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Capítulo I O amor no Ocidente

1.2. A representação do amor idealizado e irrealizável na narrativa da modernidade

1.2.4. Amor de Perdição (1862)

Para finalizar a análise de obras românticas, em que sobressai a temática do amor idealizado e irrealizável, não podemos deixar de abordar uma das obras mais conhecidas e populares – Amor de Perdição –, da autoria do escritor português Camilo Botelho Castelo Branco (1825-1890)45.

Redigida durante um período bastante reduzido (15 dias) na sequência da detenção de Camilo na cadeia da Relação do Porto, juntamente com Ana Plácido (1831-1895), ambos acusados de crime de adultério46, e publicada em 1862, a novela Amor de Perdição evidencia a história de dois jovens, cuja união amorosa não resulta num final feliz.

45 Camilo Castelo Branco assume um papel de relevo no panorama da literatura portuguesa, não só pela quantidade de obras

publicadas, mas também pela diversidade de géneros que representa. De facto, Camilo elabora numerosas produções literárias, ao fazer da escrita o seu modo de subsistência, cedendo às exigências dos editores e aos gostos do público-leitor através de diferentes géneros de escrita. Camilo Castelo Branco escreve poesia, teatro, crónicas e faz traduções, mas destaca-se com a elaboração de novelas e romances, em cujas narrativas engloba várias tipologias de redação, o que confere à sua obra características muito distintas e, por conseguinte, peculiares. Citando José Régio,

[…] o romance de Camilo participa do folhetim, participa do panfleto, participa da crónica, participa do comentário, divagação ou confissão pessoal, participa do que geralmente chamamos novela, e até do que, num sentido técnico fixado, geralmente chamamos romance […] (Régio, 1964: 88-89).

Efetivamente, a multiplicidade e a quantidade de produções estão patentes na variedade que caracteriza a obra camiliana. De entre os numerosos títulos, podemos referir os seguintes: os poemas Os Pundonores Desagravados (1845) e O Juízo Final e o Sonho do Inferno (1845); as obras teatrais Marquês de Torres Novas (1849), Espinhos e Flores (1857), Abençoadas Lágrimas (1861); as obras de ficção Anátema (1851), Mistérios de Lisboa (1854), Onde Está a Felicidade? (1856), Um Homem de Brios (1856), a que se seguem O Romance de um Homem Rico (1861), Doze Casamentos Felizes (1861), Amor de Perdição (1862) e Memórias do Cárcere (1862).

A produção de Camilo intensifica-se, sobressaindo outras criações, como por exemplo, Amor de Salvação (1864), A Queda de um Anjo (1866), Os Mistérios de Fafe (1868), O Retrato de Ricardina (1868), O Regicida (1874), Novelas do

Minho (1875-1877), Eusébio Macário (1879), A Corja (1880) e A Brasileira de Prazins (1882), entre muitas outras obras.

46 A existência de Camilo Castelo Branco é caracterizada pela atribulação, pela irreverência e pela instabilidade. Na verdade,

o escritor vivencia uma diversidade de situações, que surgem muitas vezes representadas nas suas obras. Inscrito no curso de

Medicina, deixa de o frequentar, optando pelo curso de Direito, no qual não éadmitido, passando também pelo seminário, do

Ao associar amor, saudade e sofrimento, esta novela camiliana constitui o protótipo da ausência insuportável, traduzida no amor trágico, porque impossível ou apenas realizável numa vida sonhada para além da morte, inserindo-se, deste modo, na tradição literária ocidental, que remonta ao mito de Tristão e Isolda, em que se exalta o amor correspondido, mas condenado a não se realizar no mundo terreno.

Como paradigma da vivência de sentimentos dilacerantes, surge a reconhecida obra

Romeo and Juliet47 de William Shakespeare (1564-1616), uma tragédia escrita entre 1591 e 1595 sobre os amores de dois adolescentes de que resulta a morte de ambos, representando, assim, o modelo do amor juvenil irrealizável.

Também Amor de Perdição recorre a um enredo semelhante, podendo ser considerada o “Romeu e Julieta português”, repleto de amor e de dor, admiravelmente descritos por Camilo Castelo Branco, que, através dos acontecimentos narrados, consegue comover os seus leitores.

Subintitulada “Memórias de uma Família”, esta novela passional e, simultaneamente, crónica de costumes, porquanto representa os amores de dois jovens, assim como as tradições e os preconceitos, subjacentes a uma ideologia de classe (neste caso, a aristocracia), tem, como inspiração empírica, um caso relacionado com um familiar do escritor – o tio paterno Simão Botelho, preso por homicídio na cadeia da Relação do Porto.

