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Desenvolvimento e fisiologia do trato gastrointestinal

O intestino primitivo, ou sistema digestivo, forma‑se durante a quarta semana de idade gestacional, quando a porção dorsal do saco vitelino está encerrada no embrião. Com 24–26 semanas, o trato digestivo do feto é morfologicamente semelhante ao do RN a termo, mas funcionalmente incompleto. A maturação ocorre no decorrer do primeiro ano de vida, mesmo no RN a termo.

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Nutrição do recém‑nascido pré‑termo

Há uma migração crânio‑caudal de neuroblastos durante a 15ª – 20ª semana de gestação e, por volta da 24ª semana, há distribuição normal de células ganglionares.

Os recém‑nascidos pré‑termo e pequenos para a idade gestacional possuem energia suficiente para apenas alguns dias, e por isso a nutrição deve ser iniciada o mais breve possível.

Motilidade

A imaturidade da camada muscular do trato intestinal, as ondas peristálicas incoordena‑ das, o aumento no número de ondas e a diminuição da secreção hormonal contribuem para o prolongamento do trânsito intestinal comumente achado em RN pré‑termo (trân‑ sito até o ceco de 9 horas com 32 semanas e de 4 horas no RN a termo).

O RN pré‑termo raramente elimina mecônio intraútero, mesmo o asfixiado. Quando com insuficiência respiratória, tem prejuízo do reflexo retoesplênico, o que pode mimetizar obstrução intestinal.

A atividade motora normal após alimentação, a despeito da imaturidade do intestino, sugere que os recém‑nascidos podem responder à nutrição enteral antes da completa maturação da motilidade intestinal. Assim sendo, estudos sugerem que o RN pré‑termo pode mostrar resposta a nutrientes introduzidos precocemente.

Características do recém‑nascido pré‑termo

O RN pré‑termo é especial em muitas características de seu desenvolvimento:

Pouca reserva (carboidrato e gordura).

Alto metabolismo intrínseco (maior metabolismo cerebral e hepático).

Alto turnover proteico (principalmente quando está em crescimento).

Necessidade mais elevada de glicose para energia e metabolismo cerebral.

Necessidade de gordura para metabolismo, depósito, para ácidos graxos essen‑ ciais, desenvolvimento cerebral, neuronal e vascular.

Maior perda de água insensível.

Peristalse mais lenta.

Produção limitada de enzimas no trato gastrointestinal.

Presença frequente de eventos estressantes: hipóxia, desconforto respiratório, sepse, etc.

Prejuízo do desenvolvimento caso não seja adequadamente nutrido.

Nutrição trófica

O momento e o tipo de dieta a ser iniciada no RN pré‑termo de muito baixo peso, apesar dos inúmeros estudos, ainda suscitam controvérsia entre os neonatologistas. A ente‑ rocolite necrosante não ocorre no útero, mesmo que haja intenso estresse e a despeito do feto deglutir cerca de 150ml/kg/dia de líquido amniótico bacteriostático contendo

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sugere que é necessário haver colonização intestinal na sua patogênese. Há trabalhos experimentais comprovando a necessidade de bactéria para que alimentação e isquemia produzam ileíte.

O temor da enterocolite levou os neonatologistas a retardar a dieta enteral e prolongar a nutrição parenteral. Mas essa prática está associada à colestase, doença metabólica óssea, sepse e pode acarretar atrofia da mucosa intestinal.

Durante o terceiro trimestre da gestação o feto deglute líquido amniótico, promovendo estimulação trófica na luz do trato gastrointestinal. Os RN pré‑termo são privados dessa estimulação nutricional, que pode contribuir para a intolerância durante a alimentação.

Efeitos da ausência de dieta na luz intestinal:

Efeitos de curto prazo:

Diminuição dos níveis circulantes de peptídeos intestinais.

Diminuição da síntese de novos enterócitos (célula epitelial intestinal).

Diminuição dos níveis de enzimas (especialmente dissacaridases).

Diminuição do transporte de nutrientes através do epitélio.

Prejuízo da função da barreira mucosa para bactérias e macromoléculas (di‑ minuição da produção de mucina).

Aumento da susceptibilidade a infecções.

Aumento do infiltrado mononuclear e eosinofílico.

Edema da lâmina própria.

Aumento transitório na absorção de glicose.

Diminuição da secreção de ácidos biliares conjugados.

