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Capítulo 2 O vestuário da vila de Itu despido em detalhes

2.3 Uso público e doméstico dos trajes

Os homens que compunham os cargos de comando nos corpos de ordenanças eram escolhidos entre os principais da terra que, por sua vez, recrutavam as tropas a partir de sua clientela, fortalecendo ainda mais a camada dos grandes proprietários70. A farda, juntamente com as insígnias, paramentava o indivíduo possuidor do título e indicava o seu pertencimento a um grupo seleto que o vinculava ao poder régio. Subordinados às determinações da Coroa, a este grupo “cabia a reprodução e perpetuação da ordem social e econômica”71

.

O tenente José Manoel Caldeira Machado era natural da região das Minas Gerais, foi casado com Dona Maria da Assumpção Camargo, descendente de um importante ramo da família Camargo da vila de Sorocaba, era uma das poucas mulheres dentre as pesquisadas que sabia assinar seu nome72. Proprietário de um engenho de açúcar no bairro Atuaú e de terras em Capivary (localidade próxima à vila de Itu), José Manoel pertenceu à Cavalaria de Coritiba, como aponta sua “farda de pano azul fino agaloada de uniforme da Cavalaria de Coritiba, em bom uso, com calção e colete de fustão branco, avaliada em 12$000 (doze mil réis)”73

. O valor atribuído à farda é tão significativo, que equivale ao dobro de um traje completo composto de casaca do mesmo pano azul e de colete e calção de cetim, e também à metade do valor de uma arma de fogo, pertencentes ao espólio de José Manoel74.

70

FERLINI, Vera Lúcia Amaral. Açúcar e colonização... p. 22. 71

FERLINI, Vera Lúcia Amaral. Açúcar e colonização... p. 23. 72

ARQ/MRCI – Inventário de José Manoel Caldeira Machado, 1808, caixa 17B, folha 1. 73

ARQ/MRCI – Inventário de José Manoel Caldeira Machado, 1808, caixa 17B, folha 7 verso 74

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Caldeira Machado possuía o único ponche (ou poncho) da documentação consultada da vila de Itu, confeccionado de pano azul, o mesmo tecido da farda, descrito como muito usado e avaliado em 2$000 (dois mil réis)75. Segundo Paulo César Garcez Marins,

peça hoje associada exclusivamente aos gaúchos, o poncho era, na primeira metade do século XIX, sinal característico também dos paulistas. Muito mais longos que os usados atualmente, os ponchos cobriam quase todo o corpo, aproximando-se de uma capa. Quando não havia necessidade de proteção contra a chuva e o frio, tinham suas laterais dobradas sobre os ombros, o que tornava imponente o porte do tropeiro.76

Como o tenente possuía uma farda da Cavalaria de Coritiba, a posse do poncho não causa estranheza, uma vez que a região de Itu e Sorocaba mantinha intenso contato com a região sul através das tropas77.

Assim como José Manoel, José Fiusa possuía o título de tenente, e sua esposa, Dona Francisca Xavier da Fonseca também sabia assinar seu nome. Seu inventário está incompleto, mas indica possuir mais de um imóvel, pois próximo da lacuna o escrivão indicou os bens, que estavam em um sítio78. Fiusa possuía duas fardas, uma comprida de pano azul forrada de amarelo, em 32$000 (trinta e dois mil réis) e outra farda curta do mesmo tecido, avaliada em 3$000 (três mil réis)79. A presença de duas fardas diferentes talvez correspondesse a uma diferenciação para ocasiões, a mais simples, para uso cotidiano e a mais refinada para ocasiões solenes, tal como indicou Camila Silva para os uniformes utilizados na corte joanina nas primeiras décadas do século XIX80.

75

ARQ/MRCI - Inventário de José Manoel Caldeira Machado, 1808, caixa 17B, folha 6 verso. 76

MARINS, Paulo César Garcez. Modos de vida dos paulistas: identidades, famílias e espaços domésticos. Disponível em:

<http://www.terrapaulista.org.br/costumes/vestuario/saibamais.asp#link3> . Acesso em 18.jul.2014. 77

BACELLAR, Carlos de Almeida Prado. Viver e sobreviver em uma vila colonial. Sorocaba, séculos XVIII e XIX. São Paulo: Annablume/Fapesp, 2001. p. 21-41.

78

Nos inventários post-mortem em que o inventariado possuía mais de um imóvel, a avaliação respeitava a distribuição dos bens por imóvel, indicando o local, como Bens no sítio, Bens na vila antes de arrolar os objetos. No inventário de Fiusa, primeiro estão arrolados os bens localizados na vila, porém quando inicia o rol do sítio o inventário termina.

