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Capítulo I O amor no Ocidente

1.2. A representação do amor idealizado e irrealizável na narrativa da modernidade

1.2.2. Die Leiden des Jungen Werthers (1774)

À semelhança de Julie ou la Nouvelle Héloïse, também a obra, publicada em 1774 por Johann Wolfgang von Goethe – Die Leiden des Jungen Werthers –, é um romance epistolar, em que é narrada a história sofrida de uma personagem masculina, Werther. Marcado por um amor profundo, não correspondido, o jovem, por não viver um amor realizável, suicida-se:

[…] Die menschliche Natur, fuhr ich fort, hat ihre Grenzen: sie kann Freude, Leid, Schmerzen bis auf einen gewissen Grad ertragen und geht zugrunde, sobald der überstiegen ist […]30 (Goethe, 1962: 57).

Werther é um jovem de temperamento extremamente sensível e apaixonado, que deseja ser artista, pelo que se desloca para a pequena aldeia idílica de Walheim, onde passeia

29 “[…] A primeira metade da obra constitui um hino à paixão soberana e singular. É um retorno beneficente, princípio de

vida profundo e virtuoso […]. A segunda metade do romance concentra-se na paz beneficente de um casamento sem amor, mas marcado pela estima, pela honestidade, pelo trabalho, pela benevolência e pelo amor das crianças […]”.

30 “[…] A natureza humana tem os seus limites. Pode até certo ponto suportar a alegria, a mágoa, a dor, mas passado esse

pela natureza e de onde retira impressões para os seus desenhos. Fugindo da cidade, Werther fica longe da família e dos amigos, mantendo apenas comunicação com Wilhelm, confidente dos seus sentimentos íntimos, através de cartas nas quais a personagem principal faz um relato muito íntimo da sua estadia nessa aldeia, expressando o encanto que sente pelas maneiras simples dos camponeses e pela própria paisagem natural:

[…] Übrigens befinde ich mich hier gar wohl. Die Einsamkeit ist meinem Herzen köstlicher Balsam in dieser paradiesischen Gegend, und diese Jahrszeit der Jugend wärmt mit aller Fülle mein oft schauderndes Herz. Jeder Baum, jede Hecke ist ein strauβ von Blüten, man möchte zum Maienkäfer werden, um in denn Meer von Wohlgerüchen herumsch weben und alle seine Nahrung darin finden zu können […]31 (Goethe, 1962: 9).

Nesse local, Werther conhece Charlotte, uma jovem bela, responsável pela educação dos irmãos, pela qual Werther se apaixona, encontrando nela muitas afinidades, narrando, nessas cartas, a sua história de paixão e tragédia com a jovem:

[…] Oh, daβ ich nicht an deinen Hals fliegen, dir mit tausend Tränen und Entzückungen ausdrücken kann, mein Bester, all die Empfindungen, die mein Herz bestürmen! Hier sitze ich und schnappe nach Luft, suche mich zu beruhigen, erwarte den Morgen, und mit Sonnenaufgang sind die pferde bestellt […]32 (Goethe, 1962: 67).

Desde o primeiro encontro, Werther sabe que a jovem está prometida a um noivo mais velho que ela, Albert, por quem Werther revela admiração e amizade. No entanto, o tempo constitui um elemento de sofrimento para os seres subjugados pela paixão. Com o convívio diário, Werther apaixona-se cada vez mais: passeios no campo, longas conversas, recitação de poemas, todos os momentos contribuem para que o protagonista esqueça o mundo envolvente e só conceda importância a Charlotte.

Culpando-se do amor que sente pela jovem, Werther muda-se para outra região, mas não consegue esquecer a amada, tentando, por vezes, afastar esse pensamento, sabendo que não poderia concretizar o seu amor. Todavia, a certeza de que Charlotte também o ama conduz Werther a regressar, sendo fatalmente atingido pela paixão.

Charlotte casa-se com Albert, o qual passa a ter ciúmes de Werther, que, percebendo o incómodo que causa ao casal, continua somente a nutrir um amor platónico por Charlotte.

