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O que se conhece sobre o seguimento do bebê pré‑termo

O nascimento pré‑termo priva o bebê de experiências essenciais e organizadoras (útero, colo e família) lançando‑o em um ambiente de alta tecnologia e pouca humanização, com alto custo para o cérebro e para a interação pais/bebês.

Algumas dessas experiências na Unidade Neonatal afetam negativamente uma grande parte dos RN pré‑termo, o que já pode ser evidenciado nas primeiras semanas em casa e ser confirmado mais tarde na idade escolar.

Als, em 1986, mostrou que já nas primeiras semanas em casa podem ser observadas algumas diferenças comportamentais, de acordo com a avaliação do APIB (Assessment of Preterm Infant Behavior). Com 42 semanas de idade gestacional, bebês pré‑termo sau‑ dáveis apresentavam‑se significativamente mais desorganizados em termos fisiológicos, motores, de estados comportamentais, atenção e autorregulação. Necessitavam de mais facilitação do que os RN a termo do grupo controle.

Durante a infância podem ficar evidentes sequelas maiores, tais como paralisia cerebral, atraso cognitivo global, cegueira e surdez, bem como sequelas menores com anormali‑ dades motoras transitórias e atraso no desenvolvimento motor. Posteriormente, podem ser observados em alguns dos bebês pré‑termo alterações de fala e de linguagem. Na idade escolar, principalmente em bebês < 1.500g, podem ser verificadas dificuldades cognitivas, comportamentais e uma pobreza no funcionamento social e adaptativo, mes‑ mo sem alterações evidentes em seu neurodesenvolvimento. Essas crianças têm menores escores de inteligência e piores resultados em testes de atenção, funcionamento executivo, memória, habilidades espaciais e funcionamento motor fino e grosseiro (HACK et al., 2005). Muitas apresentam também desordens com déficit de atenção/hiperatividade e dificuldades na autorregulação e autoestima (ALS et al., 1994).

De forma geral, nos bebês < 1.500g, pode‑se estimar uma frequência de até 13% de para‑ lisia cerebral (que vem se mantendo estável nos últimos anos), 30 a 50% de dificuldades

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A associação com um meio ambiente domiciliar menos estimulante parece contribuir para a piora no desenvolvimento cognitivo (WEISGLAS‑KUPERUS et al.,1993). Quanto menor o peso ao nascer, maiores as possibilidades de alterações no desenvolvi‑ mento. O estudo de Whitfield (2003) com bebês nascidos com menos de 800g, avaliados na idade escolar, demonstrou: 14% severamente afetados, 60% com desvantagens no funcionamento de todas as áreas requeridas para um desempenho adequado no sistema escolar e apenas 26% não apresentavam nenhuma anormalidade.

Uma recente meta‑análise (BHUTTA; ANAND, 2002) demonstrou diminuição de 10,9 pontos no QI de bebês nascidos pré‑termo e avaliados em idade escolar. O índice cog‑ nitivo era diretamente proporcional ao peso de nascimento e a idade gestacional. Essa diferença pode causar consequências educacionais e sociais significativas. Já um estudo realizado no Rio de Janeiro (MEIO, 2004), com bebês <1.500g nascidos entre 1991 e 1993, mostrou dados ainda mais preocupantes nos quais a média de QI estava abaixo da normalidade, à custa da elevada incidência de crianças com comprometimento em áreas cognitivas específicas. Todas essas crianças com alterações no QI podem apresentar dificuldade em memorização, pensamento lógico e abstrato e nas relações espaciais. Em sala de aula podem ter dificuldades em usar o senso comum, manejar novas informações, lembrar de tarefas e tomar decisões.

As alterações descritas anteriormente já podem estar presentes, com menor intensidade, no final do primeiro ano, mas é na idade escolar que poderão se manifestar com maior exuberância em termos de dificuldades de aprendizagem, mesmo apresentando um QI normal. As poucas pesquisas com adolescentes ou adultos jovens parecem apontar uma continuidade dessas dificuldades intelectuais e educacionais, com possíveis repercussões na área profissional (KESSENICH, 2003).

O estudo do desenvolvimento das capacidades e competências do feto durante uma gestação normal serve de base para que se possa avaliar o grau de descompasso que o bebê pré‑termo pode enfrentar quando se encontra recebendo cuidados no ambiente da UTIN. Cabe aqui o questionamento: o que e quanto ele perde?