79

ARQ/MRCI – Inventário de José Fiusa, 1804, caixa 16B, folhas 9 – 9 verso. 80

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Analisando o valor monetário que as fardas representavam dentre todas as roupas que ambos possuíam, compunham os significativos valores de 34% do valor (35$000 de 102$760) para Fiusa, e para Machado, 41% (12$000 de 29$000).

O ferreiro Vicente Gonçalves Braga era também soldado de sertanejas, morador na rua de Santa Rita, possuía uma farda de uniforme, no valor de 1$600 (mil e seiscentos réis) e um capacete que foi arrematado em 2$300 (dois mil e trezentos réis)81. Em relação ao valor total das roupas, de 5$280 (cinco mil, duzentos e oitenta réis) a farda equivale a 30% do valor, percentual semelhante ao de Fiusa, o que aponta para uma representação significativa da farda dentro do espólio têxtil do indivíduo, mesmo em padrões diferentes.

Para a vila de Itu, não encontramos nenhuma menção de farda à venda nos estoques de lojas. Neste caso, poderiam ser confeccionadas sob encomenda ou mesmo compradas em São Paulo. Na primeira metade do século XVIII para a comarca de Rio das Velhas, Drumond encontrou registros de que “os uniformes eram confeccionados em Portugal e repassados ao soldado periodicamente, que tinha de arcar com o seu custo, uma vez que o valor era descontado do soldo”82

. A farda de Vicente tinha um custo correspondente ao seu cargo de soldado, enquanto as de tenente de Fiusa e de Machado deveriam ser mais refinadas, ainda mais deste último, por pertencer à cavalaria, posto que demandava a posse de um animal.

O tecido mais comumente empregado para as fardas de nossa amostra foi o designado pano azul. Dois tenentes e outros dois inventariados que não indicaram seu cargo possuíam farda deste tecido. Drumond encontrou uma farda de pano azul em Minas Gerais, e na relação de uma loja também havia fardas de pano denominado apenas entre-fino e saragoça83. A farda do alferes Luciano Francisco Pacheco era branca. A do soldado de sertanejas não foi descrita com o tecido ou a cor. José Fiusa possuía uma farda curta e outra

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ARQ/MRCI – Inventário de Vicente Gonçalves Braga, 1818, caixa 17B, folhas 15, 17. 82

DRUMOND, Marco Aurélio. Indumentária e Cultura Material: Produção, comércio e usos na Comarca do Rio das Velhas (1711-1750). 2008. 217f. Dissertação (Mestrado em História). Faculdade de Filosofia e Ciências humanas da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte. 2008. p. 158.

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comprida, diferença que não foi possível observar em outros trabalhos do período. Em relação aos valores estabelecidos para estes uniformes, podemos observar uma gama grande de preços, que variavam de acordo com o estado de conservação, tecidos e demais ornamentos, como as dragonas e galões, como descrito nas fardas de José Manoel da Fonseca Leite e José Manoel Caldeira Machado.

As fardas eram incumbência dos próprios indivíduos, pois não lhes eram fornecidas pelo Estado. No caso de membros de baixa patente como Vicente Gonçalves Braga que apresentou um espólio humilde, providenciar e manter uma farda e demais acessórios poderia constituir em tarefa custosa e um grande encargo, onerando o soldado. Nestes casos, o pertencimento a uma organização militar talvez representasse mais um fardo do que um privilégio.

No Museu Nacional dos Coches em Lisboa, estão expostos alguns exemplos de librés – uniformes utilizados por criados em casas de nobres, datadas do século XIX.

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Figura 6 - Uniforme de Gala, século XIX

Fonte: acervo da autora/Museu Nacional dos Coches, Lisboa.

Este uniforme de gala à inglesa era de Cocheiro mor da Casa Real, composto de casaco, calção de lã vermelha, colete azul agaloado, chapéu tricórnio com pluma e sapato de polimento com fivela. A cor vermelha predominante no uniforme está relacionada à Casa Real portuguesa. No capítulo X da Lei Pragmática de 1749, está a menção à cor: “Hei por bem reservar a cor encarnada para as casacas, capotes, e reguingotes das librés da Casa Real; e nenhum particular poderá mais usá-la nas librés dos seus criados, exceto em

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canhões, forros, meias, e vestias”84. A legislação abrangia todos os territórios de domínio português, entretanto Silvia Lara apontou diferentes registros de autoridades relatando a desobediência nos trajes em terras brasileiras85.

Considerando a importância da participação dos moradores nas solenidades e celebrações religiosas, analisamos a indumentária religiosa arrolada no inventário do padre Antônio Francisco da Luz, e os hábitos de ordens terceiras que os ituanos leigos dispunham.

