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O bens têxteis: materialidade e valor monetário

Capítulo 2 O vestuário da vila de Itu despido em detalhes

2.1 O bens têxteis: materialidade e valor monetário

Os homens da vila de Itu trajavam-se dentro do padrão europeu, com o traje composto por calções, véstia, colete e casaca, conjunto denominado vestido11. Na tabela 5 é possível observar a relação das peças de roupas.

Tabela 5 – Informações sobre as peças de roupas masculinas, vila de Itu, 1765- 1808

Peça Quantidade Média

valor unitário Valor total

Calção 9 1$048 9$440 Calção e colete 4 2$850 11$400 Camisa 15 1$333 17$340 Capa 1 1$920 1$920 Capote 7 5$114 35$800 Casaca 1 1$280 1$280 Casacão 4 5$500 22$000 Ceroula 6 $800 1$600 Chambre 1 1$000 1$000 Colete 12 $736 8$840 Farda 9 10$208 91$880 Fraque 2 1$120 2$240 Gabinardo 1 4$000 4$000 9

FERLINI, Vera Lucia Amaral. “Uma capitania dos novos tempos: economia, sociedade e política na São Paulo restaurada (1765-1822).” In: Anais do museu paulista. v.17, n.2, p. 237-250, 2009. p. 242.

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Russelwood apresentou uma relação detalhada dos produtos com origem e destino. In: RUSSELWOOD, A. J. R. Um Mundo em Movimento, 2006, p. 430. Apud PEREIRA, Ana Luiza Castro. “Uma saia de seda, um cordão de ouro e um sinete de marfim”: apontamentos sobre a circulação de pessoas e objetos no Mundo Atlântico Português. XXVIII Encontro da APHES. 2008. p. 4.

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Durante o século XVIII, o termo vestido era sinônimo de roupa, traje masculino. Quando se referia a vestidos femininos, geralmente eram registrados como vestido de mulher, roupa de mulher.

88 Hábito 9 6$084 54$760 Jaleco 1 $800 $800 Manto 2 3$200 3$200 Meia 6 $693 4$160 Opa 5 2$080 10$400 Ponche 1 2$000 2$000 Rodaque 4 1$390 5$560 Timão 4 3$600 14$400 Véstia 8 1$415 11$320 Véstia e Calção 2 1$560 3$120 Vestido 5 7$564 37$820 Total 118 444$160

Fonte: AESP, ARQ/MRCI – Contas de testamento e inventários póstumos

A fim de não perder o sentido do conjunto, optamos por não desmembrar as peças de roupas, mesmo que com tecidos diversos, para a análise dos trajes. Talvez essas vestimentas fossem utilizadas separadas ou combinadas com outras, mas consideramos que para o avaliador inventariá-las juntas poderia ter um sentido de unidade no traje.

De forma geral, os itens masculinos mais comuns nos arrolamentos foram as camisas e os coletes, seguidos dos calções e véstias. Já os maiores valores alcançados nas avaliações foram para os conjuntos, como as fardas, os vestidos, e para peças de roupas como os hábitos, os capotes e os casacões.

Os casacões utilizados para proteção contra chuva também poderiam ser denominados sobrecasaca, pois eram maiores e de tecido mais pesado, utilizados sobre a casaca que, por sua vez, era utilizada por cima da véstia12.

O quadro 3 apresenta as cores e os tecidos empregados para cada peça de roupa do universo masculino.

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Casaca era uma “vestidura que hoje se traz por cima da veste; com botões nas mangas, portinholas, etc.”, e casacão: “casaca grande, que se veste sobre a casaca, por causa de evitar a chuva, etc.” Vide SILVA, Antonio Moraes. Diccionario da língua portuguesa. Lisboa: Typographia Lacerdina, 1813. Vol. 2, p. 392. Já em Bluteau, casaca recebeu a definição: “vestidura com mangas e abas grandes”, e casacão, uma “vestidura com mangas, mais larga que casaca.” Vide BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico. Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712 -1728. 8 v. vol. 2, p. 175.

