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Estágios do desenvolvimento comportamental neurossocial

De uma forma didática, é possível descrever a evolução do comportamento dos bebês pré‑termo, e consequente interação dos subsistemas, de acordo com três estágios do desenvolvimento, segundo Gorski, Huntington, Lemkoming et al. (1990):

Menos de 32 semanas

É um período de reorganização fisiológica, no qual os bebês geralmente não suportam muita estimulação. Rapidamente se tornam fatigados e desorganizados (comporta‑ mentos e fisiologia) e uma vez estimulados, não conseguem facilmente inibir suas ações e continuam a responder, mesmo exaustos. Podem apresentar sinais de estresse, inclusive apneia.

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Seção 5

Desenvolvimento e avaliação comportamental do recém‑nascidode baixo peso

34 – 35 semanas

Começo da responsividade comportamental organizada. Atingem uma capacidade mínima de manter a homeostase: começam a responder prontamente e ocasional‑ mente buscam a interação social.

36 – 40 semanas

Período de reciprocidade ativa com o meio social.

É importante ressaltar que podem haver discrepâncias entre a idade gestacional do bebê e os comportamentos neurossociais aqui descritos. Isso pode ocorrer devido a problemas clínicos, peculiaridades de cada bebê e até mesmo pelo efeito do ambiente de cada UTI Neonatal.

Apatia protetora

O bebê pré‑termo pode “escolher” ficar inativo, irresponsivo, apático e em estado de sono ou sonolência em determinados momentos ou por períodos mais prolon‑ gados. Trata‑se de uma forma de manter a homeostase e permite a conservação de energia para o crescimento. Esse comportamento recebe o nome de apatia protetora (TRONICK; SCANLON, K.; SCANLON J., 1990) e pode funcionar como uma prote‑ ção temporária do SNC em desenvolvimento. O cuidador deve, sempre que possível, respeitar esses períodos aguardando que o bebê forneça um sinal indicando quando está disponível para a interação. Em muitos casos, o bebê pode estar sinalizando que não quer interagir naquele momento.

Repercussões no desenvolvimento do SNC

O nascimento pré‑termo altera as experiências evolutivamente esperadas e impõe expe‑ riências diversas que podem levar a alterações no SNC por acontecerem num período de grande evolução cerebral. O bebê pré‑termo enfrenta, além de problemas clínicos durante sua estadia na UTI Neonatal, experiências estressantes ou dolorosas que podem contribuir para alterações no sistema nervoso central em desenvolvimento. O exemplo mais visível é a hemorragia intraventricular ou a leucomalácia periventricular, que po‑ dem ser parcialmente relacionadas a episódios de dor que alteram o fluxo e o volume sanguíneo cerebral, com provável aumento na pressão intracraniana.

Frente às discrepâncias do ambiente e dos cuidados na UTI Neonatal em relação ao esperado evolutivamente dentro do útero, observa‑se no SNC alterações mais discretas e mais disseminadas, que começaram a ser descritas recentemente (ANAND; SCALZO, 2000; BHUTTA; ANAND, 2002) podendo estar correlacionadas com alterações no neu‑ rodesenvolvimento e no funcionamento social e emocional. As alterações no sistema visual servem como exemplo. É o último sistema sensorial a amadurecer, depende em parte dos estímulos do meio e apresenta maior número de conexões com a progressão da idade gestacional. Este desenvolvimento reflete‑se numa maior organização do potencial visual evocado (registrado na parte superior da figura 7).

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Figura 7 – Desenvolvimento do córtex visual humano

Fonte: FANAROFF, 1979.

