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O nível geral de iluminação na UTI Neonatal aumentou de 200 a 300 lux* para em torno de 900 lux nas modernas unidades dos anos 80 e 90, basicamente para atender às necessidades dos cuidadores. A partir dos anos 90, um crescente número de pesquisas começou a questionar esses níveis, além de outros aspectos, sob uma ótica mais abran‑ gente que leva em conta as perspectivas do desenvolvimento do bebê e a atuação dos cuidadores. Os trabalhos mais recentes mostram padrões de iluminação muito variados nas unidades, o que demonstra não haver ainda, na prática, um consenso. No entanto, de acordo com os estudos publicados até o momento, já é possível caracterizar muitos dos aspectos da iluminação e do meio ambiente visual que seriam os mais adequados ao desenvolvimento, sobretudo do bebê pré‑termo extremo.

A luz forte e contínua é um fator de estresse para o bebê na UTIN, por ter menos defesas em relação à luz ambiente. Apesar de algumas controvérsias, não parece ser um fator primário na gênese da retinopatia da prematuridade (ROP), mas pode causar aumento de atividade motora, bradicardia, privação de sono e interferência na consolidação do sono em bebês pré‑termo. Por conta disto, muitas unidades passaram a cobrir as incubadoras com tecido, mas quase sempre ocorre a incidência de luz nos olhos do bebê durante o seu manuseio e, em 22% das vezes, houve, nesse instante, queda significativa da saturação de oxigênio em bebês pré‑termo de 26 a 37 semanas (SHOGAN; SCHUMANN, 1993). Bebês pré‑termo normais avaliados na idade pré‑escolar demonstram grande heteroge‑ neidade cognitiva e muitos apresentam déficits sutis na acuidade visual e alterações vi‑ soespaciais e de funcionamento visomotor. Essas alterações podem predizer dificuldades no aprendizado da leitura, do soletrar e da escrita, bem como dificuldades em aritmética e nas habilidades adaptativas na idade escolar. Entre as possíveis causas dessas alterações encontram‑se: infecção, asfixia e hipoxemia. No entanto, os efeitos coadjuvantes do meio ambiente (luz, entre eles) não podem ser afastados.

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Recentemente, surgiram críticas a essa abordagem, com o argumento de que manter o bebê pré‑termo no escuro pode privá‑lo de informações do ciclo dia/noite a que ele estava submetido durante a gestação. No útero, o feto está exposto a várias pistas maternas que podem sincronizar seu relógio biológico aos ciclos de luz externa. Na UTIN, o RN pode sofrer influências da luz porque, a partir da 25ª semana de idade gestacional, o relógio biológico parece estar funcionalmente inervado pela retina.

Alguns estudos sugerem que o cuidar dos bebês em um ambiente constantemente escuro não melhoraria o seu padrão de sono. Outros estudos, usando ciclos de luz, imitando dia e noite, tentaram mostrar algumas vantagens sob o ponto de vista do desenvolvimento do bebê pré‑termo, mas falhas metodológicas tornaram os achados questionáveis. No entanto, estudos mais bem delimitados dos padrões de repouso/atividade (provavelmente o primeiro índice de desenvolvimento da ritmicidade circadiana) mostraram a presença mais precoce desse ritmo circadiano em bebês pré‑termo submetidos ao regime de ciclos de luz/escuro em relação àqueles cuidados na semi escuridão contínua.

A utilização dos ciclos dia/noite na UTIN e na unidade de cuidados intermediários tem sido recomendada por especialistas e por instituições como uma forma de beneficiar o desenvolvimento dos bebês. Apesar de ser uma área com muitas pesquisas ainda em andamento e com alguns aspectos de seus efeitos ainda não totalmente conhecidos, não foram relatados aspectos danosos dessa prática.

Hoje vivencia‑se uma fase de revolução no design das unidades neonatais, mas o meio ambiente visual ótimo para os bebês pré‑termo ainda está sendo definido. Portanto, os projetos de iluminação de unidades reformadas ou novas devem ser flexíveis o bastante para se adaptar a futuras demandas.

Dor

O neonato, mesmo o pré‑termo extremo, possui plena capacidade anatômica e funcional de nocicepção, que é a detecção e transmissão de informações sobre a presença e quali‑ dade do estímulo doloroso a partir do ponto de estimulação até o cérebro.

