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Aspectos históricos e populacionais de Itu

Capítulo 1 A vila do açúcar: configuração espacial e a posse de bens em Itu

1.1 Aspectos históricos e populacionais de Itu

A fundação de Itu deu-se no ano de 1610 dentro do processo de ocupação do território paulista, do litoral em direção ao interior. Este processo iniciou-se na área litorânea, em meados do século XVI, posteriormente, efetivou-se a ocupação do planalto de Piratininga (1554) e no final do século, regiões circunvizinhas, como Santana de Parnaíba (1580) e Itu (1610)6. Tal processo está inserido no contexto de exploração e busca de pedras e metais preciosos, necessidade de mão de obra indígena e de novas áreas para o cultivo agrícola. Uma vez estabelecidas, algumas famílias formaram e consolidaram o povoamento da vila de Itu, utilizando-se “amplamente de índios para seus

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IANNI, Octavio. Uma cidade antiga... p. 43 5

IANNI, Octavio. Uma cidade antiga... p. 22 6

Outu-Guaçu, Utu-Guaçu, Ytu e finalmente Itu, foram as denominações da localidade. De origem tupi, Ugu- Guaçu significa cachoeira grande, em referência à queda d‟água do rio Tietê, localizado em Salto-SP.

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empreendimentos agrícolas e parte de sua produção serviu de base para as expedições que se dirigiam ao Guairá. Talvez isto tenha dado impulso à criação de uma relativa estrutura agrária em Itu.”7

Durante o século XVII, Itu apresentou um crescimento populacional considerável, obtendo os títulos de capela curada (1644), freguesia (1653) e vila (1657).8 Em contrapartida, apresentou um desenvolvimento econômico “incipiente, tendo na atividade de subsistência a única forma de vida.”9 Esta passagem do livro de Eni de Mesquita Samara nos remete à discussão da penúria paulista.

A questão da pobreza, decadência e esvaziamento demográfico da Capitania de São Paulo entre os séculos XVII e XVIII, período de grande produção aurífera em Minas Gerais não é o foco da investigação, embora seja extremamente interessante considerá-la. Como apontam as pesquisas de Silvana Godoy e de Milena Maranho, faz-se necessário problematizar as imagens de pobreza e decadência de São Paulo cristalizadas ao longo do tempo.10

Através de um estudo pormenorizado nos inventários dos moradores do Planalto de Piratininga, Maranho apresentou um universo complexo: a percepção de uma riqueza aparente enquanto se observa os bens arrolados era desfeita no momento em que se listavam as dívidas, e os bens muitas vezes eram insuficientes para quitá-las. Também significativo era o papel do crédito naquela sociedade, pois para o indivíduo sem cabedais, as boas relações com pessoas ou famílias já estabelecidas era o meio pelo qual obtinha crédito.

7

GODOY, Silvana Alves de. Itu e Araritaguaba na rota das monções (1718 a 1838). 2002. 239 f. Dissertação (Mestrado em História Econômica). Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas. Campinas. 2002 p. 50

8

NARDY FILHO, Francisco. A Cidade de Ytu: histórico da sua fundação e dos seus principais monumentos. Itu: Ottoni Editora, 2000b. Volume 3, p. 10

9

SAMARA, Eni de Mesquita. Lavoura Canavieira, trabalho livre e cotidiano. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005. p. 68

10

GODOY, Silvana Alves de. Itu e Araritaguaba... p. 6 – 34; MARANHO, Milena Fernandes. A opulência relativizada: níveis de vida em São Paulo do século XVII (1648 – 1682). Bauru, SP: EDUSP, 2010. p. 37 – 62.

