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O ambiente doméstico e os bens têxteis

Capítulo 1 A vila do açúcar: configuração espacial e a posse de bens em Itu

1.3 O ambiente doméstico e os bens têxteis

As roupas de casa, ou roupas brancas são os itens têxteis que compunham os ambientes domésticos, ou eram empregados em atividades cotidianas. Como apontou Luciana da Silva, as alfaias, “tinham por finalidade proporcionar conforto, ora por aquecer e secar, como cobertores e toalhas de mãos, ora por ornar e esconder a rusticidade de móveis velhos e desgastados pelo tempo, como as toalhas de mesa.”234

Entre as peças presentes nos inventários de Itu estão as cobertas, colchas, lençóis, fronhas, cortinados, guarda camas, tapetes, toalhas, toalhas de mesa, guardanapos, toalhas

233

ARQ/MRCI - Inventário de Inácia Leite de Almeida, 1801, caixa 15 . folhas 19 – 20. 234 SILVA, Luciana da. Artefatos... p. 102.

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de mãos e itens, que identificamos como de uso religioso. Elencamos as peças de roupas detalhando suas informações na tabela 3.

Tabela 3 – Roupas da casa, vila de Itu, 1765-1808

Peça Tecido Quantidade Valor

Alfaias litúrgicas Não informa(4) Tafetá (1) 5 5$080

Coberta Baetão, castela, chita, papa, serafina

27 64$040

Colcha Algodão, baetão, chita, damasco 41 167$940

Cortinado Algodão, chita, fustão, riscado, seda

8 46$000

Fronha Algodão, Bretanha, linho 61 14$020

Guarda cama Algodão (1), não informa (2) 3 2$120

Guardanapo Algodão, Guimarães, linho 48 6$120

Lençol Algodão, Bretanha, cassa, estopa/estopinha, linho, riscado

158 180$380

Não informa Algodão, chita, damasco 13 42$100

Tapete Não informa (4), Pano azul (1) 5 9$440

Toalha Algodão, Bretanha, linho 19 10$560

Toalha de mãos Algodão, Bretanha, cassa, linho 69 36$380

Toalha de mesa Algodão, fustão, Guimarães, linho, riscado

53 59$320

Total 510 643$500

Fonte: AESP, ARQ/MRCI – Contas de testamento e inventários

Os lençóis são os itens mais numerosos, no total de cento e cinquenta e oito peças, presentes em vinte e sete inventários. Lideram também com o valor de 180$380 (cento e oitenta mil e trezentos e oitenta réis). Eram mais comuns os de algodão, com sessenta e seis ocorrências e de linho, com sessenta e duas, seguidos de quatorze de bretanha, oito de cassa, três de estopa e cinco não informavam o tecido. Olanda Vilaça também mencionou que o lençol foi a roupa de casa mais inventariada em sua amostragem.235

235

VILAÇA, Olanda Barbosa. Cultura material e património móvel no mundo rural do Baixo Minho em

finais do Antigo Regime. 2012. Tese (Doutorado em História). Instituto de Ciências Sociais. Universidade do

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Quanto às cobertas, podiam ser de tecidos variados. Em um total de vinte e sete, nove eram de Castela, oito de papa, cinco de chita, uma de baetão, uma serafina e três não identificadas.236

Duas destas cobertas de chita despertam atenção pelo detalhamento, pois uma era “coberta de rede de chita forrada de baeta branca, no valor de novecentos e sessenta réis.” Havia também outra mais cara, grande, “de chita da Índia de algodão fina nova, em oito mil réis.”237

Pela forma como foi descrita, a primeira seria utilizada para se cobrir quando se repousava em rede. Já a segunda nos indica a diversidade de tecidos que circulavam já na década de 1770 em terras paulistas. As colchas mais comuns eram feitas de algodão e chita, com o valor médio de 2$000 (dois mil réis) para peças em bom estado. As exceções são as de tecido adamascado.

