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Os itens de vestuário nas listas de importação e no estoque da loja de Itu

Capítulo 2 O vestuário da vila de Itu despido em detalhes

2.2 Os itens de vestuário nas listas de importação e no estoque da loja de Itu

Nos maços de população, documentação censitária confeccionada entre 1760 e 1830, existe para alguns anos a relação dos produtos importados pela vila de Itu, bem como os produtos produzidos ali, especificando a quantidade consumida e exportada.61 Para a vila ituana, estão disponíveis os dados referentes aos anos 1798, 1800, 1801, 1802, 1803, 1804, 1805 e 1808. Os itens importados são vinho, pano de linho, pano de lã, pano de algodão, chapéu, meia de seda, tecido de seda e sal, provenientes de Lisboa e da cidade do Porto. Organizamos as ocorrências dos tecidos importados em dois gráficos, um de Lisboa e outro do Porto para melhor visualização dos dados.

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Tabelas denominadas “Mappas da importação dos produtos e manufacturas do Reino, dos outros Portos do Brazil, e dos Paízes Estrangeiros na Paróchia da Vila de Itu no ano ...”. De acordo com ano, poderiam vir no início, ou no final da listagem do censo.

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Gráfico 8 – Tecidos provenientes de Lisboa importados pela vila de Itu (em peças) 0 50 100 150 200 250 300 350 400 450 500 1798 1800 1801 1802 1803 1804 1805 1808

Tecidos Lisboa Linho Lã Algodão Seda

2206

Fonte: AESP - Maços de população, Vila de Itu

Neste gráfico referente aos tecidos provenientes do porto de Lisboa, observamos a variação dos números de peças de tecidos importados pela vila de Itu. O traço comum observado para os quatro tecidos foi a diminuição dos itens a partir de 1805.

O tecido que apresentou os maiores números foi o algodão. Em 1798 foram importadas 2206 peças de pano de algodão, cifra expressiva que precisou ser indicada numericamente no gráfico, pois não dimensionava os outros valores menores. O pano de lã apresentou tendência semelhante ao do algodão, mas em menor escala, decresceu entre 1798 e 1801, aumentou em 1802 e 1803 e decresceu em 1804 e 1805.

Os panos de linho não constaram nos dois primeiros anos, mas apresentaram entre 30 e 60 peças entre 1801 e 1803, aumentaram para 130 e 120 peças em 1804 e 1805, respectivamente, e decaíram para apenas 10 peças em 1808. A seda apresentou números baixos porém constantes, de 12 a 22 peças entre 1798 e 1804. Em 1805, foi impostado o maior número de peças, 60, para em 1808 voltar à média de 16 unidades.

Já os panos provenientes do Porto vieram em menor quantidade em relação aos de Lisboa.

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Gráfico 9 – Tecidos provenientes do Porto importados pela vila de Itu (em peças)

Fonte: AESP - Maços de população, Vila de Itu

A concentração da produção de linho no norte de Portugal refletiu-se nos dados de importação ituana: o maior número de peças de pano de linho, 576 em 1798, enquanto chegaram 130 peças de Lisboa. O número de peças apresentou um grande declínio até 1801, depois estacionou entre 40 e 60 unidades. A importação das peças de lã também decaiu entre 1800 e 1801, crescendo e mantendo uma média de 110 peças entre 1802 e 1805, e caindo em 1808. Já os tecidos de algodão e seda não constam nos primeiros anos de análise, prevalecendo 210 de peças de algodão e apenas 80 de seda, ambos com queda em 1808.

Os dados dos gráficos 8 e 9 confirmam o papel de Lisboa como o “vértice estratégico do triângulo Portugal-Brasil-Europa”, conforme frisou Nuno Madureira62. E a característica produção de linho e lã do norte português, escoada pela cidade do Porto.

Na documentação censitária, na mesma página em que encontramos os mapas de importação, ao final estão contabilizados os valores das importações e exportações da vila.

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Curioso notar que um dos itens consiste na “importação dos outros portos do Brasil”, cada ano com seu valor referente, mas não houve descrição ou menção dos produtos oriundos de outras localidades.

Em seu trabalho Estrutura industrial e mercado colonial, onde investigou as relações entre Portugal e Brasil, Jorge Pedreira observou que

Em 1776-1777, os tecidos de algodão remetidos para o Brasil provinham quase todos (mais de 90%) da Ásia e a parte restante vinha de países europeus: a indústria nacional, neste sector, era quase inexistente. Os tecidos de linho – as cambraias, as bretanhas, as holandas, os ruões – procediam da Alemanha (através do porto de Hamburgo), da França e da Holanda. Os lanifícios eram ainda principalmente de origem inglesa e as sedas eram francesas ou italianas. No seu conjunto, os tecidos portugueses formavam menos de um terço das exportações de têxteis e a variedade dos produtos era diminuta. Entre os artigos nacionais, só algumas espécies de sedas, os panos de linho e os chapéus (cuja importação estava proibida) eram exportados em quantidades assinaláveis.63

A proveniência dos tecidos em alguns casos era perceptível pelo nome, como os quatro tipos de linho: a holanda, a holandilha, a bretanha e a bretanha de Hamburgo64. Esses entre outros tecidos foram arrolados no estoque da loja de João Fernandes da Costa, conforme Quadro 14.

Quadro 14 – Tecidos do estoque da loja de João Fernandes da Costa, 1801, Itu

Quantidade Descrição Preço (em réis)

3 côvados Tafetá amarelo mofado $900

2 côvados Tafetá carmezim $800

5 e 1/3 côvados Durante amarelo 1$493

14 côvados Droguete azul meia cor 4$480

8 côvados Baeta azul meia cor 5$120

8 côvados Holanda amarela 2$240

1 côvado Holanda cor de rosa seca $280

1 vara Bretanha $480

8 côvados Ganga azul 2$560

½ côvado Baeta azul $300

3 menos ¾ côvados Droguete alvadio 1$200

7 côvados Chita encarnada 4$480

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PEDREIRA, Jorge Miguel Viana. Estrutura industrial e mercado colonial. Portugal e Brasil (1780-1830). Linda-a-Velha: Difel, 1994. p. 55.