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Quadro 3 – Relação de cores e tecidos por peças de roupas masculinas, Itu

Peça Cores Tecidos

Calção Preto, amarelo, não informa

Berbete, bretanha, casemira, cetim, droguete, fustão, ganga, pano azul, rapão, riscado, veludo

Calção e colete n.i., escarlate Droguete, ganga

Camisa n.i. Bretanha, linho, riscado

Capa n.i. Camelão

Capote Azul, n.i. Baetão, pano azul

Casaca Azul Cetim, pano azul entrefino

Casacão Azul, n.i. Baeta, pano azul, pano azul entrefino

Ceroula n.i. Linho

Chambre n.i. Riscado

Colete Azul, encarnado, pintadinho, pardo, roxo, verde

Bretanha, camelão, cetim, chita, droguete, fustão, ganga, linho, pano azul entrefino, riscado

Farda Azul, branca, n.i. Cetim, fustão, pano azul, pano azul fino

Fraque Azul, n.i. Pano azul, n.i.

Gabinardo n.i. Lemiste

Hábito Parda Camelão, durante

Jaleco n.i. Fustão

Manto n.i. Casemira, seda

Meia Pérola, branca, n.i. Algodão, fustão, seda

Opa Carmesim, n.i. Cambraia, tafetá

Ponche Azul Pano azul

Rodaque Listra, n.i. Ganga, pano azul

Timão Cor de rosa, pintado, n.i., azul

Baeta, baetão, chita, pano azul

Véstia Branca, azul, roxa, n.i. Cetim, chita, ganga, pano azul entrefino, veludo

Véstia e calção n.i. n.i.

Vestido Preta, escarlate, azul e branca, azul, azul e preta

Belbutina, chita, lemiste, pano azul, pano azul entrefino, seda, veludo

Fonte: AESP, ARQ/MRCI – Autos de Contas de Testamento, Inventários póstumos

Analisando a amostra masculina, o tecido com maior ocorrência dentre todas as peças foi o pano azul, seguido pelo cetim e pano azul entrefino13. Já as peças que apresentaram a maior variedade de tecidos foram os coletes e os calções.

As roupas utilizadas por cima das demais, para proteção contra o frio, a chuva, como as capas e os capotes eram confeccionadas com tecidos resistentes, como o camelão e o baetão, enquanto que as peças de uso próximo à pele, como os coletes, as véstias eram comuns de cetim, chita e ganga.

13

Entrefino designa um pano nem grosso, nem fino, intermediário. Vide COSTA, Manoela Pinto da. Glossário de termos têxteis e afins. Revista da Faculdade de Letras. Ciências e Técnicas do Património. Porto, I Série, vol. III. p. 137-161, 2004. p. 139.

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As roupas usadas em contato direto com a pele eram de bretanha, linho e pano riscado para as camisas, e apenas uma de linho foi identificada para ceroula14. A inexistência de peças de algodão de uso íntimo nessa amostra nos suscita algumas hipóteses e dúvidas. Havia mais peças, porém pelo baixo valor não entraram na avaliação? Os inventariados ituanos seguiram a tendência portuguesa do século XVIII em utilizar majoritariamente peças de pano de linho? Pois o emprego sistemático do algodão em substituição ao linho iniciou-se no final do século XVIII e se estabeleceu definitivamente no século XIX. Nuno Madureira apontou uma recomendação feita em 1784, onde as vantagens do pano de algodão seriam que este “ensopa o suor sem esfriar o corpo”, menos se suja e é melhor de lavar15. Mesmo sem a ocorrência de teares, de produção caseira nos domicílios inventariados, o pano de algodão de qualidade inferior poderia ser adquirido e com ele confeccionado as vestimentas dos cativos.

Inácio Leite da Fonseca era senhor de engenho, faleceu no ano de 1806. Entre diversos bens, destacamos três categorias, de acordo com o Quadro 4:

Quadro 4 – Vestuário e joias pertencentes a Inácio Leite da Silveira, 1806, Itu

Categoria de bem Descrição Avaliação (em réis) Valor percentual no espólio dos inventariados

Roupas Hábito de terceiro do carmo com todos seus pertences, lenço, par de meia de algodão, camisas de bretanha, casacão, fraque, timão e capote de pano azul, par

de meia de fustão, calção de duraque

24$400 1,0

Objetos de uso pessoal relacionados à

aparência

Chapéu de sol, espora de prata, fivelas de calção de prata, fivelas de sapato de

prata, botas de veado

24$160 1,0

Joias Par de brincos e anéis 8$960 0,4

Total 57$520 2,4

Fonte: ARQ/MRCI – Inventário de Inácio Leite da Fonseca

14

Para os tecidos denominados pano azul e pano riscado não foi possível identificar suas matérias-primas. Supomos que o pano azul pudesse ser de algodão.