Tendo acesso aos documentos nessa prisão, devido à detenção já referida, Camilo, a partir de um dado real, cria a sua história, insinuando que está a contar uma história documentada e, portanto, verídica:

amorosas, das quais se destaca a sedução e o rapto de Ana Plácido, casada com o negociante Manuel Pinheiro Alves (1807-1863). Após a absolvição de ambos e do falecimento do cônjuge de Ana, Camilo e a sua apaixonada casam-se anos mais tarde, consolidando a sua famosa paixão.

47 Romeo Montechi e Juliet Capulleti encontram-se num baile, apaixonando-se de imediato. Romeo e Juliet trocam juras de

amor e decidem casar-se. Contudo, os jovens pertencem a famílias que se odeiam e cujas inimizades constituem a causa do desenlace trágico, sendo essas animosidades posteriormente superadas após o falecimento dos protagonistas:

[…] A autoridade, ou mesmo a tirania, dos pais induz o conflito clássico entre o dever e a inclinação, e o romance de amor entre Romeu e Julieta defronta aquilo que é pelo menos convencionalmente entendido como sendo os deveres familiares. O problema de se conciliar a natureza com a convenção é um tema adequado ao drama […] (Bloom, 1993: 282).

Com o auxílio de um frade, que revela esperança na reconciliação das duas famílias de Verona, Romeo e Juliet casam-se. No entanto, depois de um duelo, Romeo é condenado ao exílio. Entretanto, o pai de Juliet decide que a filha deve casar com um jovem nobre, facto que a rapariga tenta evitar, pelo que recorre à opinião do frade, que a aconselha a tomar o conteúdo de um frasco que a fará adormecer. Dado o efeito pretendido, a família de Juliet considera-a morta e Romeo, que não é informado a tempo da morte aparente da sua amada, julgando tratar-se de um desaparecimento efetivo e, tomado pela loucura da perda, decide suicidar-se com veneno. Ao acordar e, vendo Romeo morto ao seu lado, Juliet suicida-se com um punhal. O amor de Romeo e Juliet representa, pois, um amor impossível levado ao extremo, devido às rivalidades existentes entre as duas famílias participantes na tragédia. O seu amor, ligado a sentimentos generosos, parece ser manifestamente bom e possível; porém, acaba por não triunfar, configurando-se como o símbolo dos jovens amantes condenados pelos seus sentimentos.

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Folheando os livros de antigos assentamentos, no cartório das cadeas da Relação do Porto, li, no das intradas dos presos desde 1803 a 1805, a folhas 232, o seguinte:

Simão Antonio Botelho, que assim disse chamar-se, ser solteiro, e estudante na Universidade de Coimbra, natural da cidade de Lisboa, e assistente na occasião de sua prizão na cidade de Vizeu, idade de dezoito annos […]. Foi para a India em 17 de Março de 1807 (Branco, 2007: 141).

Com a preocupação de fazer aceitar como verdadeiro o enredo, a fim de manter viva a sensibilidade e o interesse do leitor, visando obter a sua adesão e empatia48, Camilo explora esta coincidência e constrói ficcionalmente a história de Teresa de Albuquerque e de Simão Botelho, pertencentes a duas famílias de Viseu, que se odeiam por questões judiciais. Não obstante o ódio existente entre os pais dos protagonistas, os dois jovens, dada a proximidade das suas casas, apaixonam-se, mantendo um silencioso e discreto namoro:

[…] Da janela de seu quarto é que ele a vira a primeira vez, para amá-la sempre. Não ficara ela incólume da ferida que fizera no coração do vizinho: amou-o também, e com mais seriedade que a usual nos seus anos […] (Branco, 2007: 169-171).

Apesar da discrição, o amor entre os jovens é descoberto e os progenitores tentam anular a união amorosa de Teresa e de Simão, pretendendo casar a rapariga com um primo, Baltasar Coutinho. Por amor, Teresa recusa este casamento de conveniência e, como tal, o seu pai, o fidalgo Tadeu de Albuquerque, fá-la entrar num convento (primeiramente, em Viseu e, ulteriormente, em Monchique, no Porto).

Simão, que estudava em Coimbra, regressa à sua vida académica, a fim de se formar e poder juntar dinheiro para sustentar a família que deseja formar com Teresa, sendo que “[…] o destino, que ambos se prometiam, era o mais honesto […]” (Branco, 2007: 171). Ambos os protagonistas revelam dignidade ao quererem formalizar a sua união amorosa através do casamento; no entanto, a honra familiar e social impede-os de concretizarem a sua vontade.