Um conjunto de fatores torna o bebê mais sensível ante as primeiras experiências do‑ lorosas:

As vias descendentes inibitórias dos sinais dolorosos a partir da periferia não estão desenvolvidas;

Os controles inibitórios interneurais e os neurotransmissores inibitórios na medula espinhal são pouco desenvolvidos, as células nervosas na periferia estão relacionadas a maiores superfícies de pele (maiores campos receptivos);

Os limiares dos reflexos espinhais frente a estímulos mecânicos da pele são menores;

A produção de endorfinas não está completamente funcional;

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Ambiente da UTI neonatal: características, efeitos e possibilidades de intervenção Essa sensibilidade pode ser ainda mais amplificada pela experiência de estímulos doloro‑ sos repetidos, podendo até chegar a um quadro de dor persistente. Isso acontece devido a mecanismos tais como:

Hiperalgesia (aumento na sensação dolorosa);

Hipersensibilidade (diminuição do limiar doloroso no local afetado ou a dis‑

tância);

Alodinia (sensação anormal de dor ante um estímulo inicialmente inócuo).

Vários mecanismos estão implicados no aumento da sensibilidade à dor, tais como pro‑ ximidade na medula espinhal das fibras proprioceptivas daquelas que carreiam dor, hiperinervação, sensibilização dos nociceptores na periferia e, até, sensibilização central. Todas essas alterações são mais pronunciadas no sistema nervoso mais imaturo; portanto o bebê pré‑termo é mais sensível à dor do que o a termo e muito mais do que o adulto. Muitos aspectos do meio ambiente e dos cuidados na UTI Neonatal podem causar des‑ conforto e dor para o neonato. A maioria dos procedimentos ocorre nos bebês de menor idade gestacional e na primeira semana de vida, com uma média de 53 a 63 procedimen‑ tos invasivos por bebê, podendo chegar a um extremo de 488 procedimentos em um neonato nascido com 23 semanas e pesando 560g (BARKER; RUTTER, 1995). Analgesia específica só foi utilizada precedendo 3% dos procedimentos e técnicas coadjuvantes para minimizar a dor em 30% dos casos (PORTER et al.,1999).

Diversos fatores podem estar implicados na subestimação da dor no neonato. Alguns são diretamente relacionados aos aspectos da dor: poucos conhecimentos dos efeitos da dor (fisiológicos, comportamentais e no desenvolvimento do SNC), dificuldade na avaliação da dor e conhecimentos incompletos sobre métodos e medicamentos para sua redução. Outros estão relacionados às peculiaridades do trabalho na UTIN: maior preocupação com a sobrevivência, daí a dor pode ser vista como secundária; questões relacionadas com a possibilidade da morte e, atualmente, qualidade de sobrevida levando a um incons‑ ciente afastamento do bebê como uma forma de proteção; e até a sobrecarga de trabalho acarretando menos tempo para observação dos comportamentos do neonato. Por fim, existem os aspectos relacionados ao próprio bebê: aparência frágil interferindo com o apego, respostas diminuídas e muitas vezes inconsistentes dificultando a interpretação de seus sinais, e ausência de respostas em algumas situações de dor, dando a impressão de resistência à dor. Por último, não pode ser desconsiderada a influência do contexto cultural das sociedades ocidentais que valorizam quem suporta a dor e o sofrimento. A experiência dolorosa no período neonatal pode acarretar efeitos fisiológicos, com‑ portamentais e até alterações no desenvolvimento do sistema nervoso. Episódios de dor podem levar a alterações cardiovasculares e respiratórias (aumento da pressão arterial e diminuição da saturação de oxigênio), metabólicas e endócrinas (catabolismo e hiper‑ metabolismo), no sistema imunológico (aumento da susceptibilidade a infecções) e na coagulação e hemostasia. Respostas comportamentais à dor no bebê pré‑termo tendem a ser menos robustas e altamente variáveis. O choro é a resposta de mais fácil reconheci‑ mento; no entanto, 50% dos bebês pré‑termo não choram frente a um estímulo doloroso.