15

MADUREIRA, Nuno Luís Monteiro. Inventários: aspectos do consumo e da vida material em Lisboa nos finais do Antigo Regime. 1989. Dissertação (Mestrado) em Economia e Sociologia Históricas. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 1989, p. 93.

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Inácio possuía além do hábito carmelita, dois dos seis pares de meia da amostra, camisas de bretanha e um calção de duraque. De pano azul, um casacão, um capote e um timão. O fraque de pano azul usado, avaliado em 1$280 (mil duzentos e oitenta réis) não foi o único encontrado, pois em data anterior (1798), constou um fraque usado no rol de bens de Felisberto Ferraz Leite, no valor de $960 (novecentos e sessenta réis).16 Esta roupa aponta que a influência inglesa se fez sentir também nas peças, além dos tecidos.17

Inácio dispunha também de um chapéu de sol, esporas e fivelas de prata para calção e sapatos. O par de botas já usado, de veado, no preço de $960 (novecentos e sessenta réis), juntamente com o par de botas já usados, avaliadas em 1$000 (mil réis) de Francisco Paes de Siqueira, formam os dois únicos pares de calçados masculinos da amostra18.

Os poucos sapatos registrados nos inventários ituanos contrastam com as 41 ocorrências de fivelas de sapatos e 29 de esporas. Se existem fivelas de sapatos, podemos supor que se não existiam pares de sapatos no momento do inventário, mas em algum momento havia. Outras possibilidades eram a doação ainda em vida, depois da morte, ou mesmo a divisão entre familiares próximos antes da confecção do inventário e partilha.

Marco Aurélio Drumond localizou, na comarca de Rio das Velhas, pares de sapatos em 24 de 160 inventários, perfazendo um total de 15%. De 24 inventariados, 16 tinham monte mor (soma total dos bens) acima de 1:900$000 (um conto e novecentos mil réis)19.

Cláudia Mól observou sobre o sapato que

em terras coloniais, tornou-se restrito a um pequeno número de “gentes de qualidade”, só aparecendo em maiores quantidades no fim do século XVIII. Sérgio Buarque identificou, nas zonas rurais, o hábito de só se calçar os sapatos para entrar nas Vilas. Talvez pela sua importância, o sapato tenha-se tornado,

16

ARQ/MRCI – Inventário de Antônio Francisco da Luz, Inventário de Felisberto Feraz Leite. 17

“Vestir à inglesa, sobretudo para os homens, passa a ser o toque e o paradigma dos europeus. Usado ainda sobre um calção, surge, criado por Lord Brummel, o célebre ´frac´ preto que se mantém até hoje, com algumas variantes de pormenor.” GAMA, Luís Filipe Marques da. , TEIXEIRA, Madalena Braz. (org.) Traje

palaciano: Século XVIII – Império. Mafra: Câmara Municipal, 1986. p. 9 18

ARQ/MRCI – Inventário de Francisco Paes de Siqueira, 1799, caixa 9, folha 5 verso. 19

DRUMOND, Marco Aurélio. Indumentária e Cultura Material: Produção, comércio e usos na Comarca do Rio das Velhas (1711-1750). 2008. 217f. Dissertação (Mestrado) em História. Faculdade de Filosofia e Ciências humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008, p. 114.

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para o forro, símbolo de sua liberdade, uma vez que a alforria dava, ao negro, um direito negado quando escravo: o de andar de pés calçados.20

Os calçados são, indiscutivelmente, elementos simbólicos importantes durante os séculos XVIII e XIX, como já mencionado, mas também eram artefatos de grande utilidade que conferiam proteção. Dessa forma, ao considerar os valores obtidos pelas avaliações das botas e o valor total dos bens de Inácio, 2:228$070 (dois contos, duzentos e vinte e oito mil e setenta réis) e o de Francisco, 416$670 (quatrocentos e dezesseis mil, seiscentos e setenta réis), os calçados, ou pelo menos as botas não eram itens inacessíveis neste período, visto que Francisco tinha um espólio bem mais humilde que Inácio, mas ambos tinham um par de botas, no mesmo estado e com preços muito semelhantes.