Avaliação do desenvolvimento infantil

A avaliação do desenvolvimento infantil pode ser feita por meio de dois processos que se complementam: vigilância e screening. A Vigilância é um processo contínuo em que os profissionais utilizam técnicas de observação durante as consultas regulares e informa‑ ções de diferentes fontes como entrevista com os pais/cuidadores, informes escolares, de creches e a história clínica. Neste processo, geralmente são utilizados marcos do desen‑ volvimento nas diferentes áreas (social, cognitivo, linguagem e comunicação, atividades da vida diária, motor fino e grosso). O screening é um procedimento de avaliação con‑ ciso desenhado para identificar crianças que merecem uma avaliação adicional ou um diagnóstico mais específico. Juntos, os dois processos oferecem uma abordagem mais global da criança, além da saúde física, e ferramentas para atuar a cada consulta sob uma perspectiva de prevenção e intervenção.

A tarefa de avaliação do desenvolvimento infantil é desafiante para o pediatra, principal‑ mente porque se trata de observar e avaliar um processo extremamente dinâmico tanto

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Seguimento do recém‑nascido de risco

em seus aspectos qualitativos como quantitativos. Como por exemplo, ao se observar a área de linguagem/comunicação, quando a criança ainda não fala, busca‑se conhecer sua linguagem gestual, as expressões faciais que indicam sua capacidade de comparti‑ lhar prazer, alegria, satisfação, por exemplo. Junto a isto procurar‑se‑á o sorriso, a troca afetiva indicativa de comunicação, a presença de vocalizações, especialmente quando da aproximação de pessoas significativas, os olhares que seguem objetos ou pessoas. Posteriormente, em um outro período evolutivo, encontra‑se a vocalização de sílabas e posteriormente as primeiras palavras. Estas, muitas vezes incompletas, devem mostrar que possuem um significado (conceito) e tentativa de comunicação. Ou seja, a esses dados se soma a observação do vocabulário, sintaxe e pragmática. É preciso ter presente que neste exame não se está avaliando somente a linguagem, mas todas as interfaces existentes no desenvolvimento de cada um destes períodos evolutivos da criança. Ou seja, para falar ou para se expressar, ela necessita de um planejamento sensório‑motor, do entendimento sociocognitivo do “pedir”, da experiência de ser cuidada e atendida em suas necessidades, entre outros fatores. A habilidade em uma determinada área do desenvolvimento influi sobre a aquisição e avaliação de habilidades em outras áreas. O desenvolvimento normal também apresenta uma ampla variação de criança para criança, dificultando a interpretação de alguma alteração encontrada ao exame. Fundamental é conhecer a história perinatal, a história familiar e prováveis acontecimentos socioafetivos que circundam o momento da observação.

O desenvolvimento infantil muitas vezes é descontínuo e se dá em ondas, com períodos de grandes aquisições em diferentes velocidades. Assim, “ao firmar a cabecinha” o bebê se encontra mais apto a explorar o ambiente, o que fará se lhe for permitido e se for po‑ sicionada de forma a utilizar esta nova aquisição. Isto é fundamental para que esta nova habilidade passe de algo intermitente para algo contínuo. Em função disto, quando uma criança adquire uma habilidade, inicialmente pode mostrá‑la de maneira inconsistente e por isso, uma única avaliação é um “retrato” do momento, sendo necessárias avaliações períodicas para detectar a ocorrência de falta de estimulação adequada, por exemplo, devido à falta de informações da família, da presença de depressão materna que impede um cuidado mais adequado ou, por outro lado, dificuldades em suas aquisições. A avaliação do desenvolvimento é também um espaço para conversar com os pais/cui‑ dadores sobre suas preocupações, e oferecer feedbacks periódicos sobre o progresso da criança.

Na avaliação do desenvolvimento do bebê devem constar principalmente, mas não ex‑ clusivamente, os seguintes pontos:

História familiar, pré e perinatal.

Exame neuromotor.

Inspeção e observação do comportamento do bebê.

Regulação dos estímulos sensoriais.

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Nesta fase, a prioridade é garantir a prevenção de anormalidades sensório‑mo‑ toras; intervir naquelas sequelas já conhecidas e observadas, detectar e registrar prováveis fatores de risco; avaliar a indicação de tratamentos e apoiar a família nos cuidados para com o bebê. Os itens acima serão vistos em partes e alguns pontos serão comentados em mais de um tema. Assim serão abordados: