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Capítulo I A Inglaterra em finais do século X

1.1. Enquadramento histórico-social: a nova civilização burguesa e industrial

1.1.1. As mudanças do país no século XVIII

A Inglaterra atinge, no século XVIII, um notável desenvolvimento, visto que, nesta época, se fazem sentir os benefícios resultantes de sucessivas condições criadas nos séculos anteriores, decorrentes de medidas tomadas pelos soberanos ao longo do tempo e que permitem, não só a unificação do país, mas também a consolidação da economia e do comércio, que prosperam e que tornam a Inglaterra uma das principais potências mundiais.

Isabel I (1533-1603), filha de Henrique VIII (1491-1547), distingue-se como a rainha, que consegue dominar a aristocracia, retirando-lhe a posse das terras para as conceder à pequena e à média nobreza rural (gentry), situação que ocorre, muito mais tarde, em Portugal, com a extinção dos morgadios e dos vínculos nobiliárquicos.

As diversas medidas tomadas agradam à burguesia, nova classe que se encontra em ascensão, a qual, devido ao poder absolutista, não vê, no entanto, fomento na sua atividade comercial, porque grande parte dos recursos do Estado provém da venda de monopólios que apenas favorece a parte financeira desta classe social.

A burguesia comercial é, assim, prejudicada, não tendo possibilidade de usufruir de liberdade para as suas atividades, sendo obrigada a comprar produtos indispensáveis ao seu trabalho a elevado custo.

Outro problema, que acresce às dificuldades desta burguesia, é o facto de a subida de preços e a expansão do consumo de alimentos e de matérias-primas valorizarem as terras, pelo que os produtores rurais tentam aumentar as propriedades nas quais se investe capital no sentido de aumentar a produção, o que leva a desentendimentos entre a burguesia e a realeza.

Do mesmo modo, a diferenciação entre campo e cidade é bastante acentuada. No espaço rural, permanecem a aristocracia e os pequenos e médios proprietários enquanto, nas cidades, se encontram os elementos pertencentes às corporações de ofícios, iniciando-se, porém, um período de progresso, marcado pelos primeiros passos na fundação do império britânico.

Mais tarde, Carlos I (1600-1649), filho de Jaime VI da Escócia e I de Inglaterra (1566-1625), que sucede a Isabel I, reina com poder absoluto, num período que fica conhecido, na história de Inglaterra, como os onze anos de tirania (1629-1640).

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Os desentendimentos políticos e os protestos aumentam, gerando-se uma rebelião, que opõe o rei ao Parlamento – a Revolução Inglesa –, em que se confrontam Cavaliers86

(apoiantes do rei) e Roundheads87 (apoiantes do Parlamento e, por conseguinte, dos direitos do povo). Os Roundheads vencem, devido à organização de um novo exército por parte de Oliver Cromwell (1599-1658), estadista e estratega militar, que, deste modo, põe fim ao poder absoluto da monarquia inglesa, instaurando uma república com ideais puritanos, sob a égide da intolerância e da perfeição.

Governando o país sob um despótico regime militar, Cromwell toma várias medidas que consolidam o governo inglês, permitindo que o país domine os mercados mundiais, tornando-se, assim, a Inglaterra uma grande potência marítima. Seguem-se, no entanto, períodos conturbados: restaura-se a monarquia, mas assiste-se também à substituição sucessiva de monarcas.

Em 1689, é aprovada a Declaração de Direitos, que estabelece restrições ao poder real, declarando, por exemplo, que o rei não pode suspender leis aprovadas pelo Parlamento nem aumentar os impostos sem o consentimento parlamentar ou interferir nas eleições parlamentares.

Com a promulgação desta Declaração, que cede poderes ao Parlamento, a nobreza rural e a burguesia adquirem benefícios, uma vez que o poder monárquico é limitado, ficando aberto o caminho para a instalação de uma monarquia parlamentar.

Efetivamente, os acontecimentos de 1688, designados por Revolução Gloriosa (1688-1689), que geram a queda do rei Jaime II (1633-1701), resultando na união entre o sucessor, de origem holandesa, Guilherme de Orange (1650-1702) e o Parlamento, constituem os fundamentos principais de uma feliz e gloriosa revolução, porquanto a Inglaterra sofre uma transformação, que consiste na passagem do regime despótico para a realeza constitucional.

Com a subida ao trono de Ana I (1665-1714), que, em 1707, passa a ser considerada a primeira rainha da Grã-Bretanha, devido à união efetuada entre a Inglaterra e a Escócia88, o prestígio do país é completo, porque, além da expansão do território, que inclui inúmeras colónias e do êxito dos seus exércitos, é confirmado o seu estatuto como grande potência marítima.

86 Cavaliers – grupo que, mais tarde, dá origem à política conservadora, preconizada pelos Tories (Partido Conservador). 87 Roundheads – grupo com posições de esquerda e de centro-esquerda, defendidas pelos Whigs (partido que, mais tarde, está

na origem do Partido Trabalhista).

88 O País de Gales é integrado aquando da promulgação do Ato de União de 1536 por Henrique VIII e a Escócia, em 1707,

e na primeira metade do século XIX

No que se refere às questões sociais, a Inglaterra do século XVIII não é somente uma aristocracia temperada pela revolta, mas é também uma oligarquia, em que o poder, concentrado num reduzido número de indivíduos, é marcado pela familiaridade, o que comprova o facto de se começarem a estabelecer relações mais íntimas e profícuas entre nobres e plebeus, através do casamento, ultrapassando-se diferenças de classes, o que constitui uma transformação fundamental, decorrente de uma maior flexibilidade e de uma abertura de mentalidades, que se vão repercutir na sociedade portuguesa.

