato

Surgiram reações comprometedoras como o socialismo de Karl Marx que pregava a revolução proletariada, o fim da propriedade privada e a criação de uma sociedade sem classes. Já, as ideias anarquistas ameaçavam a existência do próprio Estado.

A Igreja por meio da encíclica De Rerum Novarum do Papa Leão XIII proclamou:

(...) a necessidade da união entre as classes do capital e do trabalho, que têm ‘imperiosa necessidade uma da outra; não pode haver capital sem trabalho, nem trabalho sem capital. A concorrência traz consigo a ordem e beleza; ao contrário, de um conflito perpétuo, não podem resultar senão confusão e lutas selvagens.56

Segundo Nelson Nazar, as palavras do Sumo Sacerdote inspirariam o surgimento do Estado Providência.57

De fato, a inanição estatal somada ao ímpeto acumulativo do capitalismo industrial da época levaria a uma convulsão social de proporções imensas capaz de comprometer até mesmo os alicerces da sociedade liberal.

Por isso seguiu-se uma onda de iniciativas legislativas louváveis capazes de amenizar os conflitos entre o capital e o trabalho.

Tais iniciativas não serão objeto de estudo aprofundado neste trabalho, mas serão aqui citadas apenas para que não se perca de vista o contexto histórico.

Já no início do século XX, surgiram diplomas constitucionais com forte preocupaão social. A Constituição do México de 31 de janeiro de 1917, a Constituição de Weimar de 11 de agosto de 1919, a Declaração Soviética dos

56 VIANNA, Segadas. SÜSSEKIND, Arnaldo. MARANHÃO, Délio. Instituições de Direito do

Trabalho. Vol. I. 13ª ed. atualizada por Arnaldo Süssekind e João de Lima Teixeira Filho. São Paulo: LTr, 1992. p. 40.

Direitos do Povo Trabalhador e Explorado de 17 de janeiro de 1918, seguida pela primeira Constituição Soviética de 10 de julho de 1918 e Carta do Trabalho, editada pelo Estado fascista italiano em 21 de abril de 1927.58

Merece destaque o surgimento da Organização Internacional do Trabalho, que era conexa à Sociedade das Nações em 1919.

Já foi visto que a Doutrina Social da Igreja influenciou o intervencionismo do estatal.

Contudo não se pode perder de vista que a grave crise econômica de 1929 e a Segunda Guerra Mundial comprometeram a ideia de um sistema capitalista motivado exclusivamente pelas forças de mercado. Revelou-se necessária a interferência estatal seja na iniciativa de alavancar o desenvolvimento em vista da fragilidade do capital privado na crise de 1929 e no pós-guerra, seja no estabelecimento de condições mínimas para os trabalhadores a fim de evitar o colapso do sistema capitalista, que entregue a sua própria sorte, torna-se autofágico.

Com isso, o Estado Providência apresenta-se como elemento essencial para impulsionar o desenvolvimento econômico combinado com o desenvolvimento dos segmentos mais frágeis da sociedade.

A relação entre os direitos humanos e os direitos trabalhistas é bem exemplificada na Declaração Universal dos Direitos do Homem aprovada em 10 de dezembro de 1948. No art. 23, o diploma internacional consagra o direito ao trabalho e à proteção contra o desemprego, o princípio da igualdade salarial e da suficiência mínima do salário e o direito ao associativismo sindical. Já o art. 24 versa sobre o direito à limitação da jornada de trabalho e o direito ao repouso, ao lazer e as férias periódicas pagas. Finalmente, o art. 25 trata do

57 Op. cit. pp. 91-92.

direito à proteção social, na doença e invalidez, na maternidade, na velhice e no desemprego.59

A partir de 1949, começou um movimento de juridicização dos preceitos contidos na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Ganhou força o pensamento de que a Declaração deveria ganhar a forma de tratado internacional obrigatório e vinculante. Surgiram, então, dois distintos tratados internacionais – o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – os quais passaram a detalhar com mais precisão os preceitos contidos na Declaração Universal dos Direitos do Homem.60

Com esse lastro, os ordenamentos jurídicos internos passaram a positivar os valores e direitos expressos na Declaração de 1948.

Assim, é inegável que o movimento internacional de defesa dos direitos humanos após a Segunda Guerra Mundial consubstanciado na Declaração Universal dos Direitos do Homem exerceu forte influência sobre os ordenamentos jurídicos internos nos anos seguintes.

A positivação na Constituição dos princípios e valores expressos na Declaração de 1948 e a dificuldade de concretizar os direitos sociais albergados no ordenamento jurídico, em especial na Constituição Federal, são questões que bem exemplificam o caso brasileiro.

Há uma lei maior que proclama e amplifica os valores e princípios inseridos na Declaração Universal dos Direitos do Homem, mas a realidade bem demonstra a dificuldade de alocação responsável dos recursos públicos para atender às demandas sociais.

59 RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Direito do Trabalho. 2.ª ed. Coimbra: Almedina, 2009.

p. 183.

De qualquer modo, desde 1948, houve um progressivo avanço na seara dos direitos trabalhistas no Brasil em vista da incorporação de valores e princípios inerentes ao movimento de direitos humanos.

CAPÍTULO 2

AMBIENTE CONSTITUCIONAL DO CONTRATO DE TRABALHO