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Godoy apontou para as relações comerciais de abastecimento das regiões mineradoras (Minas Gerais e Cuiabá), interligando diversas localidades, contrapondo a ideia de que a prosperidade econômica de um local necessariamente diminui ou afeta outra região. Maria Aparecida de Menezes Borrego também questionou essa estagnação, pois São Paulo segundo afirmam vários estudos, passava por “um momento de dinamização do processo de mercantilização, que já vinha se desenvolvendo desde as últimas décadas do século anterior.”11

A região com maior produção açucareira entre a segunda metade do século XVIII e início do século XIX, era compreendida entre Mogi-Guaçu, Jundiaí, Porto Feliz e Piracicaba, denominada por Caio Prado Júnior como Quadrilátero do Açúcar12. Teresa Petrone reformulou o quadrilátero, substituindo Porto Feliz por Sorocaba, “pois em Sorocaba o cultivo da cana-de-açúcar ainda teve relativa importância e, porque, dessa maneira, Itu, importantíssimo centro canavieiro e outras áreas produtoras de açúcar foram decididamente enquadrados.” 13

Com base na documentação censitária, Petrone contabilizou a produção açucareira e o número de engenhos ituanos para alguns anos. Em 1798 havia 107 engenhos, um ano depois, 113 e em 1803, 130 engenhos. A produção de açúcar em arrobas cresceu nos últimos anos do século XVIII, estabilizou na casa de sessenta mil arrobas entre 1800 e 1801. Aumentou consideravelmente entre 1803 e 1808, alcançando neste último ano oitenta e uma mil e duzentas arrobas, e finalmente a produção caiu consideravelmente entre 1809 e 1810, de setenta mil para vinte mil arrobas.14 Os anos referentes às décadas de 1750, 1760, 1770 e 1780 carecem de documentação de forma geral, devido à irregularidade da realização dos censos.

11

BORREGO, Maria Aparecida de Menezes. A teia mercantil: negócios e poderes em São Paulo Colonial (1711 – 1765). São Paulo: Alameda, 2010. p. 24.

12

PRADO Jr., Caio. Formação do Brasil Contemporâneo: Colônia. São Paulo: Brasiliense: Publifolha, 2000. p. 75

13

PETRONE, Maria Teresa S. A lavoura canavieira... p. 24. 14

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Pablo Oller Mont Serrath com base em documentação do Arquivo Histórico Ultramarino complementou os dados de Petrone alusivos à produção canavieira da região serra acima entre os anos de 1793 e 1799, também com o número de escravos.15 Apesar de contarmos com poucos dados disponíveis, podemos ter uma ideia geral da produção agrícola da região. Entre os anos finais do século XVIII e a primeira década do século XIX, observamos um ligeiro crescimento tanto no número de engenhos quanto da produção canavieira.16 Em uma análise comparativa dos dados da vila de Itu com os de outras vilas serra acima, como Porto Feliz, Piracicaba, Campinas, Jundiaí, Sorocaba, Atibaia, Cunha, Lorena, Guaratinguetá, Pindamonhangaba e Taubaté, até 1802 a vila ituana liderava a produção açucareira em número de engenhos, de escravos e em arrobas.17

De acordo com Eni de Mesquita Samara, “o açúcar constituía, na realidade, a base econômica da região de Itu e grande parte da população tinha suas atividades vinculadas à produção e comércio desse produto.” 18

Em relação à Capitania de São Paulo, Carlos Bacellar destacou uma mudança socioeconômica significativa durante o século XVIII. Para o autor,

o predomínio absoluto da economia de subsistência, itinerante e de trabalho familiar, cedera espaço a uma economia de lavoura para exportação, monocultora, estável e de trabalho escravo. Novas formas de poder pessoal são firmadas, não mais na disponibilidade de índios em flechas, mas sim na posse de escravos a trabalhar na lavoura.19

A produção açucareira desenvolvida na vila ituana vinculou-se a uma linha de ação empreendida pela administração imperial lusitana, que em posse de um vasto império ultramarino, estava comprometida com a defesa dos territórios mais ao sul da América, garantindo sua propriedade frente às investidas espanholas, e de viabilidade econômica da

