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Os cabedais dos ituanos nos inventários póstumos

Capítulo 1 A vila do açúcar: configuração espacial e a posse de bens em Itu

1.2 Os cabedais dos ituanos nos inventários póstumos

Neste tópico apresentamos primeiramente os elementos teóricos do campo da cultura material caros à nossa pesquisa, através das proposições dos principais autores. No segundo momento, analisamos a composição material da vila de Itu, através das categorias de bens que utilizamos para organizar os bens arrolados nos inventários post-mortem, apresentando os principais elementos que compunham a materialidade da vila ituana.

O campo de pesquisa da cultura material configura-se por estar em constante debate. Ao analisarmos as publicações, grupos de pesquisa e eventos, notamos ainda o pequeno interesse que essa área desperta. Apesar disso, trabalhos importantes surgem nos campos de estudo da história e da antropologia. A proposta aqui não é apresentar um balanço exaustivo das discussões sobre este campo, mas a de ilustrar as principais vertentes e

103

AESP. Autos de Contas de Testamento de João de Mello Rego, vila de Itu – 1779, caixa C00554. Juízo dos Resíduos. p. 5.

104

AESP. Autos de Contas de Testamento de João de Mello Rego, vila de Itu – 1779, caixa C00554. Juízo dos Resíduos. p. 9 verso.

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indicar como tais trabalhos nos auxiliam a melhor refletir acerca do nosso objeto de estudo105.

O termo cultura material gera dúvidas e debates em sua tentativa de definição. Marcelo Rede apontou que a cultura material é “a um só tempo, parte do fenômeno histórico e fonte documental para sua compreensão.”106

Não se configura como uma disciplina, mas mobiliza um esforço interdisciplinar para o seu estudo.

No verbete sobre Cultura Material da Enciclopédia Einaudi, de Richard Bucaille e Jean-Marie Pesez escrito em 1989, os autores optaram por buscar o conceito através de diversos trabalhos, aproximando e distanciando a cultura material da arqueologia, do marxismo, dos Annales e da história da técnica. Concluem a exposição sem definir a cultura material com segurança.107

Fernand Braudel na obra Civilização Material, Economia e Capitalismo trouxe uma grande contribuição à história, tanto pela abordagem de novas temáticas (alimentação, vestuário, cotidiano), como pela concepção das temporalidades. Ademais, introduziu a dimensão material através do conceito de civilização material, que recebeu críticas nos seguintes aspectos: o termo civilização que implicaria em hierarquias e sistema de valores (civilizado versus incivilizado)108; e que em sua análise faltava o domínio do simbólico.109

Em relação à interação da cultura material com a história, Marcelo Rede apontou que “a operação historiográfica não se alterou substancialmente com a renovação do temário; dito de outro modo, o reconhecimento da cultura material como parte essencial do

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O balanço realizado em âmbito nacional mais recente sobre o campo da cultura material é o de Vânia Carneiro de Carvalho. Cf . CARVALHO, Vânia Carneiro de. Cultura Material, espaço doméstico e musealização. Vária História. (UFMG) Belo Horizonte, v. 27, p. 443 – 469, 2011.

106

REDE, Marcelo. “História a partir das coisas: tendências recentes no estudo de cultura material.” In: Anais

do Museu Paulista. São Paulo. N. Sér. v.4 p.265-82 jan./dez. 1996. p. 266 107

BUCAILLE, Richard, PESEZ, Jean-Marie. “Cultura Material.” Enciclopédia Einaudi, Lisboa, IN-CM, 1989, vol.16 - Homo — Domesticação — Cultura Material, p.11-47. p. 43.

108

BUCAILLE, Richard, PESEZ, Jean-Marie. Cultura Material. Enciclopédia... p. 43. 109

BURKE, Peter. A Revolução Francesa da historiografia: a Escola dos Annales ( 1929 – 1989). São Paulo: Editora Universidade Estadual Paulista, 1991. p. 42.

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fenômeno histórico não implicou sua inserção decisiva como documento no processo de produção do discurso historiográfico.”110

Foi no diálogo com a antropologia que a cultura material se desenvolveu consideravelmente. A influência da antropologia social e cultural, segundo Bucaille e Pesez foi a de promover um conceito de cultura em âmbito coletivo.111 Elencamos o antropólogo inglês Daniel Miller, e um grupo francês como os mais representativos do campo de cultura material atualmente. Este último compõe-se de um grupo de trabalho reunido na Universidade Paris V – René Descartes. Dentre vários membros, destaca-se Jean-Pierre Warnier112. A perspectiva de Warnier enfoca a relação entre os objetos, o corpo e as representações mentais.113

Já o antropólogo inglês Daniel Miller possui uma postura incisiva em defesa da cultura material, contestando cada elemento negativo que pese contra ela.