Um exemplo é o inventário de Antônio Francisco da Luz, que possuía seis colchas de damasco, no valor de 30$800 (trinta mil e oitocentos réis). Outro caso representativo é o de Ana Gertrudes de Campos, que dispunha de sete colchas, três no sítio e quatro na casa da vila. Das quatro colchas, duas eram de baetão, uma muito usada, avaliada em $640 (seiscentos e quarenta réis), outra em 2$560 (dois mil, quinhentos e sessenta réis), uma de algodão pintada, 1$600 (mil e seiscentos réis), e uma colcha de damasco com o valor de 20$000 (vinte mil réis), equiparada ao preço de um cativo. Ana Gertrudes possuía cinquenta escravos avaliados entre 204$800 (duzentos e quatro mil, oitocentos réis) e 20$000 (vinte mil réis).

Em relação às roupas de cama mencionadas nos inventários de nossa amostra da cidade de Lisboa, predominavam os lençóis de linho, em menores ocorrências, os de estopa e bretanha. Os cobertores mais comuns eram de chita, papa e damasco. Em menores vezes,

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Cobertor de papa era uma coberta confeccionada de lã. Vide SILVA, Antonio Moraes. Diccionario da

língua portuguesa. Lisboa: Typographia Lacerdina, 1813. Vol. 2, p. 392. A chita consiste em um tecido de

algodão, caracterizado por estampas coloridas. Vide COSTA, Manoela Pinto da. Glossário de termos têxteis e afins. Revista da Faculdade de Letras. Ciências e Técnicas do Património. Porto, I Série, vol. III. Pp. 137- 161, 2004. p. 143. A baeta poderia ser de lã ou de algodão, característica ser grosseira e felpuda. Vide COSTA, Manoela Pinto da. Glossário... p. 139. Serafina era um tecido de lã geralmente aplicado em forros e cortinas. Vide SILVA, Antonio Moraes. Diccionario... vol. 2, p. 691.

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apareceram de seda, cetim e serafina. Nas fronhas assim como nos lençóis predominavam o linho, e nas cortinas, duas das quatro eram de chita, uma de serafina e uma de damasco.

Para o norte de Portugal, Vilaça encontrou poucas ocorrências de peças de damasco, sendo inacessível a maior parte da população, “a não ser que estas peças de roupa tivessem sido herdadas ou legadas por outrem e permanecessem de forma simbólica no património das famílias.”238

Já as peças mais modestas observadas em Itu, as fronhas, eram predominantemente de linho e bretanha. A média de valores era de $100 (cem réis) para fronhas de linho e $300 (trezentos réis) para as de bretanha.

Ainda em relação às camas, encontramos três referências de guarda cama e oito de cortinados. Dos oito cortinados encontrados, não foi possível precisar se todos eram utilizados em camas. Os três cortinados pertencentes ao padre Manoel da Costa Aranha eram de cama, pois foram avaliados junto com as mesmas, fazendo referência inclusive à cabeceira, forrada de tecidos semelhantes.239 O cortinado de chita com renda, avaliado em 12$000 (doze mil réis), e o de seda encarnada com babados de tafetá, de 8$000 (oito mil réis), eram da casa na vila, enquanto que no sítio, havia apenas o cortinado velho de pano riscado de Hamburgo, no preço de 1$600 (mil e seiscentos réis).240 Neste exemplo, é possível observar a preferência em privilegiar a residência na região central da vila em detrimento do sítio. A qualidade da cama que o sacerdote repousava fazia jus ao seu cortinado, pois dentre as três camas que possuía, uma era de “jacarandá, pés de cabra e cabeceira de damasco”, avaliada em 32$000 (trinta e dois mil réis).241

As toalhas que encontramos na documentação foram mencionadas como: toalha de mesa, toalha de água às mãos e apenas toalha. Estas últimas, sem menção ao seu uso específico, contabilizaram dezenove peças no valor total de 10$560 (dez mil, quinhentos e sessenta réis).