15

MONT SERRATH, Pablo Oller. Dilemas & Conflitos na São Paulo restaurada. Formação e Consolidação da Agricultura Exportadora (1765-1802). 2007. 316f. Dissertação (Mestrado em História Econômica). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo. São Paulo. 2007. p. 249. 16

PETRONE, Maria Teresa S. A lavoura canavieira... p. 44; MONT SERRATH, Pablo Oller. Dilemas &

Conflitos... p. 249. 17

MONT SERRATH, Pablo Oller. Dilemas & Conflitos... p. 249. 18

SAMARA, Eni de Mesquita. Lavoura Canavieira... p. 72 19

BACELLAR, Carlos de Almeida Prado. Os senhores da terra: família e sistema sucessório entre os senhores de engenho do Oeste paulista, 1765 – 1855. Campinas: Área de Publicações CMU/Unicamp, 1997. p. 28.

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capitania de São Paulo, restaurada no ano de 1765. O declínio da atividade aurífera também ajudou a impulsionar a agricultura como alternativa à mineração.

Considerando a vila de Itu entre os anos de 1765 e 1808, ressaltamos sua importância na consolidação da atividade econômica mais rentável, o açúcar voltado à exportação, mas também a vila destacou-se como um entreposto comercial entre o litoral e localidades mais ao interior, além de atuar como uma importante unidade administrativa imperial, pois sua jurisdição compreendia boa parte do estado paulista, chegando até a região sul, em Curitiba.20

Os casos de indivíduos contemplados em nosso universo de análise elucidam essa transição das atividades econômicas e também a diversificação: muitas famílias atuavam na produção, no transporte e na venda de produtos. O açúcar era o principal elemento da economia paulista e ituana, mas não era o único. Outras atividades desenvolviam-se complementando a produção açucareira, como o comércio, por exemplo.

Considerando a riqueza que o açúcar proporcionou, nosso objetivo geral é averiguar a composição material dessa localidade no momento em que prosperava, e de forma mais específica, na aparência: quais as diferenças e distinções sociais e econômicas teriam ocorrido no visual, se o enriquecimento fazia-se perceber através das vestes, ou era aplicado nas unidades produtivas ou nas residências. A compreensão do espaço nos possibilita entender melhor o local no qual as pessoas pesquisadas viveram, desempenharam suas atividades e faleceram.

De acordo com Amílcar Torrão Filho, a cidade é “um local privilegiado para observarem-se as relações de força que se estabelecem numa dada sociedade.”21 A análise das vestimentas em Itu, portanto, seria incompleta sem a devida contextualização e problematização da vila e dos indivíduos que a habitavam.

20

Em 1811 a vila de Itu foi elevada à categoria de cabeça de comarca, a terceira da Capitania de São Paulo. Cf. NARDY FILHO, Francisco. A Cidade de Ytu: histórico da sua fundação e dos seus principais monumentos. Itu: Ottoni Editora, 2000a. Volume 1, p. 57.

21

TORRÃO FILHO, Amílcar. Paradigma do caos ou cidade da conversão?: a cidade colonial na América portuguesa e o caso da São Paulo na administração do Morgado de Mateus (1765-1775) 2004. 338 f.

Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas. Campinas. 2004. p. 17

29

Sobre o perímetro de Itu em 1765, Francisco Nardy Filho apontou que

o Convento carmelita e o Franciscano marcavam seus extremos. Além das terras do quintal do Carmo, estendiam-se os campos do Pirapitingui; após o cercado dos Franciscanos era já o carrascal; do pátio do Convento Franciscano e, como em continuação à sua direita, seguia o caminho de Araritaguaba.22

Ainda nesta data, “contava a vila 658 fogos, sua população era de 3988 habitantes assim dividida: livres, 2758, sendo 1361 homens e 1397 mulheres; escravos, 1230, sendo 640 homens e 590 mulheres.”23

Segundo João Walter Toscano, foram os primeiros recenseamentos datados da década de 1760 que forneceram dados mais concretos sobre a estrutura urbana de Itu, “considerada como duas áreas, vila e bairros rurais”24.