Amparado na crença religiosa da superioridade do mundo imaterial e existente há séculos, o dualismo entre humanidade e materialidade foi apontado e questionado por Miller em vários de seus textos. Esta seria a base para uma série de implicações contrárias à materialidade, que culmina no repúdio completo dos objetos, ou em quem os aceita na cultura ocidental. O aspecto interessante das religiões que menosprezam o mundo material é o paradoxo de necessitarem da materialidade, através de monumentos de grande escala para expressar a imaterialidade. O exemplo mais icônico são as pirâmides dos antigos egípcios.114

Ao questionar a oposição entre coisa e pessoa, sujeito versus objeto, Miller apontou que

quaisquer que sejam nossos medos ou preocupações ambientais com o materialismo, não seremos ajudados por uma teoria dos trecos nem por uma atitude que simplesmente nos oponha a eles; como se quanto mais pensássemos nas coisas como se elas fossem alienígenas ou estranhas mais nos mantivéssemos sacrossantos e puros. A ideia de que os trecos de algum modo drenam a nossa humanidade, enquanto nos dissolvemos numa mistura pegajosa de plástico e

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REDE, Marcelo. “Estudos de Cultura Material: uma vertente francesa.” In: Anais do Museu Paulista. São Paulo. N. Sér. v. 8/9. p.281-291 (2000-2001). Editado em 2003. p. 282.

111

BUCAILLE, Richard, PESEZ, Jean-Marie. Cultura Material. Enciclopédia... p.23 112

WARNIER, Jean-Pierre. Construire la culture materielle: l´homme qui pensait avec ses doigts. Paris: Presses Universitaires de France, 1999.

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REDE, Marcelo. Estudos de Cultura Material... p. 284 114

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outras mercadorias, corresponde à tentativa de preservar uma visão simplista e falsa de uma humanidade pura e previamente imaculada.115

Em relação à aparência, o autor teceu comparações entre sua sociedade (europeia) e a população de Trinidad. A relação desta última com as roupas e adereços demonstrou a Miller o quanto a aparência é importante para se conhecer uma pessoa daquela comunidade. Em nossa sociedade, entretanto, encaramos a exterioridade separada de nosso interior. O autor denominou tal fenômeno como ontologia de profundidade. “A hipótese é que ser – o que realmente somos – está profundamente situado dentro de nós e em oposição direta à superfície. Um comprador de roupas é superficial porque um filósofo ou um santo é profundo.”116

Também cabe mencionar uma publicação realizada após um seminário promovido pelo Smithsonian Institution, congregando pesquisadores de diversos países, editado por Steven Lubar e David Kingery, History from things: essays on material culture.117 A preocupação central do grupo era entender como cada autor trabalhava diretamente com os dados primários. A discussão levantada na introdução pelos autores é muito pertinente. A principal questão é a de que os historiadores utilizam mais documentos do que artefatos como fontes.118

Ainda pensando no peso dos documentos escritos, ao comparar as possibilidades de análise de cultura material entre as proposições de Warnier e a postura dos historiadores, Marcelo Rede constatou que “o próprio método histórico leva a uma documentalização dos componentes do fenômeno estudado (textos; imagens; registro oral; cultura material…), como a via prioritária de acesso cognitivo ao próprio fenômeno.” A grande crítica de Rede é a de a história não propiciar um conjunto teórico-metodológico específico para tratar a cultura material.119

115

MILLER, Daniel.Trecos, troços e coisas. Estudos antropológicos sobre a cultura material. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. p. 11.

116

MILLER, Daniel.Trecos... p. 28. 117

Cf. REDE, Marcelo. Estudos de Cultura Material... 118

LUBAR, Steven e KINGERY, David. History of things: essays of material culture. Washington: The Smithsonian Institution, 1993. p. IX.