Morador da vila de Itu, o padre Antônio no momento de sua morte, possuía vestes religiosas, como sobrepeliz e casula. A primeira consistia em uma veste branca, utilizada sobre as roupas. Antônio possuía quatro peças, uma com o colarinho bordado, outra com detalhes em rendas, avaliadas em 1$200 (mil e duzentos réis) a mais simples e usada, e em 4$800 (quatro mil e oitocentos réis) a mais adornada e nova. O sacerdote possuía também um vestido comprido de gala com cabeção e barrete, avaliado em 8$640 (oito mil, seiscentos e quarenta réis) e uma casula de damasco branco e encarnado, no valor de 6$400 (seis mil e quatrocentos réis). Do período, existem remanescentes de casulas como o exemplar de fio de ouro e seda pertencente ao Museu de Évora, Portugal:

84

Appendix to "Ordenacoẽs e leys do reyno de Portugal, confirmadas, e estabelecidas pelo senhor rey D. Joao IV. Novamente impressas, e accrescentadas com tres colleccoẽs: a primeira, de leys extravagantes; a segunda, de decretos, e cartas; e a terceira, de assentos da Casa da Supplicacao e Relacao do Porto." Lisboa: No Mosteiro de S. Vicente de Fora, Camara Real de Sua Magestade, 1747. Capítulo X. Disponível em: <http://archive.org/stream/appendixdasleyse00port#page/n38/mode/1up> . Acesso em 03.ago.2014. 85 LARA, Sílvia Hunold. Fragmentos setecentistas... p. 91-113.

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Figura 7 – Casula do século XVIII

Fonte: <http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=13613> . Acesso em: 10.set.2014

Confeccionada em seda vermelha, possui bordado em fios de ouro e aplicação de galão dourado. Já a casula do padre Antônio era branca e encarnada. Teresa Pacheco Pereira referindo-se ao simbolismo das cores ressaltou que “o branco e vermelho aparecem muitas vezes associados e denotam a dupla missão espiritual e temporal”86

. O vermelho, de acordo com a autora,

é universalmente considerado como símbolo de vida, cor do fogo e do sangue. Fabricado a partir de corantes sempre muito dispendiosos, foi, talvez como reminiscência da púrpura romana, a cor dos trajes de festa, dos mantos reais. Tornar-se-á a cor das vestes dos cardeais e permanecerá como símbolo da majestade e glória.87

John Gage assinalou que “quase sempre, foi apenas no contexto das cerimônias públicas que a cor alcançou a população como um todo: a hierarquia das cores como um sistema de valores, no qual o vermelho é o topo.”88 O emprego de tecidos luxuosos, mais

86

PEREIRA, Teresa Pacheco. Sobre o trilho da cor. Para uma rota dos pigmentos. Lisboa: Ministério da Cultura/Instituto dos Museus e da Conservação, 2010. p. 15.

87

PEREIRA, Teresa Pacheco. Sobre o trilho da cor... p. 15 88

THE SIGNIFICANCE OF RED. In: GAGE, John. Colour as meaning: art, science and symbolism. London: Thames&Hudson, 2001 Apud PAULA, Teresa Cristina Toledo de. Reflexões sobre a cor na conservação/restauração. Anais do Museu Paulista, São Paulo, v. 6/7, p. 149-159 (1998-1999). Editado em 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/anaismp/v6-7n1/07.pdf>. Acesso em: 22 ago. 2014.

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nobres nos paramentos litúrgicos não são empregados ao acaso, pois como Soraya Coppola frisou,

no universo religioso, os tecidos formam o principal meio através do qual se apresenta o Teatrum Sacrum, onde se materializa a devoção e o culto, fruto da identificação cultural, religiosa e social da coletividade. É preciso que os gestos e palavras adquiram um sentido cerimonial, formando códigos precisos que fazem parte de um ritual, resultando na celebração do rito religioso.89

Somados os valores dos trajes religiosos do padre Antônio, a quantia de 28$240 (vinte e oito mil, duzentos e quarenta réis), era mais que o dobro que possuía em joias, 12$000 (doze mil réis), mas mesmo sendo alto, este valor correspondia à apenas 0,32% do total de bens, que se encontrava na faixa de oito contos de réis, devido aos altos valores dos bens de raiz e escravos90.