Algumas especulações podem ser feitas em relação aos possíveis mecanismos envolvi‑ dos na gênese dessas alterações. O sistema nervoso do bebê pré‑termo encontra‑se no período de organização neuronal com rápido crescimento e diferenciação encefálica. A atividade sináptica nesse período estimula a maturação e a estabilização de populações específicas de sinapses, enquanto a inatividade acarreta a solubilização das mesmas com a apoptose (morte programada) dos neurônios. É um período onde a plasticidade está muito aumentada, maximizando, assim, a influência do meio ambiente no desenvolvi‑ mento cerebral e nos comportamentos dele derivados. Além disso, existem evidências que os neurônios imaturos tenham maior vulnerabilidade a alterações degenerativas e que a dor repetida e/ou outros elementos do meio ambiente da UTI possam causar um impacto significativo na sobrevivência neuronal e nos padrões das conexões estabelecidas. Já se pode relacionar a dor prolongada a uma excitação aumentada das vias dolorosas aferentes centrais com ativação excessiva de receptores e neurotransmissores relacionados ao NMDA (N‑metil‑D‑aspartato), acarretando dano excitotóxico. Esse pode ser disse‑ minado, uma vez que a percepção dolorosa no neonato humano envolve áreas corticais, tais como o córtex cingulado anterior, o córtex somatosensório primário e o córtex pré‑frontal. O córtex cingulado anterior é uma das áreas mais ativas (em PET scans) quando da exposição à dor e tem íntimas conexões com áreas associadas com atenção e emoção. Portanto, episódios de dor podem afetar a capacidade futura de sustentar atenção e também alterar o arcabouço emocional do encéfalo.

Outros fatores também podem contribuir direta ou indiretamente para o dano ao SNC. Com a dor pode ocorrer ativação do sistema neuroendócrino com liberação de substân‑ cias como o CRH (hormônio estimulador da corticotrofina), que tem o potencial de lesar áreas como o hipocampo, que media aspectos do aprendizado e da memória. Em bebês pré‑termo, a precoce e prolongada exposição dolorosa pode causar frequentes alterações

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Desenvolvimento e avaliação comportamental do recém‑nascidode baixo peso

nos estados comportamentais acarretando anormalidades nos sistemas que controlam sono/vigília, atenção e emoção, afetando a interação, atenção seletiva e o processamen‑ to da informação. Ocorrem, também, alterações na capacidade de autorregulação dos subsistemas do desenvolvimento. A dor é um dos elementos mais destacados do meio ambiente da UTIN, mas interage com os demais aspectos como luz, ruído, estímulos não contingentes, sépsis e hipoxemia, tendo o potencial de cumulativamente produzir um impacto negativo no desenvolvimento.

O desenvolvimento das espinhas dendríticas (pequenas estruturas em forma de vesículas) pode ilustrar os efeitos da UTI Neonatal no desenvolvimento cerebral. Elas são o local do contato sináptico e aumentam em quantidade com a progressão da idade gestacional (Figura 8). Pode‑se observar, ainda uma menor densidade de espinhas dendríticas na formação reticular (responsável pelo controle de ritmos fisiológicos como respiração e deglutição), com o passar das semanas, em bebês dependentes do respirador.

Figura 8 – Desenvolvimento das espinhas dendríticas em dendritos apicais do cortex motor piramidal.

Fonte: FANAROFF, 1979.

Estas alterações na citoarquitetura e quimioarquitetura do SNC começam a ser des‑ vendadas com novas técnicas de imagem que permitem, entre outras, a avaliação do funcionamento de regiões específicas do encéfalo.

Petersons et al. (2000) utilizaram ressonância magnética em crianças com 8 anos de idade, com baixa morbidade neurológica, nascidas a termo e pré‑termo (estas últimas cuidadas em UTI Neonatal tradicional). Demonstraram a existência de menores volumes corticais

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com prejuízo significativo da função cognitiva e da integração visomotora, com alta in‑ cidência de desordens com hiperatividade e déficit de atenção, desordens com ansiedade frente à separação e até, fobias simples. O mesmo autor utilizou a Ressonância Magnética Funcional (MRIf) para estudar crianças com 8 anos. Obteve imagens de áreas do córtex pré‑frontal mesial e lateral, região ventral do cíngulo anterior, cerebelo dorsal e globo pálido, demonstrando ativação/desativação diferentes em bebês que foram pré‑termo quando comparados com os nascidos a termo. Os bebês pré‑termo processavam o ma‑ terial semântico (compreensão do significado transmitido pela fala) usando as mesmas vias neurais que os bebês a termo usavam para processar aspectos fonológicos (decodi‑ ficação e processamento dos fonemas, que são os sons elementares da fala). Com isso, os bebês pré‑termo tendem a escutar e processar linguagem com significado como se fossem correntes de sons sem significado, com óbvio prejuízo. Quanto mais essas vias eram utilizadas, pior a compreensão do significado de histórias escutadas e piores eram seus escores de QI relacionados à subescala verbal e de compreensão verbal.

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Seção 6

Considerações sobre o desenvolvimento psicoafetivo do bebê pré‑termo

Considerações sobre o desenvolvimento

psicoafetivo do bebê pré-termo