Para melhor compreender o padrão dos bens de Inácio, arrolamos no Quadro 5 os objetos de outro senhor de engenho, o padre Antonio Francisco da Luz, cujo total de bens era de 8:614$430 (oito contos, seiscentos e quatorze mil, quatrocentos e trinta réis).

Quadro 5 – Vestuário e joias pertencentes a Antônio Francisco da Luz, 1805, Itu Categoria de bem Descrição Avaliação (em réis) Valor percentual no espólio dos inventariados

Roupas Camisas de bretanha, colete e roupa de cetim pintadinho, colete e timão de chita, camisa, ceroula e colete de linho, gabinardo de lemiste, rodaque e calção de ganga, vestido curto, véstia e calção de veludo, timão comprido e capote de baetão, vestido, rodaque, casacão e capote de pano azul, vestido de belbutina, colete roxo de camelão, calção de rapão

72$280 0,8

Objetos de uso pessoal relacionados à

aparência

Bastão de prata, bengala de cana da índia com ponteira de prata, chapéu de rua coberto de tafetá verde, espora, fivela de calção, fivela de sapato, relógio de algibeira, óculos de armação de molas de prata

32$830 0,3

Joias Dois pares de brinco de prata 12$000 0,1

Total 117$110 1,2

Fonte: ARQ/MRCI – Inventário de Antônio Francisco da Luz, 1805, folhas 5 verso – 20 verso

20

MÓL, Cláudia Cristina. Mulheres forras: cotidiano e cultura material em Vila Rica-1750-1800. 2002. Dissertação (Mestrado) em História Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2002, p. 116.

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Em relação a Inácio, Antônio tinha maior diversidade de peças e em quantidade, sem contabilizar aqui a indumentária religiosa. Em comum, camisas de bretanha, timão, capote. A principal diferença entre as duas relações de roupas, é a presença de três vestidos no espólio do padre: um vestido curto de veludo em 6$000 (seis mil réis), um de belbutina no valor de 2$200 (dois mil e duzentos réis) e um vestido curto de pano azul velho na quantia de 1$000 (mil réis)21.

José Gonçalves de Barros possuía três conjuntos. São eles: um vestido de casaca de lemiste, véstia e calção de veludo preto, tudo velho, avaliado em 1$920 (mil, novecentos e vinte réis), um vestido de casaca de pano escarlate com seu calção e véstia sem mangas de seda da fábrica, tudo novo, em 14$500 (quatorze mil e quinhentos réis), e uma casaca de pano azul com véstia de cetim branco, sem informar o estado, em 2$600 (dois mil e seiscentos réis)22. Já o tenente José Manoel Caldeira Machado dispunha de um “vestido de pano azul com calção e colete de cetim também azul, com bastante uso, por 6$000” (seis mil réis)23.

No inventário da primeira esposa do alferes Luciano Francisco Pacheco, Ana Gertrudes de Campos, consta uma casaca nova de pano azul fino com véstia e calção de cetim preto, avaliada em 12$800 (doze mil e oitocentos réis)24.

Nos cinco trajes mencionados acima, observamos a diferença na composição do traje, sendo a casaca feita de um tecido mais encorpado em comparação ao tecido empregado na véstia, calção ou colete. As combinações são lemiste e veludo, pano escarlate e seda, e pano azul e cetim25. Exceto o primeiro traje de Barros, os outros calções, coletes e véstias eram de cetim ou seda. Os panos escarlate e azul são razoavelmente recorrentes na

21

ARQ/MRCI - Inventário de Antonio Francisco da Luz, 1805, caixa 16A . folha 10 22

ARQ/MRCI - Inventário de José Gonçalves de Barros, 1779, caixa 10 . folha 5 verso. 23