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Reconhecemos o peso desta questão, especialmente porque em nossa pesquisa apenas conseguimos acessar os objetos a partir de sua descrição na documentação escrita. Lubar e Kingery afirmaram (e nós concordamos) que os artefatos utilizados em conjunto com outros tipos de fontes proporcionam uma análise mais enriquecedora.120 Infelizmente para Itu não possuímos fontes de outra natureza para complementar ou confrontar as descrições dos bens nos inventários póstumos, tais como imagens, relatos de viagem ou mesmo os próprios objetos. Desta forma, ao trabalharmos sem os artefatos, consideramos essencial a formulação de Ulpiano Toledo Bezerra de Meneses sobre a materialidade:

ao contrário do entendimento ainda muito comum entre nossos historiadores, os estudos de cultura material não se caracterizam nem pelo uso determinante de fontes materiais, nem como preocupação exclusiva com artefatos e, eventualmente, seu contexto, como se fossem um segmento à parte da vida social – mas pela análise da dimensão material de qualquer instância ou tempo da vida social. É por isso que tais estudos, longe de constituírem um domínio próprio, autônomo, podem estar presentes nos diversos campos da História. Daí a insuficiência de se trabalhar apenas ou preponderantemente com documentação material.121

Tal proposição é de extrema importância e peso para nossa análise, pois amplia a percepção da cultura material, entendida na maior parte das vezes apenas pelos significados e elementos referentes à materialidade em si. Meneses pontuou também que os artefatos atuam como produto e vetor das relações sociais. Produtos enquanto vestígios, remanescentes das atividades humanas, e vetor, porquê propiciam, são canais das relações sociais.122

Outro aspecto muito debatido é o emprego da semiótica na análise da cultura material. A grande crítica baseia-se no enfoque aos elementos simbólicos e ideológicos dos objetos, encarando-os como veículos materiais de uma linguagem a ser decodificada. Tal

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LUBAR, Steven e KINGERY, David. History of things ... p. IX. 121

MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. “Apresentação” In: MARTINEZ, Cláudia Eliane Parreiras Marques. Riqueza e escravidão: vida material e população no século XIX: Bonfim do Paraopeba/MG. São Paulo: Annablume: Fapesp, 2007. p.14 - grifo do autor.

122

MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. A cultura material no estudo das sociedades antigas, Revista de

História, NS n.1I5, p.103-117, 1983. Disponível em: <

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ponto de vista também desenvolve uma ênfase, um poder maior do objeto em relação ao sujeito, resultando na reificação ou autonomização dos objetos.123

Concordamos com Menezes quando este afirmou que

as vertentes mais férteis e inovadoras nos estudos recentes de cultura material têm procurado ir além das meras preocupações funcionais e semióticas, para, ao contrário, buscar definir a capacidade, presente nos artefatos, de agir, de produzir efeitos: os artefatos também nos moldam; não apenas nos expressam, mas, igualmente, de formas e em graus variados, nos constituem.124

Talvez a grande dificuldade de superar a análise simbólica e efetivamente adentrar nessa relação sujeito-objeto mais detidamente seja a ausência ou o conhecimento de um procedimento teórico-metodológico específico, no campo histórico, como mencionado por Rede.125 Por não ser uma disciplina efetivamente constituída, a cultura material se beneficia da pluralidade de conceitos interdisciplinares, mas por outro lado, carece de balizas metodológicas mais nítidas.

Em nosso caso, estudando as vestimentas especificamente, entendemos não ser possível desconsiderar ou minimizar a importância que a análise da semiótica possa propiciar. Se levarmos em conta a importância da imagem para a sociedade barroca do século XVIII, é impossível desconsiderar a linguagem visual não apenas nas roupas, mas em outros aspectos como a arquitetura e as artes.

Passamos para a análise da cultura material da vila de Itu, analisando a composição dos bens, especialmente as residências e as unidades produtivas relacionadas à produção açucareira.

Os inventários post-mortem nos possibilitam analisar apenas um momento das posses de um domicílio. Por ser este contexto o da morte de um dos cônjuges, talvez cause a impressão de que o rol de bens contenha todos os objetos que aquela pessoa adquiriu durante a vida. Mas não existe apenas o ato de acumular. A doação, troca, empréstimo, divisão e perda também faz parte da história de nossos pertences. O espólio final descrito e

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MENEZES, Ulpiano. Prefácio In: CARVALHO, Vânia Carneiro de. Gênero e Artefato: o sistema doméstico na perspectiva da cultura material – São Paulo, 1870 – 1920. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo/FAPESP, 2008. p. 12.

124

MENEZES, Ulpiano. Prefácio In: CARVALHO, Vânia Carneiro de. Gênero... p. 12. 125 REDE, Marcelo. Estudos de Cultura Material.... p. 282.

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avaliado no arrolamento não corresponde, muitas vezes, à totalidade dos bens, pois alguns objetos poderiam ser omitidos na declaração, ou mesmo, partilhados anteriormente. Mas para a análise da composição material daquela sociedade, esta fonte propicia um aspecto relevante: apresenta os objetos em conjunto. Podemos assim, avaliar a constituição dos patrimônios como um todo, pensando no uso dos objetos, individual e coletivamente, dentro daquele domicílio.