238

VILAÇA, Olanda Barbosa. Cultura material... p. 294. 239

ARQ/MRCI – Inventário de Manoel da Costa Aranha, 1801, caixa 15. folha 3 verso. 240

ARQ/MRCI – Inventário de Manoel da Costa Aranha, 1801, caixa 15. folha 3 verso, folha 8. 241 ARQ/MRCI – Inventário de Manoel da Costa Aranha, 1801, caixa 15. folha 3 verso.

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As toalhas de mesa, presentes em vinte e três inventários eram em sua maioria de algodão. As peças confeccionadas com os panos de Guimarães são encontradas em guardanapos e toalhas de mesa. Cinco inventariados possuíam toalhas de Guimarães. De acordo com Olanda Vilaça, a produção do linho em Guimarães existe pelo menos desde o século XI.242 Já os bordados famosos desta localidade foram documentados no final do século XIX.243 Ainda segundo Vilaça, “a indústria do linho e do fio em Guimarães chegou a constituir uma importante riqueza concelhia; a forte exportação para Espanha e Brasil levou à prosperidade de muitos mercadores vimaranenses.”244

Em alguns inventários havia o conjunto de toalha de Guimarães com seis guardanapos, avaliadas em 5$000 (cinco mil réis), 3$000 (três mil réis) e 2$000 (dois mil réis).245 Outras duas toalhas apareceram de forma unitária com menores valores, avaliadas em 1$600 (mil e seiscentos réis) e 1$000 (mil réis).246 Bernardo de Quadros Aranha possuía além de uma toalha de Guimarães, avaliada em 3$000 (três mil réis), outra “toalha de mesa com seis guardanapos de pano de algodão fino, bordada e rendada com quase nenhum uso, no valor de 2$4000 (dois mil e quatrocentos réis). Algranti observou que essas toalhas adornadas “oferecem indícios de serem peças estimadas naquela sociedade, quer pela decoração (franjas, rendas, brocados), ou seja, pelo trabalho investido no objeto, quer pelo seu caráter simbólico de ornamento de luxo.”247 Empregar uma toalha de qualidade superior ou adornada em uma recepção doméstica, em uma localidade em que nem todos tinham a possibilidade de adquiri-la, denotava além de higiene, acesso aos códigos de civilidade e poder econômico.

242

VILAÇA, Olanda Barbosa. Cultura material... p. 213 243

FERNANDES, Maria Isabel. (coord.) Bordado de Guimarães. Renovar a tradição. p. 8 Disponível em: <http://www.bordadodeguimaraes.pt/site/uk/publicacoes/livrobdg.pdf> . Acesso em: 10.mar.2014. 244

VILAÇA, Olanda Barbosa. Cultura material... p. 214. 245

ARQ/MRCI – Inventário de Manoel da Costa Aranha, 1801, caixa 15. folha 3 verso, Inventário de João Fernandes da Costa, 1801, caixa 15. folha. 5, Inventário de Bernardo de Quadros Aranha, 1808, caixa 17B. folha 6.

246

ARQ/MRCI – Inventário de Antonio Antunes Pereira, 1802, caixa 16. folha. 8 verso, Inventário de Antonio Francisco da Luz, 1805, caixa 16A. folha 9 verso.

247

ALGRANTI, Leila Mezan. "Artes de mesa: espaços, rituais e objetos em São Paulo Colonial" trabalho apresentado no I Seminário Internacional Elementos Materiais da Cultura e Patrimônio realizado pelo Programa de Pós Graduação em História ,FAFICH/ UFMG - Belo Horizonte, novembro de 2011. Texto fornecido pela autora. p. 8.

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Os guardanapos foram registrados em conjunto com toalhas de mesa, como mencionado acima, como as de Guimarães, ou separadamente. Desta última forma, foram registradas quarenta e oito peças, distribuídas em oito inventários, sendo que o maior número foi o de dezoito guardanapos de algodão de José Manoel da Fonseca Leite.248 Confeccionados a grande maioria em algodão, também registrou-se guardanapos de linho.