Em celebrações religiosas os leigos membros de irmandades ou ordens terceiras também aparentavam o pertencimento ao grupo através dos hábitos. Dos sete hábitos arrolados nos inventários pesquisados em nossa amostra, cinco eram da Ordem Terceira do Carmo. Nardy Filho observou que a ordem carmelita era composta por membros das famílias tradicionais ituanas91. Ao observar as avaliações dos hábitos, os valores apontam para a distinção, pois um hábito com túnica e escapulário novo valia 8$000 (oito mil réis), o dobro do valor de um capote de baetão usado, 4$000 (quatro mil réis) e representava 32,2% de suas roupas.92 Eram poucas as pessoas que poderiam dispor de uma quantia próxima a dez contos de réis para um hábito, quanto mais para adentrar no seleto círculo de uma ordem com essa característica elitista.

89

COPPOLA, Soraya Aparecida Álvares. Costurando a Memória: o acervo têxtil do Museu Arquidiocesano de Arte Sacra de Mariana. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais). 2006. Escola de Belas Artes.

Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2006. p. 9. 90

ARQ/MRCI – Inventário de Antonio Francisco da Luz, 1805, caixa 16A. 91

NARDY FILHO, Francisco. A Cidade de Itu... (vol.1) p. 118-119 92

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Um hábito do Carmo muito usado valia 6$000 (seis mil réis), como nos bens de Inácio Leite da Silveira e um velho chegava ao preço de 3$200 (três mil e duzentos réis), como o que pertenceu a Inácio Pacheco da Costa93.

No rol dos bens do capitão José Manoel da Fonseca Leite, existiam dois hábitos, um de terceiro do Carmo no valor de 12$000 (doze mil réis) e um da Ordem de São Francisco, avaliado em 2$560 (dois mil, quinhentos e sessenta réis). Este foi o único hábito franciscano arrolado em inventários, pois em quatro testamentos os testadores declararam pertencer à ordem franciscana, mas em seus bens não havia menção da posse de tal artefato94.

Além dos hábitos, outra peça de vestuário empregada por confrarias religiosas eram as opas, vestes sem mangas usadas sob o traje civil95. Em nosso universo, encontramos quatro opas, todas da cor carmesim e sem menção à ordem ou irmandade a qual pertenciam96.

Do universo feminino, os mantos e mantilhas foram registrados por viajantes que visitaram Portugal no final do século XVIII, como o autor da Figura 8, James Murphy.

93

ARQ/MRCI – Inventário de Inácio Leite da Silveira, 1806, caixa 17A, folha 11 verso; inventário de Inácio Pacheco da Costa, 1806, caixa 16A, folha 8.

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Neste capítulo abordamos os valores monetários e a questão utilitária dos hábitos de ordens terceiras. No terceiro capítulo analisamos de forma mais aprofundada a questão simbólica dos hábitos.

95

Vocábulo Opa. Vide SÁ, Isabel dos Guimarães. Glossário Portas Adentro, disponível em: <http://www.portasadentro.ics.uminho.pt/o.asp> . Acesso em 03.set.2014.

96

ARQ/MRCI - Inventários de João Leite Penteado, Mariana Leite Pacheco, Antonio Antunes Pereira e José Manoel Caldeira Machado. Caixas 5, 10, 16, 17B.

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Figura 8 – Exemplo de manto e mantilha, final do século XVIII, Portugal.

Fonte: “A Portuguese Merchant with his wife and maid servant”. MURPHY, James. Travels in

Portugal. Londres, A. Strahan, T. Cadell Jr e W. Davis, 1795, p. 204. Retirado de:

<http://myneighborwellington.blogspot.com.br/2013/09/portuguese-costume-and-society-in.html> . Acesso em 01.dez.2014.

Como apontou Sílvia Lara, a esposa do mercador distingue-se da sua criada por vestir uma mantilha, véu fino cobrindo o rosto, enquanto a criada trajava-se com o manto, com a cabeça descoberta97. O hábito de trajar um longo manto inclusive cobrindo a cabeça é uma tradição herdada do cerimonial aristocrático português, como frisou Paulo César Garcez Marins98.

Na vila de Itu todos os mantos eram de seda, ao passo que em Lisboa, eram de seda, de nobreza, de cetim e algumas vezes levavam rendas. Já em Lisboa as mantilhas podiam

97

LARA, Sílvia Hunold. Fragmentos setecentistas... p. s/n, fólio colorido. 98

MARINS, Paulo César Garcez. “Modos de vida dos paulistas: identidades, famílias e espaços domésticos”. In: SETUBAL, Maria Alice (coord.). Modos de vida dos paulistas: identidades, famílias e espaços

domésticos. Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura Ação Comunitária, São Paulo: CENPEC, Imprensa Oficial do estado de São Paulo, 2004. v. 2. p. 125

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ser de veludo, lemiste, cetim e tafetá. Em Itu havia uma manteleta, “espécie de lenço grande, com que as mulheres de Castro Laboreiro cobrem a cabeça”99

Os mantos são peças importantes do vestuário feminino para uso público, além de indicarem distinção, pois nos exemplos observados são confeccionados com tecidos nobres, estão relacionados à tradição, ao hábito de se cobrir a cabeça e grande parte do corpo quando circulavam em espaços públicos100.