31 “[…] Encontro-me aqui muito bem. A solidão destes celestes campos é um bálsamo para o meu coração, cujos frémitos

sossegam com o doce calor desta estação em que tudo se renova. Cada árvore, cada arbusto forma um ramo de flores e temos vontade de nos transformar em borboleta para volitar neste mar de perfumes e nele sugar o alimento […]”.

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Entretanto, Werther promete não voltar a visitá-la e, no último encontro com a jovem, lê em voz alta poemas, que levam ambos a comoverem-se, a chorarem, a abraçarem-se e, finalmente, a beijarem-se. Contudo, Charlotte afasta-o, referindo que nunca mais o quer ver, pedido a que Werther acede.

É interessante verificar que a poesia, como forma literária privilegiada para a expressão dos sentimentos, surge, no romance, como promotora de uma relação mais próxima entre as personagens principais, sendo retomada, neste momento, quando tudo se encaminha para o desfecho. Na verdade, mais uma vez a poesia permite uma aproximação entre os heróis da intriga amorosa, não surgindo, porém, como a solução feliz para os apaixonados: “[…] Muβte dem das so sein, daβ das, was des Menschen Glück seligkeit macht, wie der die Quelle seines Elendes würde? […]33” (Goethe, 1962: 61).

De facto, Charlotte sabe que ama Werther, mas também tem conhecimento de que esse amor é irrealizável, pelo que pede o afastamento do jovem, igualmente consciente da impossibilidade daquela relação.

Para Werther, a vida só tem um sentido – o seu amor por Charlotte: “[…] He [Werther] is in love with his own vision of Lotte, which is a vision created by his own concepts of paradise, harmony, simplicity, nature […]34” (Blackall, 1976: 27).

A vida deixaria de ter sentido se ele perdesse a sua amada, pelo que resolve suicidar-se, solicitando as pistolas de Albert e alegando que ia viajar, pelo que precisava de proteção. Charlotte, com o coração despedaçado, envia-lhe as armas. Ao ver perdidas todas as esperanças de ficar com a jovem, Werther beija apaixonadamente as armas em que a sua amada tocara e dispara um tiro na cabeça:

[…] Der Sauerteig, der mein Leben in Bewegung setzte, fehlt; der Reiz der mich in tiefen Nächten munter erhielt, ist hin, der mich des Morgens aus dem schlafe weckte, ist weg […]35 (Goethe, 1962: 78).

A morte de Werther constitui, deste modo, a prova da intensidade do amor romântico, da paixão exacerbada e fatal, que culmina no suicídio, tido como o meio de resolução do homem romântico perante a impossibilidade de concretização do amor.

33 “[…] Porque é que aquilo que faz a felicidade do homem se transforma também na fonte do seu sofrimento? […]”.

34 “[…] Ele [Werther] está apaixonado pela própria visão de Lotte, que constitui uma visão criada pelos seus próprios

conceitos de paraíso, harmonia, simplicidade, natureza […]”.

35 “[…] Falta-me o fermento que fazia levedar a minha vida; falta-me o encantamento, que me mantinha desperto durante a

De expressão “[…] simples, reiterativa, de monótona plangência, reflexo da obsessão amorosa […]” (Coelho, 1978 b: 48), o amor romântico é, por conseguinte, concebido como incondicional à mulher, que adquire valor como ser originador de alegria ou de tristeza, sendo igualmente concetualizado como emoção viva decorrente das qualidades físicas e morais da figura feminina, mas cuja união se torna impossível.

Os sentimentos intensos da paixão ofuscam a razão e, só na morte, Werther, assim como Julie, encontram a solução para a sua felicidade, porquanto, segundo os heróis românticos, deixando a vida de fazer sentido pela ausência da amada ou do amado, não vale a pena viver na angústia dessa perda ou da intangibilidade desse amor, pelo que apenas resta a concretização de um final trágico.