Ao saber da decisão de Tadeu, Simão regressa a Viseu e encontra-se, à noite, com Teresa. Baltasar toma conhecimento destas visitas noturnas e prepara uma emboscada a Simão, que se faz acompanhar do ferrador João da Cruz. Simão é ferido, convalescendo na casa de João da Cruz, onde se hospedara, sendo assistido por Mariana, a filha do ferrador, a qual se apaixona pelo jovem.

48 Camilo refere-se à juventude do protagonista para despertar a atenção dos leitores e emocioná-los com o desfecho que a

intriga vai construindo: “[…] Dezoito anos! O amor daquela idade! […] Dezoito anos!... E degredado da pátria, do amor, e da família! […] A minha leitora, a carinhosa amiga de todos os infelizes, não choraria se lhe dissessem que o pobre moço perdera honra, reabilitação, pátria, liberdade, irmãs, mãe, vida, tudo, por amor da primeira mulher que o despertou do seu dormir de inocentes desejos?! […]” (Branco, 2007: 141-143).

Teresa e Simão mantêm contacto por carta, pelo que, ficando a saber da transferência de Teresa para Monchique e, na tentativa de resgatar a sua amada, Simão acaba por matar Baltasar, que acompanhava a prima, sendo preso e condenado à forca. Esta pena, por interferência do corregedor Domingos Botelho, pai de Simão, instigado por um familiar a interceder pelo filho, é, posteriormente, comutada em dez anos de degredo na Índia.

Ao embarcar, desde sempre acompanhado por Mariana, Simão vê Teresa acenar das grades do convento, cujo vulto, entretanto, desaparece, sendo o jovem informado pelo comandante do navio de que a sua apaixonada falecera. Dias depois, Simão falece e, no momento em que lançam o seu corpo ao mar, Mariana, abraçada a Simão, também mergulha. No cimo da água, fica a boiar um avental (o de Mariana) e um maço de papéis: as cartas de Teresa e Simão.

Se as grades surgem como símbolo do aprisionamento a que os jovens são sujeitos (convento e prisão), condenados pela intransigência das condições sociais, o mar simboliza a infinitude, a desejada liberdade (segundo Teresa, a liberdade do coração é tudo) e a almejada eternidade, onde os apaixonados se podem unir.

Também as cartas surgem, mais uma vez, com uma carga simbólica bastante expressiva, visto que, através da sua correspondência, Teresa e Simão exprimem os seus sentimentos e angústias, expondo a sua intimidade em páginas carregadas de lirismo confessional, funcionando as cartas como fator de aproximação entre os apaixonados, tal como sucede, sobretudo, em Julie ou la Nouvelle Héloïse, mas também em Die Leiden des

Jungen Werthers e em Viagens na Minha Terra, onde se põe em destaque a expressão

individual dos protagonistas: Werther e Carlos.

Impedidos de se verem e, dada a distância que sempre separa os protagonistas, a sua forma de comunicação é baseada na escrita, que representa, não só a expressão individual das afeições existentes entre ambos, mas também a descrição da sua autoanálise, fornecendo igualmente informações sobre a evolução dos acontecimentos.

De facto, as primeiras cartas constituem textos informativos, sendo que as restantes apresentam um discurso cada vez mais denso, decorrente de uma elaboração psicológica progressivamente mais acentuada.

Nas primeiras missivas, Teresa informa Simão da hipótese de vir a ser encerrada num convento, mostrando-se firme e fazendo apelo ao amor de Simão, chegando a desabafar sobre a corrupção que reina no convento em Viseu.

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preconceitos de estratos sociais em decadência, que levam ao desfecho dramático da intriga; por outro lado, relata a corrupção presente na vida religiosa (intrigas, materialismo, hipocrisia) e no sistema judicial, uma vez que o próprio meirinho propõe a Simão a fuga, a qual o jovem recusa, sendo ainda realçados os compromissos estabelecidos entre as diversas entidades judiciais, que atuam segundo a condição social dos culpados.

Podemos referir ainda a crítica que subjaz à instituição familiar, condicionadora dos afetos entre os jovens, que, embora resistindo às imposições dos pais, cujas tradições e fundamentos não consentem o seu amor, são conduzidos à morte, configurada como modo de libertação e de união eterna.

Esse desejo transcendental é igualmente expresso nas referidas cartas, trocadas entre Teresa e Simão, que aceitam esse desfecho como uma possibilidade de se encontrarem no Céu, fazendo referência ao fatal destino que os persegue e recordando projetos passados, como sucede com a passagem em que Teresa faz alusão à casinha, que Simão descreve, cercada de árvores, flores e aves, podendo os jovens passear nas margens do rio e em que a vida é, efetivamente, bela.