Em cinco de outubro de 1774, o engenheiro militar José Custódio de Sá e Faria visitou a vila de Itu, partindo anteriormente de Araçariguama e com destino à Praça de Nossa Senhora dos Prazeres, com o objetivo de mapear os rios Tietê, Paraná e Yguatemi.25 De passagem, Sá e Faria registrou um esboço da vila de Itu, como apontou Beatriz Bueno. Na imagem abaixo, extraída da página do diário de viagem do engenheiro, observamos com indicação das principais construções, a região central da vila.26

22

NARDY FILHO, Francisco. A Cidade de Itu: crônicas históricas. Itu: Ottoni Editora, 2000e. vol. 5. p. 29. 23

NARDY FILHO, Francisco. A Cidade de Itu... p. 31 24

TOSCANO, João Walter. Itu/Centro Histórico. Estudos para preservação. 1981. 175 f. Dissertação (Mestrado em Estruturas Ambientais Urbanas). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo.1981 p. 17

25

No artigo Do borrão às aguadas: os engenheiros militares e a representação da Capitania de São Paulo, Beatriz Piccolotto Siqueira Bueno disponibilizou algumas páginas completas do diário de viagem de Sá e Faria, com as anotações de horários de partidas e chegadas, pessoas que recepcionaram a comitiva e

distâncias percorridas. O diário de Sá e Faria pertence à Mapoteca do Itamaraty, Rio de Janeiro, Cf: BUENO, Beatriz Piccolotto Siqueira. “Do borrão às aguadas: os engenheiros militares e a representação da Capitania de São Paulo.” In: Anais do Museu Paulista. 2009, vol.17, n.2, pp. 111-153. p. 131 - 135.

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Esta imagem é um registro muito importante, pois carecemos de fontes iconográficas sobre a vila de Itu nesse período.

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Figura 1 - Figura por estimação da Vila de Itu, 1774, por José Custódio Sá e Faria.

Fonte: REIS, Nestor Goulart. Imagens de vilas e cidades do Brasil Colonial. São Paulo, Edusp, 2001. CD- ROM.

A figura apresenta o eixo central ligando o convento de São Francisco, à igreja do Bom Jesus (indicada como Matriz B. Jesus), a igreja nova e a igreja do Carmo. O único edifício não religioso indicado é a Cadeia, à esquerda. Com base no esboço de Sá e Faria e de Toscano, Anicleide Zequini e André Santos Luigi montaram um mapa estilizado de Itu, compreendendo a expansão da área central até a década de 1830. De acordo com Zequini e Luigi, entre as décadas de 1780 e 1800 “o Pátio da Matriz, a rua Direita e rua da Palma, consideradas “área nobre” passaram a concentrar edificações formadas por belas casas e grandiosos sobrados que refletiram a afirmação de Itu como grande produtora açucareira.”27

27

ZEQUINI, Anicleide., LUIGI, André Santos. A Vila de Itu-SP no período açucareiro (1774-1840). Texto disponível em: <http://www.itu.com.br/colunistas/artigo.asp?cod_conteudo=6941>. Acesso em 06.jan.2014.

31

Figura 2 - Mapa Estilizado da Vila de Itu em 1830, por André Santos Luigi.

Fonte: ZEQUINI, LUIGI. A Vila de Itu-SP no período açucareiro (1774-1840). Texto disponível em: <http://www.itu.com.br/colunistas/artigo.asp?cod_conteudo=6941>.

Este mapa parte da representação feita por Toscano de Itu em 1830, onde apresenta o crescimento do núcleo urbano, com as designações „vila velha‟ e „vila nova‟, a partir dos registros das ruas novas nos censos.28 Observamos o núcleo mais antigo, semelhante ao de Sá e Faria, indicado com a cor cinza. Entre as décadas de 1770 e 1830, ocorreu a expansão a partir de ruas no entorno do traçado antigo, em cor escura. Outro aspecto importante são as alterações indicadas em linha pontilhada que permitiram melhor circulação próximo ao largo da Matriz. O local pontilhado indicado como alteração, próximo à cadeia foi denominado Rua ou Beco das Casinhas, onde instalaram as casas de comércio.