As toalhas de água as mãos eram utilizadas para higiene no momento das refeições. De acordo com Olanda Vilaça, no período moderno os manuais de civilidade pregavam maior asseio, inclusive em relação às mãos.249 Leila Algranti e Luciana da Silva encontraram toalhas de água às mãos nos inventários paulistanos dos séculos XVII e XVIII.250

As toalhas de mãos estão presentes em vinte e três inventários ituanos de nossa amostra (52%). A maioria era de algodão e, algumas indicavam, se era de algodão mais grosso ou fino, com valores entre $160 (cento e sessenta réis) e $350 (trezentos e cinquenta réis) por peça. Toalhas de tecidos mais finos como a cassa, obtiveram o valor de $960 (novecentos e sessenta réis), assim como uma toalha de algodão bordado, de Antonio Francisco da Luz, também com $960 (novecentos e sessenta réis).251 Para a vila de Itu predominaram as toalhas de mãos de algodão, enquanto que Vilaça observou para o norte de Portugal que a maioria das toalhas deste tipo eram de linho.252

Em nosso universo de análise, encontramos cinco tapetes, sendo que apenas um informa o tecido, de pano azul. Dois deles registrados como “tapetes de senhora”. Outras treze peças não foram possíveis de identificar e somam 42$100 (quarenta e dois mil e cem réis).

Para a vila de São Paulo entre os séculos XVI e XVII, as roupas da casa mais comuns eram de pano de algodão. Comum para a vila de Itu no século XVIII, as peças de

248

ARQ/MRCI – Inventário de José Manoel da Fonseca Leite, 1798, caixa 8, folha. 9. 249

VILAÇA, Olanda Barbosa. Cultura material... p. 309-310. 250

ALGRANTI, Leila Mezan. "Artes de mesa... p. 18; SILVA, Luciana da. Artefatos... p. 103, 153. 251

ARQ/MRCI – Inventário de Antonio Francisco da Luz, 1805, caixa 16A. folha 9 verso. 252 VILAÇA, Olanda Barbosa. Cultura material... p. 310.

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linho em São Paulo nos séculos anteriores eram valiosas e atestavam refinamento, como observou Luciana da Silva.253 Alcântara Machado descreveu muitas peças com bordados de rendas, com franjas, atestando a ornamentação das peças. Segundo ele, “é na baixela e nas alfaias de cama e mesa que a gente apotentada faz timbre em ostentar a sua opulência.”254

Olanda Vilaça observou para os três conselhos portugueses (Barcelos, Guimarães e Póvoa de Lanhoso) que a partir da década de 1780 houve uma “tendência para investir no leito e na mesa, tornando-os mais asseados”.255 Na amostra lisboeta consultada, constam em igual número toalhas de mesa de linho e adamascada, com menor incidência, de olho de perdiz, de algodão, de Guimarães e de estopa.256 Já as toalhas de mão mais comuns eram de linho, mas havia também as de bretanha, cavalim e estopinha. Os guardanapos apareceram em dois inventários póstumos, um de algodão, e um adamascado, tecido muito recorrente para as toalhas de mesa.

Nos inventários ituanos, observamos grande aumento no número de roupas brancas a partir da virada do século, bem como aumento nos valores das peças, de forma geral. Sobre a diferença entre os padrões europeus e os paulistas, Leila Algranti ressaltou que

certamente entre o luxo e o fausto dos festins das cortes da Renascença e do Barroco europeu, e as refeições dos paulistas, mesmo os mais abastados, havia uma diferença imensa; mas isso não equivale a dizer que essas não possuíam sua dose de ritualidade e de signos de identidade social, os quais foram se constituindo ao longo do tempo.257

As alfaias litúrgicas eram as peças têxteis utilizadas nas cerimônias religiosas. Juntamente com os paramentos litúrgicos, como casula e sobrepeliz, o padre Antônio Francisco da Luz possuía objetos que compunham, provavelmente, a capelinha que existia no interior de sua casa, na rua da Palma.258 São imagens, oratórios, objetos como cálices, castiçais, jarrinhas, galhetas, e até um ferro de fazer hóstias.259 Os itens têxteis foram agrupados como Alfaias litúrgicas no momento da classificação das roupas de casa,