De salientar o facto de a casa familiar, símbolo do conforto e do amparo, surgir nesta novela como lugar de repressão – Teresa fica encerrada no seu quarto, Simão é expulso da residência dos pais –, pelo que os protagonistas constroem uma casa de sonho à procura da concretização do amor a que não tiveram acesso, sendo interessante que o seu primeiro encontro se realiza através da janela, como elo de ligação entre o interior (de Teresa e de Simão) e o exterior (sociedade), existindo uma cisão entre as personagens e o espaço social em que vivem.

À semelhança de Viagens na Minha Terra, a janela surge como elemento promotor da distinção entre a interioridade e a exterioridade, representadas, neste caso, pela pureza e pela inocência de Joaninha (espaço natural) e pela sociedade, protagonizada por Carlos (espaço social).

O espaço em que Teresa e Simão se movimentam evidencia a separação dos jovens (a rua que os torna distantes), o qual é progressivamente reduzido à medida que a intriga se desenvolve, aumentando a distância e a incomunicabilidade entre as personagens principais: da casa dos pais em Viseu, Teresa é enclausurada no convento (cela) e Simão fica detido na prisão, passando, depois, para o beliche do navio, de onde ressalta a distância notória entre os jovens, sendo o espaço habitado exíguo até ao desfecho da intriga. Se o espaço do “aqui” se estreita ao longo da diegese, tido como lugar de hostilidade (Simão) e de clausura (Teresa), no

final, o “além”, como espaço de esperança, amplifica-se como símbolo de um amor sem limites (mar / Céu / eternidade).

Narrativa de amor ou de amores e de perdição, esta novela camiliana descreve a dramaticidade, que atinge a vivência das personagens principais, a qual é desde logo tematizada pela escolha do título e da epígrafe, os quais sintetizam o enredo apresentado.

Com efeito, trata-se de narrar amores impossíveis, que conduzem à perdição das personagens intervenientes, sujeitas ao sentimento amoroso: Teresa e Simão vivem um amor puro, mas contrariado, um amor partilhado, que não se realiza, devido à oposição familiar, em que sobressai a luta dos jovens em defesa do seu amor contra as incompatibilidades das famílias, apoiadas em códigos de honra extremamente rígidos, representando uma sociedade fechada e inflexível, que não compreende e não valoriza os sentimentos afetivos e recíprocos; Mariana, ainda que conheça o amor intenso, que existe entre Teresa e Simão, nutre um sentimento mais profundo do que a amizade relativamente ao jovem, cuja afeição não é, contudo, correspondida. A inviabilidade deste amor torna-o, assim, também um amor impossível, vivido apenas por um elemento e cuja união não é realizável.

A triangulação amorosa construída nesta novela constitui, deste modo, uma característica distinta na produção de Camilo Castelo Branco, que cria uma personagem masculina amada, simultaneamente, por duas personagens femininas, sendo que os três intervenientes sofrem as consequências da ousadia do seu desafio, pagando, com a perda da própria vida, o seu gesto. O seu desafio consiste, afinal, no desejo de viver o seu amor, o qual atinge a sua plenitude na morte.

De facto, Amor de Perdição representa a vontade que os jovens demonstram em unir-se, não conseguindo, todavia, transpor os obstáculos, que impossibilitam a vivência dos seus sentimentos, abdicando do amor em vida e procurando vivê-lo para além da morte, adiando-o para a eternidade.

Anunciando a perdição de que as personagens são alvo – a vida amorosa é, segundo D. Francisco Manuel de Melo (1608-1666), na sua obra Epanáfora Amorosa (1660), afogada em lágrimas resultantes do desastre ou do arrependimento –, a novela em análise põe em confronto dois tipos de valores. Por um lado, surgem os valores absolutos relativos ao sentimento amoroso, expressos na determinação de Teresa ao renunciar ao casamento com o primo e ao aceitar a ida para o convento e na defesa do valor da honra por parte de Simão que, juntamente com a sua amada, luta por um ideal numa sociedade onde o amor é substituído pelo orgulho; por outro lado, são apresentados os valores sociais concernentes aos códigos de

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Se Teresa e Simão enfrentam os que se lhe opõem e o fazem em defesa da sua honra pessoal, resultante do processo de consciencialização individual, que advém do encontro amoroso, baseando-se, assim, no código do amor, os seus progenitores agem segundo preconceitos de honra social, revelando-se austeros nas decisões assentes nas convenções da sociedade, preferindo perder os filhos a perder a sua dignidade social, demonstrando a sua alienação49.