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A Holanda era um “tecido de linho muito fino e fechado ou tapado, que se fabrica na Holanda.” Ainda segundo Manoela Pinto, “havia holandas finas, ordinárias, grossas, frisadas, riscadas, largas e por vezes, produzidas com seda.” Já a holandilha, era “tecido grosso de linho, usado principalmente em entretelas. // Imitação do tecido da Holanda, fabricado na Silésia.” Vide COSTA, Manoela Pinto da. Glossário... p. 149. A Bretanha era a “lençaria de linho fina, que se trazia de Bretanha; a imitação dizem da lençaria desta sorte Bretanhas de França, de Suécia.” Vide SILVA, Antonio Moraes. Diccionario... v. 1. p. 300.

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[-] Baeta azul $150

2 menos ¾ côvados Camelão azul com a vara $330

3 peças Bretanha de Hamburgo $680

1 peça Brim riscado $120

1 e ¾ côvados Holandilha $350

6 côvados Holanda parda 1$680

2 e 1/3 côvados Durante azul $653

5 e ½ côvados Camelão azul $880

1 menos 1/3 côvados Brilhante dourado de lã $213

11 côvados Brilhante de lã de flores 2$640

5 paus Lã escarlate $300

Total 32$329

Fonte: ARQ/MRCI – Inventário de João Fernandes da Costa, folhas 6 verso – 7

Os panos com os maiores preços no estoque de João Fernandes foram a baeta azul e a chita encarnada, a $640 (seiscentos e quarenta réis) o côvado65. Curioso os dois tecidos de algodão e lã serem mais valorizados, pois geralmente os panos de seda como o droguete e o tafetá eram mais valiosos. Os dois tecidos de droguete receberam o preço de $320 (trezentos e vinte réis) o côvado, o tafetá, $400 (quatrocentos réis) o côvado do carmesim, e $300 (trezentos réis) o amarelo que se encontrava mofado. As baetas, bretanhas, holandas, camelão e durante foram avaliados entre $300 (trezentos réis) e $200 (duzentos réis), valores intermediários. Já o tecido de lã escarlate apresentou o menor valor, $160 (cento e sessenta réis).66

Além dos tecidos, o estoque contava com um par de meias de seda cor de pérola, 4$480 (quatro mil, quatrocentos e oitenta réis), 5 pares de meia de sarja preta, 4$[-] (deteriorado), 3 lenços encarnados, 1$200 (mil e duzentos réis), 2 chapéus do Porto, $640 (seiscentos e quarenta réis) e botões de estanho, de casquinha, alguns indicando para casaca, para véstia e ligas de retrós67.

Já em relação aos produtos importados, possuímos informações sobre pares de meias de seda e chapéus.

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O côvado, antiga medida de comprimento, equivale a 66 centímetros. Vide SÁ, Isabel dos Guimarães. Glossário Portas Adentro. Disponível em: <http://www.portasadentro.ics.uminho.pt/c.asp> . Acesso em 04.ago.2014. Já a vara, corresponde a 110 centímetros.

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A lã escarlate e o brim apresentaram valores baixos, mas como estão com as medidas de peça e de pau, não foi possível dimensionar os tecidos e avaliar seu preço.

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Gráfico 10 – Relação das meias de seda importadas por Itu provenientes de Lisboa

Fonte: AESP - Maços de população, Vila de Itu

A importação de meias de seda no geral segue o padrão observado para as peças de tecidos de Lisboa e do Porto, com a queda das importações entre o final do século XVIII até 1802, apresentou certa estabilidade nos dois anos seguintes, um aumento no quinto ano e sem informações dos anos 1806 e 1807, até o declínio no ano de 1808, final de nosso recorte temporal. Os dados do gráfico referem-se às meias provenientes do porto lisboeta. Da cidade do Porto, apenas dois pares do ano de 1805 foram registrados.

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Gráfico 11 – Número de chapéus importados por ano e o porto de origem

Fonte: AESP - Maços de população, Vila de Itu

O número de chapéus provenientes da cidade do Porto é significativo, tendo alcançado mais de mil chapéus em quatro anos, enquanto Lisboa exportou um número bem inferior, nos dois únicos anos que aparece. Nesses dados não existem informações sobre os tecidos e materiais que compunham os chapéus.

Na amostra de inventários orfanológicos que consultamos em Lisboa, um destes, do ano de 1808, relaciona os produtos de uma loja de chapéus, pertencente à Ana Maria da Conceição e Domingos José de Pinho. Na loja, havia chapéus designados grossos e finos. O preço dos grossos variava de $340 (trezentos e quarenta réis) a 1$400 (mil e quatrocentos réis), enquanto os finos, em média, custavam 3$000 (três mil réis)68. Além dos artigos prontos, havia na loja peças de tecido, copas, arcos para chapéus, escovas, papel, botões e presilhas.69

Os Mapas de importação nos permitem observar a procedência e a quantidade de mercadorias importadas pela localidade, através dos dados oficiais. Os dados confirmam a

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ANTT - Inventário de Ana Maria da Conceição, 1808, folhas 20v – 30v 69 ANTT - Inventário de Ana Maria da Conceição, 1808, folhas 27v – 29v.

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importância de Lisboa como entreposto comercial, e dos produtos produzidos pela região norte de Portugal, confirmando a tradição na produção do linho e dos chapéus.