253

SILVA, Luciana da. Artefatos... p. 103. 254

MACHADO, Alcântara. Vida... p. 104. 255

VILAÇA, Olanda Barbosa. Cultura material ...p. 297. 256

Cf. olho de perdiz no Glossário ao final. 257

ALGRANTI, Leila Mezan. "Artes de mesa... p. 5. 258

ARQ/MRCI – Inventário de Antonio Francisco da Luz, 1805, caixa 16A. folha 18verso. 259

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respeitando sua função. Essas peças são duas bolsas de corporais $480 (quatrocentos e oitenta réis), dois corporais novos arrendados 1$600 (mil e seiscentos réis) e um frontal de branco e encarnado feito de tafetá, galão e fita de retrós amarelo 1$000 (mil réis).260

Observando a relação da posse dos móveis e das roupas da casa, constatamos que doze indivíduos da amostra ituana possuíam mesa e toalha de mesa, três dispunham de mesa com a sua respectiva toalha e guardanapos, seis tinham toalhas de mão e de mesa sem possuir mesa, dois apenas as toalhas de mão e quatro possuíam apenas os móveis, sem nenhuma peça de roupa da casa. Já em relação à roupa de cama, havia seis conjuntos de roupa de cama completos (lençol, fronha e coberta) e colchão e catres, quatro completos com cama e colchão. Sete pessoas possuíam catre e lençol e três pessoas, cama com colchão e lençol e uma, um estrado e lençol. Uma pessoa possuía peças de roupa de cama e de mesa mas nenhum móvel, e cinco não possuíam nem móveis nem roupas da casa.

Nos inventários encontramos tecidos e materiais empregados para confecção de vestimentas e de roupas da casa arrolados nos domicílios ituanos.

Tabela 4 – Matérias-primas têxteis arroladas nos domicílios ituanos, 1765-1808

Material Quantidade

Algodão em rama 4

Pano de Algodão 1

Pano de Algodão e seda 1

Pano de Algodão grosso 1

Fio de Algodão grosso 2

Fio de Algodão entrefino 1

Fio de Algodão fino 1

Baeta 3 Bretanha de Hamburgo 1 Brilhante de lã 1 Chamalote 1 Chita 3 Linho 3 Linho fino 1 Ruão 1 Tafetá 1 260

Corporal é um “tecido em forma quadrangular sobre o qual se coloca o cálice com o vinho”.

<http://www.ahoradamissa.com/doc_glossario.html> . O Frontal é um “paramento que cobre a frente do altar. < http://www.priberam.pt/dlpo/frontal> . Acesso em 07.ago.2014.

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Total 26

Fonte: AESP, ARQ/MRCI – Contas de testamento e inventários, vila de Itu

Os pedaços de tecidos de linho, chita e baeta constam em três inventários. Embora em pequena quantidade, os itens de algodão, em rama, fios de algodão e panos figuram entre os materiais pertencentes aos lares ituanos. O pano de algodão e seda relacionado acima está descrito como “um corte de saia de algodão e seda, avaliado em oito mil réis”, descrição interessante pois indica a peça de vestuário que seria confeccionada com aquele corte de tecido de posse do sacerdote Antônio Francisco da Luz.261

Apenas dois teares foram registrados na vila de Itu, sendo um “de fazer rede”, e o outro, “um tear ordinário de tecer algodão, avaliado em $640 (seiscentos e quarenta réis).”262

O conjunto mais completo relacionado à atividade de fiação e tecelagem algodoeira, figurou dentre os bens de Antônio Antunes Pereira, que consistia em “um escaroçador de descaroçar algodão, $160 (cento e sessenta réis); uma roda de fiar algodão desconcertada, $640 (seiscentos e quarenta réis); uma roda de fiar melhor com seus desconcertos, 1$000 (mil réis); um pente com seu [-] de tecer pano de algodão em $400 (quatrocentos réis).”263