Efeitos de longo prazo:

Injúria morfológica – fusão de vilosidades (pode persistir por até um ano), achatamento de vilosidades, diminuição da espessura da mucosa, dimimuição da relação vilosidade/cripta.

Enteropatia perdedora de proteína.

Diminuição da absorção de glicose.

Diminuição da atividade da hidrolase dispeptidase

Esteatorréia devido à baixa secreção de ácidos biliares e deficiência de secreção pancreática.

Diminuição da esterificação de ácidos graxos por excesso de ácidos biliares livres.

Efeitos nas defesas do hospedeiro:

Diminuição na secreção de IgA (diminui a capacidade de bloquear o ataque por microorganismos, enterotoxinas e antígenos.

Diminuição na produção de mucina (diminuição da função de barreira).

Aumento na absorção de macromoléculas (proteínas, toxinas bacterianas).

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Nutrição do recém‑nascido pré‑termo

Estudos em animais demonstram que há um decréscimo linear no DNA da mucosa e diminuição no turnover celular do intestino privado de nutrientes. Os fatores de cres‑ cimento presentes na dieta ou elaborados em resposta à sua presença desencadeiam a liberação de peptídios intestinais, como enteroglucagon, gastrina, peptídio inibidor de gastrina polipeptídeo pancreático – os quais garantem crescimento, motilidade e secreção do intestino.

Outros efeitos metabólicos têm sido observados em RN que recebem precocemente dieta, como baixas concentrações de bilirrubina e fosfatase alcalina em comparação com RN que recebem nutrição parenteral.

Além dessas funções, o intestino também funciona como uma barreira efetiva para reser‑ vatório de bactérias luminais. Esses organismos comensais são importantes na produção de vitamina K, no metabolismo de ácidos biliares e na produção de ácidos graxos de cadeia pequena pela fermentação anaeróbica (pela bactéria bífida e bacteroide).

Antes de iniciar a dieta enteral, o RN pré‑termo deve ser avaliado quanto às suas con‑ dições de receber nutrientes por via entérica: ausência de distensão abdominal e anor‑ malidades gastrointestinais (sangramento etc.), peristalse presente, eliminação prévia de mecônio e adequada perfusão periférica.

Dieta enteral tradicionalmente tem sido evitada em pacientes gravemente enfermos com instabilidade metabólica e hemodinâmica. Porém, o trato gastrintestinal tem sido reco‑ nhecido como um órgão crucial no trauma e em doenças graves, em especial pelo seu papel na adaptação metabólica e na defesa imunológica. Os nutrientes na luz intestinal reduzem o risco de translocação bacteriana e sepse. Chellis et al. (1996) demonstram, em seus estudos, que a nutrição enteral precoce é bem tolerada, sem complicações, como aspiração e/ou distensão abdominal em crianças gravemente enfermas. Da mesma forma, Davey et al. (1994) concluem que recém‑nascidos pré‑termo estáveis podem receber dieta enteral mesmo quando estão com cateter umbilical.

Claramente, o manejo da nutrição do RN pré‑termo não é simples. Porém, atualmente existe consenso de que o suporte nutricional dos bebês de muito baixo peso deve ter início logo após o nascimento e a nutrição trófica (pequenos volumes ofertados logo após o nascimento), preferentemente com leite humano, tem sido considerada como um estímulo para a maturação do trato gastrointestinal (ZIEGLER, 2009).

Essa reflexão é muito importante e há trabalhos sobre o tema com o objetivo de definir o quanto antes o papel de uma abordagem mais generosa nos recém‑nascidos pré‑termo. Um deles é o de Schanler et al. (1999) com 171 recém‑nascidos pré‑termo que receberam fórmula ou leite humano nos primeiros dias de vida, sob a forma de gavagem simples (bólus) ou infusão contínua. A conclusão foi que dieta precoce com leite humano, usando gavagem simples (bólus) é a que traz mais benefícios para o RN pré‑termo, não havendo complicações e diminuindo a morbidade.

Em 2000, Simpson et al. levam ao Pediatric Academic Society and American Academy of Pediatrics Joint Meeting um estudo com a conclusão que o início da dieta enteral

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Finalmente, uma revisão sistemática da Cochrane (BEAL, 2005) conclui que há vantagens em uma abordagem mais específica de incremento de dieta no período neonatal, com menor tempo para atingir o peso de nascimento e a dieta plena.