Nesta época, o povo das aldeias começa a ser visto como muito semelhante aos elementos da nobreza ou da burguesia, sendo que os seus divertimentos são, mais ou menos, iguais aos dos nobres, do clero e dos negociantes, revelando as mesmas virtudes e os mesmos vícios.

É, deste modo, evidente a existência de um equilíbrio na sociedade através da respetiva hierarquização, cuja estabilidade será, todavia, destruída, na segunda metade do século XVIII pelo progresso das máquinas e pela desertificação dos campos, gerando-se, consequentemente, o aumento populacional nas cidades.

Entre 1760 e 1801, Jorge III (1738-1820) reina na Grã-Bretanha, que, a partir do Ato de União de 1800, passa a designar-se Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda com a integração desta. Durante este reinado, ocorre a guerra da independência dos Estados Unidos da América, que tem lugar em 1776. As treze colónias britânicas revoltam-se contra a exploração feita pela metrópole inglesa, devido aos gastos exagerados resultantes da guerra com a França na chamada Guerra dos Sete Anos, que decorre entre 1756 e 1763.

Entretanto, os grandes proprietários tentam convencer os lavradores a fecharem os campos por meio de cercamentos (enclousures), adquirindo terras lavradas e baldias para aplicação de novos métodos de cultura, o que torna o Reino Unido um dos maiores celeiros da Europa, situação que ocorre a par da expulsão dos camponeses das terras, os quais são obrigados a deslocarem-se para as cidades à procura de empregos nas pequenas fábricas que surgem. Por outro lado, a expansão comercial e marítima favorece, paulatinamente, a burguesia, que desenvolve a produção capitalista, prosperando a sua atividade.

Com a situação resultante da Revolução Inglesa, que, como referimos anteriormente, pôs o rei em confronto com o Parlamento, são criadas as condições para o avanço económico e, por consequência, para a Revolução Industrial, que provoca mutações marcantes em todo o Ocidente.

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Iniciada, em Inglaterra, por volta de 1750, num período em que o país reúne uma série de condições económicas, sociais e políticas favoráveis, a Revolução Industrial difunde-se por toda a Europa ao longo do século XIX, desenvolvendo-se uma melhoria na produção (que é até então artesanal), sendo os produtos fabricados em série e resultando deste sistema a criação de uma nova classe social: o proletariado.

O êxodo rural faz aumentar a população urbana e a mão de obra. A burguesia, tendo em vista maiores lucros, menores custos e produção acelerada, procura alternativas para a produção de mercadorias, pelo que a mecanização dos sistemas produtivos vem facilitar esse processo.

Para além da abundância e da mobilidade de capitais, de estruturas políticas flexíveis e de uma burguesia empreendedora, contribui também para o progresso inglês o facto de a Inglaterra possuir abundantes matérias-primas, como grandes reservas de carvão, a principal fonte de energia para movimentar as máquinas e as locomotivas a vapor, sendo ainda detentora de minério de ferro, o que permite desenvolver e expandir a sua industrialização.

Esta aceleração de produção proporciona a redução do preço das mercadorias e o aumento do consumo por parte da população, que cresce significativamente durante este período, devido às melhores condições de higiene e de saúde.

Apesar do progresso, as consequências, advenientes das mudanças que se fazem sentir, provocam também alguns constrangimentos: as fábricas apresentam condições precárias; os salários são baixos; existe trabalho infantil e exploração económica das mulheres e os trabalhadores não têm quaisquer direitos, situação que é alterada, posteriormente, através da criação de sindicatos.

A instabilidade e a injustiça de que as classes mais desfavorecidas se queixam, o êxodo rural, a poluição ambiental e sonora, o desemprego e o crescimento desordenado das cidades constituem fatores negativos provocados pela Revolução Industrial.

Em 1789, tem lugar a Revolução Francesa, “[…] o acontecimento mais importante e mais afortunado na história do mundo […]” (Maurois, s/d: 228), que principia com o momento da tomada da Bastilha, como símbolo do poder real e cujos princípios se repercutem, ulteriormente, por todo o mundo ocidental.

Inimiga tradicional de Inglaterra, a França, com todos os seus ideais, enunciados pela Revolução Francesa, não agrada aos ingleses, dado que é destruída a instituição monárquica a favor da reconstrução de um outro regime com base na razão, o que, para os ingleses não é

e na primeira metade do século XIX

justificável, pois consideram necessário fundar os valores e os princípios sobre a história construída ao longo dos tempos.

Além disso, a revolução metodista, iniciada em Inglaterra no século XVIII, quando um grupo de estudantes da Universidade de Oxford, sob a liderança de John (1703-1791) e de Charles Wesley (1707-1788), passa a reunir-se com o intuito de fortalecer e renovar a espiritualidade daqueles que comungam da religião anglicana, cria um novo espírito na população, que não vê com agrado o laicismo da Revolução Francesa.

O metodismo, como movimento de rejuvenescimento religioso, enfatiza a relação íntima do indivíduo com Deus, iniciando-se pela conversão pessoal e preconizando o seguimento de uma vida assente na ética e na moral cristãs, princípios fundamentais para a estabilidade de uma sociedade, fundada na harmonização individual e, por conseguinte, no equilíbrio social.

Dada a sua organização, este grupo é apelidado de metodista, porque apresenta práticas de vida, baseadas no método e na disciplina, procurando contribuir para a formação de uma sociedade mais justa e igualitária, surgindo, assim, outras confissões não-conformistas89 relativamente à religião oficial (o anglicanismo), que fundam as suas

próprias comunidades protestantes, numa época conturbada pela Revolução Industrial, marcada pelo elevado número de desempregados e de mendigos, pela violência e pela apatia religiosa.