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Da mãe com

sua mãe Da mãe comseu bebê

Da mãe com ela mesma

Figura 2 – Trilogia da maternidade

À medida que o bebê cresce, começam a surgir temas centrais relacionados a este pro‑ cesso:

Tema de vida e crescimento: aqui a questão central para a mulher é se ela con‑ seguirá ser uma boa mãe, capaz de manter o bebê vivo; se ela conseguirá fazer com que seu bebê cresça e se desenvolva fisicamente (isso é que a faz levantar à noite para ver se o bebê está respirando, está dormindo bem, que faz a ali‑ mentação ser um assunto tão importante para as mães). Também se refere aos medos que a mãe tem de doenças, malformações durante a gestação ou depois do nascimento. Envolve sua capacidade de assumir um lugar na evolução da espécie, na cultura e na família.

Tema de relacionar‑se primário: refere‑se ao envolvimento social‑ emocional da mãe com o bebê, sua capacidade de amar, de sentir o bebê, de apresentar uma sensibilidade aumentada, identificando‑se com ele para responder melhor às suas necessidades. Esse tema vai estar presente especialmente no primeiro ano de vida do bebê ou até que ele adquira a fala. Inclui o estabelecimento de laços humanos, apego e segurança e acompanha o funcionamento materno descrito por Winnicott como preocupação materna primária.

Tema de matriz de apoio: refere‑se à necessidade de a mãe criar, permitir, aceitar e regular uma rede de apoio protetora para alcançar bons resultados nas duas primeiras tarefas – de manter o bebê vivo e promover seu desenvolvimento psíquico. Essa matriz de apoio que surge a partir de suas figuras de referência (companheiro, mãe, parentes, vizinhos) constitui uma rede maternal, com a função de protegê‑la fisicamente, prover suas necessidades vitais, afastá‑la da realidade externa para que ela possa se ocupar de seu bebê. A outra função refere‑se ao apoio, ao acompanhamento da mãe para que ela se sinta ajudada e instruída em suas novas funções neste momento. Isso a leva a aproximar‑se de suas experiências de maternagem anteriores – com sua própria mãe ou suas representantes.

Tema da reorganização da identidade: em essência, a mãe deve mudar seu centro de identidade de filha para mãe, de esposa para progenitora, de profis‑ sional para mãe de família, de uma geração para a precedente. Portanto, ocor‑ rem exigências de um novo trabalho mental – a mulher, transformando‑se em

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Blues do pós‑parto, depressão pós‑parto e psicose puerperal

O puerpério traz consigo uma nova tarefa para a mulher – a necessidade de uma rea‑ daptação diante das mudanças ocorridas com a chegada do bebê. Essa experiência pode ser entendida como facilitadora de crescimento e desenvolvimento, proporcionando vivências especiais relacionadas à reprodução e à perpetuação da espécie.

Assim, logo após o parto, existe um período necessário para que a mulher realize sua retirada desse funcionamento especial. Para algumas, poucas semanas são suficientes para que ela retome o seu percurso familiar e se sinta disponível para cuidar do bebê. Para outras, trata‑se de uma tarefa bastante difícil, podendo aparecer sintomas que merecem atenção e cuidado, em especial sintomas afetivos ligados ao humor, do tipo depressivo, comuns no período pós‑parto. Pode‑se pensar que tais quadros fazem parte de um con‑ tinuum ou ainda de um espectro em relação aos sinais que inicialmente são tidos como adaptativos, como no caso do “blues” pós‑parto ou “baby‑blues“ (para alguns autores, chamado de “tristeza materna”), e que evoluem com características psicopatológicas na depressão pós‑parto e na psicose puerperal.

O Blues pós‑parto, benigno e frequente, não traz grande preocupação aos profissionais de saúde. Golse (1999) lembra que ele ocorre em 70 e 80% das mulheres após o parto. Marcado por um tumultuado movimento endócrino/neurobiológico e notadamente dopaminérgico, esse movimento depressivo maternal ainda permanece, em grande parte, enigmático. Guedeney e Lebovici (1999) citam que esse funcionamento marcaria o fim da gestação psíquica, permitindo à mãe entrar eficazmente no sistema interativo neonatal. Lembram também que apenas 15 a 20% das mulheres que apresentaram blues pós‑parto desenvolveram depressão materna pós‑natal. Szejer (1999) e outros lembram que este funcionamento materno mais tristonho caracteriza‑se também por ser uma fase adapta‑ tiva da nova mãe, em função da experiência de separação que ela passa a simbolizar com seu bebê, agora fora de seu corpo. Para ela, após o parto vem o nascimento do sujeito, das exigências do bebê e de sua configuração, o que pressupõe uma perda daquele bebê anteriormente presente dentro de seu corpo.