Richard Sennett apontou para uma mudança importante em relação ao vestuário entre o final do século XVII e meados do século XVIII na Europa, quando passa a vigorar uma diferença entre a roupa a ser vestida na rua e a do espaço doméstico. Segundo o autor, no ambiente doméstico do século XVIII “roupas folgadas e simples ganhavam a preferência de todas as classes”101

.

O timão foi relacionado ao uso feminino por Márcia Pinna Raspanti: “para ficar em casa e até receber as visitas, as mulheres adotavam um traje bem simples e bem mais liberal: um tipo de camisolão ou camisa de mangas curtas, de tecido leve e transparente, decotado. Eram chamados de „timão‟ ou „lavapeixe‟”102. Já Marco Aurélio Drumond localizou esta peça para ambos os sexos103. Cláudia Mol identificou 14 peças de timão dentre as vestimentas das mulheres forras104. De acordo com Mary Del Priory, o timão era “espécie de confortável camisolão branco em tecido leve, ocupavam-se nas atividades domésticas”105.

99

Verbete manteleta, Vide Dicionário Aulete. Disponível em:

<http://www.aulete.com.br/manteleta#ixzz3LvQboJLT> . Acesso em 04.dez.2014. 100

No terceiro capítulo abordaremos de forma mais aprofundada a questão simbólica que envolve a utilização dos mantos.

101

SENNETT, Richard. O declínio do homem público... p. 91 102

RASPANTI, Márcia Pinna. O Brasil sob a perspectiva da Moda. Disponível em: <http://historiahoje.com/?p=1891> . Acesso em 28.jul.2014.

103

DRUMOND, Marco Aurélio. Indumentária e Cultura Material ...p. 112, 124. 104

MÓL, Cláudia Cristina. Mulheres forras...p. 165. 105

DEL PRIORY, Mary. “Mulheres de açúcar: Vida cotidiana de senhoras de engenho e trabalhadoras da cana no Rio de Janeiro, entre a Colônia e o Império.” In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico

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Em nossas fontes, encontramos quatro timões: dois pertencentes ao padre Antonio Francisco da Luz, um no inventário de Inácio Leite da Silveira e um no espólio de José Gonçalves de Barros. Apesar de relacionado apenas ao uso feminino por Márcia Raspanti e Mary Del Priory, pelos registros na documentação ituana, nos parece que era uma vestimenta para ambos os sexos.

O timão de baeta era cor-de-rosa, estava em bom uso e foi avaliado em 3$200 (três mil e duzentos réis), de José Gonçalves de Barros. O que consta no inventário de Inácio Leite da Silveira era de pano azul, avaliado também em 3$200 (três mil e duzentos réis). Nos bens do padre Antonio Francisco da Luz, está arrolado um timão comprido de baetão pintado e um timão de chita106. Outras peças de uso doméstico encontradas foram o chambre e o penteador.

Francisco Paes de Siqueira possuía um chambre de pano riscado de fora, avaliado em 1$000 (mil réis).107 O penteador consistia em uma peça “que se põe ao redor do pescoço, e com que se cobrem os ombros, por não sujar o vestido com cabelos, ou carepa quando alguém se penteia.”108

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ARQ/MRCI - Inventário de Antonio Francisco da Luz, 1805, caixa 16A . folha 2. 107

ARQ/MRCI – Inventário de Francisco Paes de Siqueira, 1799, caixa 9, folha 4 verso 108

Carepa, segundo o mesmo dicionário, é uma caspa miúda. Vide BLUTEAU, Raphael. Vocabulario... v. 6, p. 402. Disponível em: <http://www.brasiliana.usp.br/pt-br/dicionario/1/penteador>. Acesso em: 2 ago. 2014.

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Figura 9 – Penteador, século XIX

Fonte: Acervo da autora, Museu Nacional do Traje/Lisboa

O penteador da Figura 9 pertence ao acervo do Museu Nacional do Traje de Lisboa, é datado do final do século XIX, de tafetá de linho e algodão branco com entremeios de renda de bilros. Na amostra de Lisboa havia 15 penteadores, de algodão, bretanha, cavalim, linho. Em Itu, apenas dois sem informação de seu tecido.