Partimos das categorias desenvolvidas por Ernani Silva Bruno para o fichário do Museu da Casa Brasileira126, para organizar o banco de dados no programa Microsoft Excel:

1 - Bens de raiz (imóveis como casas, lojas, terrenos, sítios e chácaras).

2 – Ferramentas, equipamentos e apetrechos de trabalho (objetos relacionados aos

processos produtivos agrícolas, aos ofícios diversos e ao uso cotidiano nos domicílios)

3 – Animais e criações (bovinos, equinos, caprinos, suínos) .

4 – Cavalgaduras, equipamentos e acessórios de transporte (montarias, ferragens,

cangas e carros de bois).

5 – Matérias primas (todo material empregado na confecção de objetos, como botões,

tecidos, couros, linhas).

6 – Alimentos, colheitas e produção caseira (alimentos para consumo doméstico, como

sementes, legumes, etc.).

7 – Construções e materiais (materiais empregados na construção de imóveis). 8 – Escravos (cativos).

9 – Instrumentos ligados à escravidão (correntes, grilhões, cadeados).

10 – Utensílios e ornatos da casa (objetos que compunham o domicílio, utilitários ou

decorativos, como talheres, pratos, copos, bules, bacias, candeeiros, lampiões, ferro para engomar, crucifixos, imagens de santos, oratórios).

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O fichário foi desenvolvido pelos funcionários da seção histórica do Museu da Casa Brasileira nos anos 1970. Encontra-se digitalizado e disponível no site do museu com a denominação Equipamentos da Casa

Brasileira, Usos e costumes. Disponível em: <http://antigo.mcb.org.br/ernMain.asp> . Acesso em

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11 – Móveis e acessórios (móveis de descanso e de organização, como catres, camas,

colchões, cadeiras, mesas, bofetes, nichos, caixas, baús, armários).

12 – Roupas da casa (roupas de cama lençóis, fronhas, cobertas, colchas, cortinados,

roupas de mesa, a saber, toalha de mesa, guardanapos, toalhas de mãos).

13 – Vestuário (roupas de uso pessoal femininas e masculinas).

14 – Objetos de uso pessoal relacionados à aparência (sapatos, chapéus, fivelas, bastões,

esporas, relógios).

15 – Joias (brincos, colares, anéis, pulseiras, cordões). 16 – Leitura e entretenimento (livros).

17 – Instrumentos musicais

18 – Armas, aparatos defensivos e acessórios 19 – Dinheiro 20 - Ouro 21 - Prata 22 - Total bens 23 - Dívida Ativa 24 - Dívida Passiva 25 - Dote 26 - Sufrágios e custos 27 - Líquido (partível) 28 - Dois terços 29 - Meação 30 - Cada herdeiro/legítima 31 - Observação

Incluímos os últimos doze itens, para diferenciar os metais preciosos e abarcar o fechamento das contas do inventário de forma mais completa, pois interessa-nos entender tanto a quantia do montante final, quanto o valor em dívidas a receber (ativas) e que deviam (passiva) cada inventariado, bem como a partilha dos bens. Optamos por esta

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sistematização, pois nos inventários póstumos os escrivães agrupavam os objetos desordenadamente.

Para cada indivíduo inventariado foi realizada a leitura, transcrição e fichamento dos bens, enquadrando-os nas categorias de número 1 a 21. Posteriormente, calculamos os valores dos bens por categorias e refizemos as contas da partilha, tomando as devidas cautelas com os valores encontrados na documentação, pois grande parte das adições estava equivocada, demandando várias revisões.127 Em consequência, obtivemos dois valores monetários: um que fornece a soma total dos bens e outro que aponta a quantia a ser partilhada, ou seja, após subtrair ou adicionar as dívidas ao espólio. Para melhor compreensão das diferentes composições dos bens dos ituanos, estabelecemos faixas de valores em réis para distribuir as ocorrências dos indivíduos nas duas situações, antes e após o cálculo das dívidas ativas e passivas.