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dos movimentos corporais ou hipotonia e hipoatividade. São frequentes as alterações nos estados comportamentais tais como diminuição dos períodos de sono (principal‑ mente sono leve), rápidas transições de estado e irritabilidade. Muitas vezes, ocorre total ausência de respostas, sobretudo após períodos prolongados de dor, provavelmente pela depleção de reservas. No entanto, a falta de resposta não significa ausência de dor. A dor é um dos elementos mais destacados do meio ambiente da UTIN e junto com outros elementos como luz, ruído, estímulos não contingentes, sépsis e hipoxemia, tendo o potencial de cumulativamente produzir um impacto negativo no desenvolvimento. Frente a tantos efeitos negativos da dor no neonato, torna‑se fundamental a sua ava‑ liação adequada. Para tanto, deve‑se levar em consideração os diferentes tipos de dor: fisiológica, inflamatória e neuropática (cada um com os seus receptores e mecanismos específicos), que podem se apresentar de forma aguda (procedimentos diagnósticos e te‑ rapêuticos, intubação), estabelecida (pós‑operatório e condições inflamatórias) e crônica ou recorrente (ventilação mecânica, drenagem torácica e trauma de parto). Manifesta‑se por meio de respostas comportamentais e fisiológicas, que muitas vezes são dissociadas ou totalmente ausentes. Atualmente existem numerosos instrumentos de avaliação da dor, para uso na clínica e em pesquisa, divididas em escalas unidimensionais (NFCS = Sistema de Codificação da Atividade Facial) e multidimensionais (PIPP = Perfil da Dor do Pré‑termo e NIPS = Escala de Avaliacão de Dor). Nenhuma escala foi validada para uso em neonatos com menos de 28 semanas e existem dúvidas quanto à validade em casos de dor crônica e em bebês criticamente doentes. Cada UTIN deve escolher a(s) escala(s) que mais se adeque(m) às suas necessidades, estabelecendo a sua periodicidade e duração de acordo com cada procedimento, bem como as atribuições de cada membro da equipe na avaliação e no manejo subsequente.

O manejo da dor na UTIN engloba inicialmente estratégias gerais para prevenir a dor e intervir no meio ambiente para redução de estresse. Tem sequência na abordagem com‑ portamental para reduzir a dor em cada procedimento, bem como no uso de analgesia prévia e do tratamento farmacológico da dor.

No manejo da dor, a prevenção sempre fornece um alívio mais efetivo do que o tratamen‑ to da dor já estabelecida. Algumas estratégias não farmacológicas podem ser utilizadas como a redução dos estímulos estressantes, que visa diminuir a carga total dos estímulos da UTIN, diminuindo o gasto energético e favorecendo a organização homeostática, além de minimizar a exaustão, evitando, assim, que múltiplos manuseios em um curto espaço de tempo aumentem as respostas à dor. A adequação dos procedimentos técnicos objetiva racionalizar sua utilização, diminuindo os procedimentos dolorosos ou tornando‑os mais efetivos com menor produção de dor. As estratégias comportamentais buscam diminuir a dor e geralmente são mais eficazes quando usadas de forma combinada.

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Ambiente da UTI neonatal: características, efeitos e possibilidades de intervenção

Quadro 17 – Redução dos estímulos estressantes.

▶ Diminuir os estímulos táteis desagradáveis

▶ Diminuir os estímulos luminosos

▶ Diminuir o ruído÷

▶ Diminuir o manuseio e os movimentos bruscos

▶ Acalmar o bebê

▶ Agrupar cuidados, respeitando os sinais do bebê

▶ Organizar o sono

▶ Utilizar cuidados contingentes (em resposta aos sinais do bebê)

Fonte: adaptado de ALS, 1999.

Quadro 18 – Adequação dos procedimentos técnicos

▶ Planejar e organizar previamente os procedimentos

▶ Realizar os procedimentos em dupla

▶ Racionalizar os procedimentos dolorosos – questionar a real necessidade de cada um

▶ Considerar venopunção em vez de punção do calcanhar, em RNT

▶ Usar lancetas mecânicas na punção de calcanhar

▶ Usar o mínimo de fitas adesivas, removendo‑as gentilmente

▶ Realizar procedimentos dolorosos por pessoa mais experiente

Fonte: adaptado de ALS, 1999.

A utilização de medicamentos permite um efetivo controle da dor no nível periférico ou central, estando, no entanto, sujeita a maiores efeitos colaterais. O uso da sedação não fornece alívio e pode mascarar a resposta dos neonatos à dor. Sendo assim, em situações dolorosas, deve‑se utilizar um analgésico eficaz. Cada UTIN deve desenvolver orientações escritas e protocolos para o eficaz manejo medicamentoso da dor.

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