Constituindo o romance pioneiro do movimento alemão setecentista Sturm und Drang (tempestade e ímpeto ou tumulto e violência), que se apresenta como reação contra o racionalismo da época, postulado pelo Iluminismo, defendendo, pelo contrário, uma literatura espontânea, onde se valoriza o efeito da emoção e o primado da expressão individual, Die

Leiden des Jungen Werthers marca a transição para a estética romântica, demonstrando

algumas características típicas dessa nova corrente artística.

Podemos referir, por exemplo, por um lado, o abandono do normativismo, isto é, o escritor, como ser inspirado, não precisa de se prender a regras para criar, bastando utilizar o seu talento, promovendo-se, deste modo, a liberdade de produção. Por outro lado, estão patentes aspetos importantes do Romantismo como a subjetividade através da valorização dos sentimentos e das emoções individuais em detrimento da razão e do pensamento objetivo; o egocentrismo e a dramaticidade, representados pelo desejo de posse exclusiva da amada e pelo desenlace final – “[…] Alles, alles ist vorüber gegangen! Kein Wink der vorigen Welt, kein pulsschlag meines damaligen Gefühles […]36” (Goethe, 1962: 91) –; a idealização da figura feminina, em que a mulher surge como um ser superior que o romântico procura alcançar e o vínculo com a natureza como elemento, emocionalmente, inspirador e cenário dos momentos mais significativos.

De facto, Goethe expressa de forma evidente a sua introspeção acerca do próprio amor e angústia, visto que, em 1772, ao trabalhar como advogado na sede da corte da justiça imperial, conhece Charlotte Buff (1753-1828), noiva de um colega seu, apaixonando-se pela jovem, pelo que o autor também passa por um relacionamento platónico, não concretizável e, por isso, sofredor, transpondo-o para a ficção através do romance epistolar, no qual

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[…] o desajuste entre o escrito e o vivido é ainda menor, pois que em princípio o redactor escreve a sua vida no próprio momento em que a vive […] (Bourneuf e Ouellet, 1976: 247),

procurando sensibilizar os leitores.

Na verdade, o escritor “[…] não descreve no «Werther» apenas o seu próprio caso; desenvolve as consequências fatais do exacerbamento da sensibilidade subjetiva […]” (Martini, 1961: 146).

Segundo o escritor, só o amor torna necessária a existência dos seres humanos, sendo preferível viver melancolicamente, mas com amor do que alegremente sem poder experienciar este sentimento, pelo que o verdadeiro amor é aquele que permanece sempre. Assim sucede com Werther e também com Julie, que, unicamente na eternidade, podem manter a chama da paixão, podem conservar a durabilidade do seu amor: “[…] Wilhelm, was ist unserem Herzen die welt ohne Liebe! Was eine Zauberla terne ist ohne Licht! […]37” (Goethe, 1962: 47).

Não querendo romper com as convenções e com as regras morais prescritas pela sociedade da época, que respeitam a união matrimonial, o romance do jovem Werther resulta na aceitação de um amor impossível por parte dos dois protagonistas, que, assim, se resignam a um desfecho dramático, principalmente, para o herói masculino, o qual se deixa contagiar pelas forças irrefletidas da paixão e cede ao impulso de, pelas próprias mãos, completar o seu percurso terreno, estabelecendo-se, desta forma, o conflito entre o sentimento e o dever, entre a tão desejada felicidade e a prática dos preceitos morais.

Citando as palavras de Denis de Rougemont, “[…] paixão significa sofrimento […]” (Rougemont, 1989: 13), sendo que o amor romântico surge como expressão desse padecimento e desse dramatismo, caracterizando-se pela dualidade: por um lado, temos a expressão idealizada do amor, o qual segue os valores da honra mas se depara com dificuldades, que passam por questões relacionadas com preconceitos sociais e a fidelidade convencionada pela moralidade (Julie não quebra os pressupostos matrimoniais) e, por outro lado, é representada a paixão avassaladora, que também não se concretiza e que, do mesmo modo, termina de modo infeliz (Werther suicida-se).