Já a depressão pós‑parto é algo que se prolonga, com a mãe mostrando sinais de triste‑ za, irritabilidade, incapacidade para cuidar de seu bebê, fadiga, sentimentos de solidão, podendo surgir, ainda, muitas queixas somáticas. Autenticamente patológica, é bem mais rara que o “blues”, aparecendo em aproximadamente 15% das puérperas. Uma das maiores preocupações refere‑se ao fato de que muitas vezes ela não é observada pela família ou mesmo pelo pediatra, que neste momento tem um contato maior com a mãe do que o obstetra. Muitas mulheres não apresentam queixas ou tentam ocultá‑las pela culpa que experimentam frente ao fato de terem dificuldades em cuidar de seus bebês. Assim, algumas destas mães podem, inclusive, rejeitar o contato social e familiar. A depressão pós‑parto é mais tardia e, em geral, surge entre a quinta e a sexta semana após o nascimento do bebê, possuindo como diferença dos outros quadros depressivos, sua relação com o nascimento do bebê e com os entraves no processo de maternagem. É responsável por muitas dificuldades que surgem na interação mãe‑bebê, levando a falhas especialmente na continuidade dos cuidados para com este, já que estas mulheres estariam menos disponíveis aos apelos dos filhos. Presentes fisicamente mas ausentes psiquicamente, estas mães apresentam um comportamento mecânico e operatório em que as trocas com os filhos mostram‑se pobres, sem expressões de afeto e as interações lúdicas são quase inexistentes. Não conseguindo ajustar sua linguagem à da criança, a mãe a priva de estímulos e informações sobre o meio, o que traz prejuízos cognitivos e

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Seção 3

O casal grávido – A construção da parentalidade

emocionais para o bebê (CAMAROTTI, 2001). Suscetíveis à fadiga imposta pelos cuida‑ dos com o recém‑nascido, choram mais e suportam mal os choros dos bebês, mostram‑se desinteressadas em conversas ou ressentem‑se em oferecer informações sobre o bebê, por exemplo, nas consultas pediátricas.

Na psicose puerperal, o funcionamento psíquico materno mostra grave comprometi‑ mento. É mais rara, aparecendo em aproximadamente 1 a 2 mulheres em cada 1000 . Como apresenta maior comprometimento emocional, necessita intervenção cuidadosa e criteriosa. Sintomas psicóticos como delírios, alucinações, agitação psicomotora e estado confusional estão presentes. Deve ser lembrado que é possível que haja recidivas em outras gestações e que pode evoluir para quadros depressivos não puerperais ou mesmo outros quadros psicóticos. Requer atenção terapêutica em relação à mãe, à criança e ao estabelecimento dos primeiros laços afetivos. A separação da mãe e de seu bebê é preju‑ dicial, devendo ser criadas alternativas de atendimento que não ocasionem separação, o que tem causado muitas controvérsias. Torna‑se necessária a participação muito próxima da família, junto com a equipe de saúde para que mãe e bebê possam permanecer juntos, sob intensa supervisão. O objetivo é que a mãe possa exercer, mesmo que de maneira limitada, a função materna, tendo próxima a avó do bebê, sua mãe, ou outra figura femi‑ nina importante da família com quem ela tenha intimidade e de quem receba também cuidados. A participação da figura paterna nos cuidados do bebê é muito importante para o restabelecimento da saúde mental da mãe nesta situação, além de possibilitar que o pai descubra em sua mulher resquícios de sua ligação com o bebê, o que trará, para o homem, a lembrança da mãe que ela, em outros momentos anteriores ao nascimento do bebê, já havia sugerido que almejava nos cuidados para com seu recém‑nascido. Isto protegerá a representação que ele criou em relação a sua esposa como mãe.

A tabela abaixo, modificada do Canadian Mental Health Association (1995), oferece melhor compreensão:

Tabela 1 – Caracterização das alterações emocionais no puerpério

Blues do pós‑parto Depressão pós‑parto Psicose puerperal Frequência 50‑70% dos nascim. 10‑15% dos nascim. 1‑5/1.000 nascim

Sintomas ▶humor depressivo

▶fadiga ▶insônia ▶ansiedade ▶dificuldade de concentração ▶ sensação de incapacidade para cuidar de seu bebê

▶ sentimento de culpa ▶ transtornos do sono ▶ mudanças de humor ▶ dependência ▶ tristeza ▶ ausência de sintomas psicóticos ▶ transtorno do sono ▶ depressão ▶ irritabilidade ▶ fadiga ▶ mudanças de humor ▶ presença de sintomas psicóticos positivos ▶ (delírios, alucinações...)

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Blues do pós‑parto Depressão pós‑parto Psicose puerperal Frequência 50‑70% dos nascim. 10‑15% dos nascim. 1‑5/1.000 nascim

Circunstâncias do aparecimento e duração hatitual ▶ o pico da depressão se situa entre o terceiro e sexto dia após o nascimento

▶ a necessidade de

hospitalização é excepcional

▶ raramente dura mais

de uma semana ▶ se durar mais de um mês, deve ser avaliado o risco de cronificação ▶ a maioria dos casos se manifesta nos dois primeiros meses depois do parto ▶ pode necessitar internação ▶ duração é variável ▶ melhor prognóstico que as depressões fora deste período

▶ a primeira metade dos

casos aparece primeira semana e três quartas partes no primeiro mês depois do parto ▶ pode requerer hospitalização ▶ duração é variável

▶ pode ser o início

de uma depressão psicótica, mania, esquizofrenia ou síndrome cerebral orgânica

Tratamento Apoio familiar, das

maternidades e dos puericultores Tratamento por profissionais de saúde mental Tratamento por profissionais de saúde mental

Fonte: Canadian Mental Health Association, 1995