Tabela 2 – Distribuição dos inventariados por faixas de bens, Itu, 1765-1808

Faixas de bens (em réis) Número de inventariados na soma total dos bens

Número de inventariados na soma dos bens (líquido) após subtrair as

dívidas Valor Negativo - 1 De 0 a $500 7 6 De $501 a 1:000$000 6 6 De 1:001$000 a 5:000$000 16 13 De 5:001$000 a 10:000$000 5 2 Acima de 10:001$000 5 3 Não informa 5 13 Total 44 44

Fonte: AESP, ARQ/MRCI – Inventários póstumos, vila de Itu

A tabela 2 aponta a tendência observada na maioria dos espólios, de diminuição no valor das heranças, o que aponta a existência de dívidas a serem quitadas. O único caso em que o valor das dívidas ultrapassou o da soma de todos os bens foi o do capitão Antônio Pompeu Bueno, que no momento da contabilidade dos bens e dívidas, obteve o valor negativo de 348$502 (trezentos e quarenta e oito mil e quinhentos e dois réis). Dentre os mais abastados, cujos bens alcançavam mais de dez contos de réis, apenas três

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inventariados dos cinco conseguiam permanecer na referida faixa, após descontar as dívidas.

Seis indivíduos tiveram seus montes maiores no segundo momento, pois os valores referentes a dívidas ou créditos que lhes eram devidos foram consideráveis e superaram o valor que, porventura, deviam a terceiros. O exemplo mais significativo foi de Maria Francisca Vieira, cabeça de casal, após o falecimento de seu marido, Francisco Novais de Magalhães. De 4:579$733 (quatro contos, quinhentos e setenta e nove mil, setecentos e trinta e três réis), o espólio foi para 21:637$732 (vinte e um contos, seiscentos e trinta e sete mil, setecentos e trinta e dois réis). Esta diferença se deve ao fato de que Francisco atuava como comerciante e também fornecia empréstimos aos moradores da vila de Itu e das localidades próximas.128

O contrário também foi observado, quando a dívida passiva apresentou valor semelhante ao montante dos bens. No caso de Bernardo de Quadros Aranha, havia 20$000 (vinte mil réis) a receber, porém, sua dívida passiva era de 3:430$101 (três contos, quatrocentos e trinta mil, cento e um réis), quantia semelhante ao seu montante de bens, de 3:951$390 (três contos, novecentos e cinquenta e um mil, trezentos e noventa réis). Já o padre Antônio Francisco da Luz que apresentava o espólio total de 8:614$430 (oito contos, seiscentos e quatorze mil, quatrocentos e trinta réis), tinha a receber 4:820$859 (quatro contos, oitocentos e vinte mil, oitocentos e cinquenta e nove réis), no entanto devia a alta quantia de 7:913$185 (sete contos, novecentos e treze mil, cento e oitenta e cinco réis).

Os inventariados da faixa entre $501 (quinhentos e um réis) e 1:000$000 (um conto de réis) apresentaram o mesmo número em ambas as situações. O número de indivíduos sem indicação dos valores aumenta significativamente no segundo momento, devido à lacuna na documentação. A faixa de bens intermediária, que contempla os patrimônios entre os valores de 1:001$000 (um conto e mil réis) e 5:000$000 (cinco contos de réis), foi a que concentrou o maior número de pessoas em ambas as situações, 16 e 13, demonstrando o padrão médio monetário dos ituanos da amostra.

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Da somatória dos bens, os cinco mais abastados são o casal Inácia Leite de Almeida e seu marido José do Amaral Gurgel, Ana Gertrudes de Campos, José Manoel da Fonseca Leite e Elena Maria de Souza. Esses indivíduos (ou suas esposas) estão relacionados à produção canavieira e às ordens militares. Após a subtração das dívidas, permanecem Inácia e Ana Gertrudes, e Maria Francisca Vieira passa a figurar no seleto grupo.129 Os inventários com montantes gerais mais baixos, por sua vez, não são menos importantes: estes apontam diferentes composições materiais e possibilitam-nos compreender um pouco mais sobre o cotidiano da vila de Itu.

Dentro do universo investigado, a distribuição dos valores atribuídos aos bens por categorias apresentou o seguinte resultado:

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Gráfico 1 – Valor em réis dos bens totais inventariados divididos por categorias

000:000$000 010:000$000 020:000$000 030:000$000 040:000$000 050:000$000 060:000$000 070:000$000 080:000$000 Bens de ra iz Ferra ment as Anim ais e criaçõ es Cava lgadu ras, equip amen tos de tr ansp orte Mat érias prim as Alim ento s, co lheita s e pr oduç ão ca seira Cons truçõ es e mate riais Escr avos Instru ment os lig ados à es cravid ão Uten sílio s e or nato s da c asa Móv eis e aces sório s Alfaia s da c asa Vestu ário Objet os de uso p esso al ias Leitu ra e entre tenim ento Instru ment os m usica is Arma s, ap arato s defe nsivo s e ac essó rios Dinhe iro Ouro Prat a Série1

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A somatória dos valores dos bens arrolados de nossa amostra aponta os montantes