28

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Em visita a Itu, Auguste de Saint Hilaire descreveu a área urbana em 1819:

a cidade é estreita e muito alongada, compondo-se de algumas ruas paralelas, de pouca largura, mas bem alinhadas, que cortam outras ruas estreitas, em geral, e marginadas por muros de jardins. Nas ruas principais, a frente das casas é calçada com largas pedras lisas e compactas; as demais não são calçadas, pelo que os transeuntes afundam os pés na areia do respectivo leito. (...) Vêem-se em Itu várias pequenas praças; mas a em que está edificada a igreja paroquial é a única um pouco mais notável.29

Mesmo datando do final da segunda década do século XIX, a descrição do naturalista francês nos oferece uma ideia do padrão das construções e confirma muitos dos dados encontrados nos inventários. A praça em que se situa a igreja matriz configurava um espaço significativo de convívio e interação social. Sobre este aspecto, o autor ressaltou mais adiante que “nos domingos e dias de festa, Itu tem muito movimento. Nesses dias, como já assinalei, os proprietários da vizinhança vão à cidade a fim de assistir o serviço divino; mas, no correr da semana, as casas principais permanecem fechadas e as ruas mantêm-se desertas.”30 Tal característica era devido à atividade canavieira, que exigia a presença nas unidades produtivas durante a semana toda.

Segundo Toscano, na segunda metade do século XVIII, “o „poder do açúcar‟ se faz sentir através das residências na vila (sobrados), marcados pela presença de fazendeiros e negociantes.”31

O calçamento das ruas ocorreu na década de 1790.32 Nesta década, as principais ruas elencadas por Toscano eram: Rua do Conselho, da Palma, Direita (Ocidental e Oriental), das Baratas, de Santa Rita, de Santa Cruz, da Pedra, do Engenho e o beco das Casinhas.33 A última rua, das Casinhas era o local onde ocorria o comércio. De acordo com Saint Hilaire, “os gêneros alimentícios são vendidos em Itu, como em São Paulo, em

29

SAINT-HILAIRE, Auguste. de. Viagem à Província de São Paulo e resumo das viagens ao Brasil,

Província Cisplatina e Missões do Paraguai. São Paulo: Empresa Gráfica da “Revista dos Tribunais”:

Livraria Martins, 1940. p. 232-233. Disponível em:

<https://ia600302.us.archive.org/2/items/viagemprovinci00sainuoft/viagemprovinci00sainuoft.pdf> . Acesso em 11.fev.2014.

30

SAINT-HILAIRE, Auguste. de. Viagem... p. 235 31

TOSCANO, João Walter. Itu/Centro Histórico... p. 21 32

NARDY FILHO, Francisco. A Cidade de Ytu (vol. 1) ... p. 61 33

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espécies de casinhas obscuras, que dão para uma das ruas transversais.”34 Em relação às lojas, o viajante observou que

os habitantes abonados de Itu e dos seus arredores, tendo, por causa da colocação ou do transporte do açúcar que produzem frequentes relações com São Paulo, nesta última cidade adquirem os objetos de que necessitam; por esse motivo, há, em sua cidade, menos lojas do que em muitas outras de menor importância, e as lojas que vi não são muito bem guarnecidas.35

Apesar da simplicidade das casas comerciais citadas acima, Nardy Filho apontou Itu como centro comercial e bancário das vilas vizinhas. Em ordem de importância, São Paulo significava comercialmente para Itu, o que esta última representava para seus termos e vilas menores da região. Também cabe salientar que esta estrutura comercial existia desde o século XVII, relacionada ao provimento das monções que partiam de Araritaguaba.