Assim, não encontrando espaço na sociedade para a realização do seu amor, Teresa e Simão sucumbem à tragédia, cuja vivência e desfecho podem ser sintetizados pela expressão utilizada pelo próprio narrador quando se refere ao seu tio Simão Botelho e cujo aprisionamento serve de inspiração à narrativa de Amor de Perdição: “[…] Amou, perdeu-se, e morreu amando […]” (Branco, 2007: 143).

Efetivamente, esta expressão resume a existência das personagens que, nesta intriga camiliana, amam: Teresa, uma “[…] menina de quinze anos, rica herdeira, regularmente bonita e bem-nascida […]” (Branco, 2007: 169), o modelo da mulher-anjo delicada e frágil, mas forte e corajosa50, ama Simão – “[…] O amor de Teresa […] era verdadeiro e forte, […]

[sendo] uma excepção no seu amor […]” (Branco, 2007: 171). No entanto, este amor, a que a jovem se entrega apaixonadamente, condu-la à recusa das imposições familiares, o que revela a firmeza e a coragem da jovem, mas que a leva à morte; Simão, um jovem de “[…] génio sanguinário […]” (Branco, 2007: 161), cujos

[…] quinze anos têm aparência de vinte, [sendo] forte de compleição; belo homem com as feições de sua mãe, e a corpulência dela; mas de todo avesso em génio […] (Branco, 2007: 161),

também ama Teresa, sendo que, por esse amor, mata Baltasar, o pretendente da sua amada, e é preso. A valentia, o sentido de honra e a nobreza de caráter, revelados por Simão, transformam o protagonista no típico herói romântico, que da rebeldia da juventude51 passa à benevolência, expressa nas cartas que dirige a Teresa, onde transcreve a sua sensibilidade

49 O contraste entre o projeto de Teresa e Simão e o antagonismo dos seus pais é bastante visível, sendo que “[…] o ódio,

mascarado de integridade ou sentimento da honra familiar […] move influências, insinua pretensões, serve-se da justiça para alcançar os seus fins […]” (Lemos, 1981: 42-43).

50 Frágil fisicamente, Teresa é moralmente forte: “[…] É mulher varonil, tem força de carácter, orgulho fortalecido pelo

amor, despego das vulgares apreensões, se são apreensões a renúncia que uma filha faz do seu alvedrio às imprevidentes e caprichosas vontades de seu pai […]” (Branco, 2007: 191).

51 Antes de ser atingido pelo sentimento amoroso, Simão é um jovem rebelde, defensor dos ideais da Revolução Francesa,

inconformado e inconstante, que “[…] emprega em pistolas o dinheiro dos livros, convive com os mais famosos perturbadores da academia, e corre de noite as ruas insultando os habitantes e provocando-os à luta com assuadas […]. Na plebe de Viseu é que ele escolhe amigos e companheiros […]” (Branco, 2007: 161).

poética. A modificação no temperamento do jovem é, com efeito, alcançada, porque Simão está apaixonado, agindo segundo os seus sentimentos:

[…] No espaço de três meses fez-se maravilhosa mudança nos costumes de Simão. As companhias da ralé desprezou-as. Saía de casa raras vezes, ou só, ou com a irmã mais nova, sua predilecta. O campo, as árvores, e os sítios mais sombrios e ermos eram o seu recreio. Nas doces noites de estio demorava-se por fora até ao repontar da alva. Aqueles que assim o viam admiravam-lhe o ar cismador e o recolhimento que o sequestrava da vida vulgar […]. Simão Botelho amava. Aí está uma palavra única, explicando o que parecia absurda reforma aos dezessete anos […] (Branco, 2007: 169).

A sua luta contra os preconceitos é, porém, intransponível, mostrando-se o jovem revoltado perante as frustrações, perante o mundo, que admite injustiças e falsos pundonores52, mas corajoso aquando da procura da realização do seu amor, da procura do seu ideal contra a sociedade. O absoluto de Simão é, contudo, impossível de ser alcançado no espaço terreno, pelo que morre amando.

Como Teresa e Simão, também Mariana, uma rapariga do povo, formosa, trabalhadora, generosa, gentil e determinada, é atingida pelo amor, perdendo-se, dado que, dedicando-se a um sentimento não correspondido, acaba por se suicidar, na sequência da morte de Simão.

Na verdade, a jovem representa o amor puro e abnegado, cuja nobreza de caráter é revelada, por exemplo, nos cuidados que expressa relativamente a Simão quando o jovem se