Igor Renato Machado de Lima apontou a importância da atuação feminina de senhoras e cativas, denominadas “cunhãs tecedeiras” no cultivo, fiação e tecelagem de panos de algodão nos domicílios do Planalto de Piratininga, entre os séculos XVI e XVII.264 De acordo com Lima, dentre os produtos confeccionados com o algodão da terra, estavam “os gibões, as toalhas de mesa, de banho e de lavar as mãos, assim como as redes de dormir”265

. A produção não estaria voltada apenas ao uso doméstico, mas também era vendida com a finalidade de gerar renda.266 O autor observou que a década de 1630 foi

261

ARQ/MRCI - Inventário de Antonio Francisco da Luz, 1805, caixa 16A . folha 24 verso. 262

ARQ/MRCI - Inventário de Teresa Jesus Barbosa, 1791, caixa 1. folha 3; Inventário de Ana Leite Gularte, 1808, caixa 17B . folha 7verso.

263

ARQ/MRCI - Inventário de Antonio Antunes Pereira, 1802, caixa 16. folha 9. 264

LIMA, Igor Renato Machado de. O fio e a trama: trabalhos e negócios femininos na vila de São Paulo (1554-1640). Dissertação (Mestrado em História Econômica). 2006. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, 2006. p. 157

265

LIMA, Igor Renato Machado de. O fio e a trama... p. 136 266

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marcada pelo crescimento da produção de algodão e tecidos domésticos.267 Já na segunda metade do século XVII, Lima apontou que “quando a produção algodoeira expandia-se juntamente com a pecuária, havia uma retração na lavoura de trigo. Nesse processo, os homens senhoriais assumiam a produção e a organização algodoeira.”268

Na amostra ituana, são poucos os registros de teares e de pano de algodão, o que não significa que não havia produção local de algodão. Talvez os teares e demais acessórios estejam relacionados em bens de pessoas com menor cabedal, ou nem tenham sido inventariados, dados os baixos valores com que eram estimados, como o citado acima, que foi avaliado em $640 (seiscentos e quarenta réis). Nos inventários de nossa amostra, constam majoritariamente os tecidos importados de variadas qualidades e preços.

Para a vila de São Paulo entre os séculos XVI e XVII, Luciana da Silva apontou que

armazenar estes tecidos para futuramente mandar confeccionar roupas novas, significava ter à sua disposição materiais requintados e, geralmente de difícil acesso, que poderiam representar altos valores acrescidos no patrimônio. Como no caso de Belchior Carneiro, falecido em 1609 no sertão, cuja fazenda somava 200$850 (duzentos mil, oitocentos e cinqüenta réis) entre os quais 8$110 (oito mil, cento e dez réis) eram referentes mais ou menos 12 côvados de gorgorão vermelho e mais ou menos nove côvados e meio de tafetá da Índia.269

Para a documentação ituana pesquisada, o valor e a porcentagem que os tecidos possuídos representavam em relação ao total de bens era muito pequena: 0,05%, 0,4%, chegando até a 2%. Mesmo avaliando o corte de tecido mais caro, o de Antonio Francisco da Luz, mencionado acima, no valor de 8$000 (oito mil réis), representa apenas 0,09%, pois seu espólio total é de 8:614$430 (oito contos, seiscentos e quatorze mil, quatrocentos e trinta réis).

Entre o final do século XVIII e início do século XIX, a composição material dos domicílios ituanos aponta a grande diferença em relação à feição rústica das casas e objetos mencionados nos inventários do Planalto de Piratininga nos séculos XVII e início do

267

LIMA, Igor Renato Machado de. O fio e a trama... p. 135 268

LIMA, Igor Renato Machado de. "Habitus" no Sertão: gênero, economia e cultura indumentária na Vila de São Paulo (1554-C.1650). Tese (Doutorado em História Econômica). 2011. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, 2011, p. 299.

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XVIII, já sinalizando a tendência que mais adiante se afirmará com a chegada da corte portuguesa no Rio de Janeiro, em 1808, da adoção de elementos europeus na forma de viver e de se relacionar de maneira mais sistemática. A mudança ocorrida a partir de meados do século XVIII transformou a composição dos domicílios, bem como as formas de