Para o estudo de Itu optou-se por manter a divisão encontrada nos primeiros recenseamentos, como vila (ou área central) e bairros rurais. A região referida como „vila‟ na documentação corresponde ao núcleo antigo de ocupação demarcado pelas igrejas e seus largos. Já os „bairros rurais‟ distanciavam-se deste núcleo central, mas ainda assim pertenciam à vila. Ao estudar a região das minas durante o século XVIII, José Newton Coelho Meneses definiu como “urbano, o habitante domiciliado na sede das vilas ou dos arraiais, por menor que esses fossem. Rural é o habitante da chácara suburbana, sítio ou fazenda.”36

Esta definição também se aplica para o período de investigação sobre a vila ituana. Os termos da vila de Itu foram desconsiderados, pois nosso enfoque recai apenas sobre os moradores da vila.

As regiões ou bairros rurais recorrentes na documentação são: Anhambu, Atuaú, Apotribú, Buru, Cajuru, Caiacatinga37, Itahim Guassú, Itahim Mirim, Pirapitingui, Pirahi, Pouso do Bispo. Adiante, um mapa com a indicação de alguns bairros rurais.

34

SAINT-HILAIRE, Auguste. de. Viagem... p. 236. 35

SAINT-HILAIRE, Auguste. de. Viagem... p. 235. 36

MENESES, José Newton Coelho. O continente rústico: abastecimento alimentar nas Minas Gerais setecentistas. Diamantina, MG: Maria Fumaça, 2000. p.147.

37

Saint-Hilaire designou como ribeirão de Caracatinga no corpo do texto e adiante, esclareceu: “a palavra

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Figura 3 – Bairros rurais e área central da Vila de Itu

Fonte: Baseado em SADER, Maria Regina C. de Toledo. Evolução... s/n.

Adaptado de Maria Regina C. de Toledo Sader, o mapa aponta alguns dos bairros rurais existentes nos séculos XVIII e XIX na vila, com a indicação em vermelho da área central, e em azul, o Rio Tietê.38 O mapa apresenta a distribuição dos bairros rurais até o século XIX delimitado pela atual configuração da cidade, em cor branca, sem os termos e de toda a sua jurisdição da vila. Neste esquema, é possível observar a distância dos bairros em relação à área urbana, o quanto a região central significava em termos espaciais da vila, bem como o papel do Rio Tietê na delimitação de Itu. Como Sader localizou os locais na área atual do município de Itu que compreende aproximadamente 640 quilômetros

Müller escreveu Caiacatinga.” , SAINT-HILAIRE, Auguste. de. Viagem... nota de rodapé número 423, p. 226.

38

SADER, Maria Regina C. de Toledo. Evolução da paisagem rural de Itu, num espaço de 100 anos. 1970. Mestrado (Geografia Humana). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, São Paulo. 1970.

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quadrados, que está delimitado em cor branca, é possível visualizar a distribuição dos bairros até o século XIX, sendo que alguns ainda mantêm o mesmo nome na atualidade.39

Considerando os espaços públicos que possibilitavam a convivência, destacamos as igrejas e as praças ou largos. Para Maurício Maiolo Lopes, “desde os primórdios do período colonial as praças sempre se configuraram como um prolongamento da igreja (...), uma continuação de seu adro”40

. Portanto, os largos eram espaços de encontro e sociabilidade antes e depois da realização das celebrações religiosas nas igrejas.

Em Itu quatro largos destacavam-se: o do Bom Jesus, do Carmo, da igreja Matriz e o de São Francisco. O primeiro, o Largo do Bom Jesus (atual Praça Padre Anchieta) é o mais antigo, pois remonta à fundação da capela construída por Domingos Fernandes em 1610.41 Com a construção da nova igreja Matriz Nossa Senhora da Candelária em seu local atual, a igreja do Bom Jesus foi reparada na década de 1760 e recebeu ampliações e melhoramentos até 1800, especialmente no período em que a família Costa Aranha esteve