Inventário de José Manoel Caldeira Machado, 1809, caixa 17B . folha 7 verso 24

Inventário de Ana Gertrudes de Campos, 1808, caixa 17B . folha. 5 25

Lemiste era um pano de lã, muito fino, que vem de Inglaterra. Vide BLUTEAU, Raphael. Vocabulario... v. 5, p. 77. O veludo poderia ser de lã, seda ou algodão. Vide COSTA, Manoela Pinto da. Glossário... p. 160. Já a seda é feita a partir da “substância filamentosa, produzida pela larva de um insecto chamado bicho-da-seda (esp.bombyx mori)”. Vide COSTA, Manoela Pinto da. Glossário... p. 157. Feito a partir do mesmo material, o cetim é um pano de seda lustroso e fino. Vide COSTA, Manoela Pinto da. Glossário... p. 142.

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documentação, mas não indicam sua matéria-prima. Supomos que poderiam ser de algodão, pela oferta e por serem tecidos bastante citados.

Os valores dos vestidos variavam de acordo com o estado e principalmente pelo tecido empregado, como exemplo, dois vestidos pertencentes à Inácio Pacheco da Costa, em que um vestido de ganga recebeu o valor de $800 (oitocentos réis) e um de droguete, 2$000 (dois mil réis).

Quadro 6 – Bens de Inácio Pacheco da Costa

Categoria de bem Descrição Avaliação (em réis) Valor percentual no espólio dos inventariados

Roupas Hábito de terceiro do carmo velho, vestido de ganga, vestido de droguete escarlate com calção e colete, vestido de pano azul, calção e colete de ganga, calças e coletes de riscado

10$600 0,9

Joias Dois pares de brincos de ouro 4$640 0,4

Total 15$240 1,3

Fonte: ARQ/MRCI – Inventário de Inácio Pacheco da Costa

Inácio possuía um sítio no bairro do Atuaú, com uma morada de casas, avaliado em 25$600 (vinte e cinco mil e seiscentos réis). Se compararmos com os valores dos bens discriminados no Quadro 6, a diferença não é tão grande. Já a casa na vila, localizada na rua das Casinhas, valia 200$000 (duzentos mil réis), o que evidencia a valorização do espaço da vila em relação ao bairro rural, especialmente neste caso em que Inácio não possuía nenhuma benfeitoria relacionada à atividade açucareira.

Entre seus bens, constam ainda dois pares de brincos de ouro (que provavelmente eram de sua esposa Maria Ribeiro), que perfazem 0,4% do total de seus bens, mas que são importantes simbolicamente, pois são adornos de ouro, material muito valorizado. Já Antônio Dias de Matos, não apresentou nenhuma joia ou adereço de uso pessoal, apenas duas peças de roupas, a saber: um capote de baetão azul avaliado em 3$000 (três mil réis), e

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uma véstia de pano azul no valor de 2$400 (dois mil e quatrocentos réis), que somados, 5$400 (cinco mil e quatrocentos réis), equivalem a 2,4% dos bens.26

O caso de Antônio é um interessante exemplo de presença de roupas em um inventário póstumo com poucos bens. Quando faleceu em 1800, Antônio deixou um filho solteiro e uma filha viúva que tivera em seu primeiro matrimônio, e sua segunda esposa, Maria Leme, grávida de quatro meses e um filho de dez anos. Possuíam uma casa na rua Direita, defronte o portão de São Francisco, e um sítio em que viviam, com terras, uma rodinha e prensa de ralar mandioca e um oratório. Dispunham de poucos móveis, dois catres, dois bancos e duas caixas, uma rede e duas toalhas de algodão. Cinco ferramentas, enxadas, foices e machados, duas juntas de bois, dois cavalos e a escrava Escolástica que contava com 50 anos, avaliada em 30$000 (trinta mil réis)27. Sem grandes somas em bens de raiz ou escravaria, as roupas representavam 2,4% de seus bens, valor maior dos casos acima mencionados. Os bens de Antônio comprovam o padrão observado quando calculamos os bens sem os valores de imóveis e escravos, situação que aponta um percentual maior das roupas em relação ao total.

Além das peças de roupas, faz-se necessário avaliar os objetos de uso pessoal relacionados à aparência. São objetos associados à higiene pessoal, como as navalhas de barba, utilizados para adorno, ou com alguma função específica, como as bengalas, bastões, esporas, óculos, mas que juntamente com as roupas contribuem na composição da aparência. Mesmo possuindo uma função utilitária, como a proteção de raios solares, chuva, os chapéus também poderiam ter a função de adorno, principalmente quando composto por tecidos finos, galões e fitas douradas. Neste sentido, também as fivelas de sapatos, de calção, de gravata, de pescocinho, que primeiramente servem para unir, fechar, mas por ficarem aparentes, adornavam também. Na tabela 6, reunimos os dados sobre esses objetos.

26

ARQ/MRCI – Inventário de Antônio Dias de Matos, 1800, caixa 14B. 27

96

Tabela 6 - Objetos de uso pessoal relacionados à aparência, Itu, 1765-1808

Objetos Quantidade Valor (em réis)

Bastão 6 15$600

Bengala 3 6$400

Cabeleira 1 $080

Chapéu 32 59$260

Dragonas Não informa 4$000

Escova 1 $160 Espora 29 135$450 Fivela 19 51$530 Fivela de calção 22 20$040 Fivela de gravata 3 1$680 Fivela de pescocinho 2 $950 Fivela de sapato 41 140$325 Navalha 3 $400 Óculos 2 2$000 Relógio 9 132$960 Sapato 6 2$960 Total 179 573$795

Fonte: AESP, ARQ/MRCI – Contas de testamento, inventários

Os objetos associados à higiene encontrados são uma escova e três navalhas de barba. A escova não foi descrita em detalhes, nem sua função específica.

No espólio de Maria Francisca Vieira consta a única cabeleira da amostra. A descrição informa que era pequena, e foi avaliada pelo baixo valor de $080 (oitenta réis)28. João Fernandes da Costa não possuía a cabeleira, mas sim duas cabeças para cabeleiras, $480 (quatrocentos e oitenta réis) e uma boceta de cabeleiras, $200 (duzentos réis). Olanda Vilaça encontrou duas cabeleiras no norte de Portugal, uma em Barcelos, entre 1750-1760, e uma em Póvoa de Lanhoso entre 1801-181029. Drumond localizou em Rio das Velhas na primeira metade do século XVIII duas cabeleiras: uma escura e outra com sua cabeça30.

Dentre os inventariados da amostra, encontramos 32 chapéus, totalizando 59$260 (cinquenta e nove mil, duzentos e sessenta réis). Doze desses, 37,5%, foram caracterizados como “de sol”, uma denominação relacionava ao seu uso, de proteção ao calor do sol31

. Drumond encontrou os seguintes tipos, chapéu fino, entre fino, de sol e de Braga para

28

ARQ/MRCI – Inventário de Maria Francisca Vieira, 1796, caixa5. 29

VILAÇA, Olanda Barbosa. Cultura material ... p. 457. 30

DRUMOND, Marco Aurélio. Indumentária e Cultura Material... p. 154. 31

“artificioso defensivo do calor do sol”. Vocábulo chapéu. Vide BLUTEAU, Raphael. Vocabulario... v.. 2, p. 275. Disponível em: < http://www.brasiliana.usp.br/pt-br/dicionario/1/chapeu>. Acesso em: 10.nov.2014.

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Minas Gerais. Nas lojas, o chapéu grosso da terra era comercializado a $600 (seiscentos réis) enquanto os finos, custavam até 2$000 (dois mil réis)32.

Na vila de Itu, em média, tanto um chapéu confeccionado com ganga quanto com holanda apresentaram valor de 2$000 (dois mil réis). Os tecidos empregados mais comuns eram olanda, ganga, senão feitos inteiramente, pelo menos cobertos com um desses dois tecidos.

As fivelas poderiam ser registradas com seus usos, como de calção, de gravata, de pescocinho ou de sapatos. Os itens redigidos sem especificação foram contabilizados separadamente, contabilizando 19 pares de fivelas, avaliados no total em 51$530 (cinquenta e um mil, quinhentos e trinta réis). As mais recorrentes foram as fivelas de sapato (47,1%), seguidas das de calção (25,2%), as fivelas sem indicação de uso (21,8%), as de gravata (3,4%) e, por fim, as de pescocinho (2,2%). As fivelas, em sua grande maioria, eram de