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Análise comparativa dos desenhos

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Capítulo III: Resultados e Discussão

3.4 Mu(danças) Pós Processo Arteterapêutico

3.4.2 Análise comparativa dos desenhos

Nesta sessão serão apresentadas as análises dos desenhos produzidos pelas participantes Ana e Beatriz, visto que, como determinado a priori, seria realizada a análise comparativa dos desenhos da fase Pré Processo e da fase Pós Processo Arteterapêutico. Como essas duas participantes foram as únicas a realizar os desenhos durante as fases acima mencionadas, a análise comparativa se fez possível apenas no caso delas.

Segundo Van Kolck (1984) a técnica de Desenho Livre é um recurso que está inserido em um conjunto caracterizado por desenhos atemáticos para os quais não é solicitado um tema específico para sua realização, ficando livre, à escolha do indivíduo que o realiza (citado por Carlos, Fonseca & Gonçalves, 2007). Durante a produção dos desenhos, seja na fase Pré Processo, como na fase Pós Processo Arteterapêutico, foi estimulada a projeção dos elementos da personalidade proporcionando uma compreensão dinâmica das características e do funcionamento do individuo (Buck, 2009).

“Sendo um processo inconsciente, o desenho retrata, em linguagem gráfica, o sentimento de quem desenhou” (Faria & Fugerato, 2005, p.702). Para tanto, foi investigada, de cada uma das participantes, a progressão quanto ao grafismo e projeção a respeito de si mesmas antes de terem sido submetidas ao grupo arteterapêutico e depois do contato com a dança.

Segundo Hammer (1969), citado por Buck (2009),

A técnica (em desenhos) atinge o nível de pensamento primitivo pictórico. Ele está no mesmo plano que o do próprio pensamento inconsciente... Parece que o afeto proveniente de uma figura alcança mais profundamente o inconsciente do que a linguagem, devido ao fato da expressão pictórica ser mais adequada ao estágio de desenvolvimento em que o trauma ocorreu; ela permaneceu mais dentro da amplitude do concreto e do físico do que a expressão verbal (p. 144).

Na técnica de Desenho Livre a personalidade do sujeito, bem como seus elementos inconscientes, se manifestam devido à liberdade que é concedida a este diante da realização da atividade (Derdyk, 1994). Portanto, essa técnica foi utilizada nesta pesquisa

como suporte aos demais instrumentos. A análise14 realizada foi de cunho subjetivo permitindo a investigação dos elementos gráficos projetivos expressos nos desenhos.

3.4.2.1 Desenhos de Ana (Anexo B)

No Desenho Livre Pré Processo Arteterapêutico Ana desenhou a si mesma de lado, grávida, com olhos fechados, cabeça baixa e segurando uma rosa. Ao centro da rosa foi desenhada uma bailarina. Ela usou apenas lápis de escrever na cor preta, não colorindo seu desenho. Segundo sua descrição escrita, Ana está grávida à espera do bebê que ela perdeu devido ao aborto sofrido na situação de violência obstétrica. Ela está cuidando de sua filha (a bailarina sobre a rosa) “que está desabrochando como uma flor”.

Ana se apresentou graficamente como uma pessoa vaidosa. Trouxe alegorias para além de sua própria imagem, sugerindo dificuldade de aceitação de si mesma e demonstrando também a necessidade de aceitação de terceiros. Ela trouxe, por meio de relatos, algumas dessas características expressas no desenho:

Ana – fala 1:“Minha filha é um... o meu ponto, onde eu faço qualquer coisa pra ver

ela feliz. Meu ponto de equilíbrio (...) Eu tava fazendo tudo isso em função da minha filha. Eu via, eu me realizava vendo minha filha, mas dentro de mim tava fechado, como se eu estivesse me escondido dentro de uma gaiola, dentro da minha alma mesmo ali e... e... e não me permitisse mais sair, sabe?! E eu simplesmente não estava vivendo, só em função dela, da L. (filha de Ana), da minha filha”.

Ana – fala 2:“Eu era forte, eu socorria, as pessoas assim que tava doente. Eu

reanimava pacientes até chegar a SAMU. Ajudava. Hoje se alguém chegar pra mim e falar que fulano ta passando mal, eu já não tenho condições. Ou seja, isso mexeu com minha estrutura”.

No Desenho Livre Pós Processo Arteterapêutico, Ana apresentou características diferentes do primeiro desenho. Desenhou um pássaro voando com as suas asas abertas e nuvens a seu redor. No canto inferior esquerdo colocou uma gaiola com a portinhola

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Realizada pela autora do presente estudo, Graduada em Psicologia e Mestranda em Psicologia; e pela pesquisadora Stéphany Gutierrez Costa Ferreira Cardoso, Graduada em Psicologia, MBA em Saúde Mental e Dependência Química, Pós Graduada em Psicologia do Trânsito e Pós Graduanda em Neuropsicologia.

aberta. O pássaro, assim como a mulher no desenho anterior, está de olhos fechados. Novamente Ana usou apenas o lápis de escrever na cor preta mantendo um desenho sem colorir.

Em sua descrição escrita, Ana disse que antes de participar do grupo sentia-se

“presa em mim mesma”. No entanto, com o decorrer dos encontros foi percebendo que ela

mesma podia abrir a gaiola de sua alma e voar. Relatou enxergar novas possibilidades em sua vida e tentar usufruir delas. Em seus relatos Ana revelou:

Ana – fala 1:“Hoje eu sou livre, pois tenho motivos para continuar, quem impedia

meu vôo era eu mesma”.

Ana – fala 2:“Eu me vi, eu Ana, porque até então... (risos) Mas, depois eu comecei

a, a... perceber assim que eu era, não, que eu sou uma pessoa, e eu tenho uma identidade, né?! Aí eu comecei a me ver novamente, porque como eu disse a você, eu não me via. E eu voltei a ser a Ana”.

Ana – fala 3: “Eu senti como se você abrisse uma gaiola que eu estava dentro dela

e eu saí. Obrigado por você achar a chave (risos) e me tirar de dentro dela”. Em ambos os desenhos Ana representou-se, seguindo as orientações fornecidas. No primeiro como uma mulher ainda aprisionada à imagem materna, onde sua filha era prioridade e o bebê perdido ainda estava ali presente em seu ventre. No sexto encontro, no momento de Expressão Verbalizada, Ana declarou:

Ana: “Hoje eu me vi mulher, eu não me vi uma mãe, gestante, coisa mais estranha,

num sei explicar (...). Eu ficava olhando pros movimentos da minha barriga esperando ela mexer, sabendo que num ia, a gente mente pra gente mesmo. E hoje eu tava aqui deitada, assim, me sentindo mulher (...). A sensação que eu tive assim... como se eu tivesse tendo oportunidade de recomeçar (...). E tava observando como se cada movimento meu fosse uma entrega, como eu te explico?! Como se eu tivesse deixando pra trás tudo, num sei te explicar, eu acho que assim, eu nunca tinha liberado meu filho, você entendeu? (começou a chorar), desculpa! E olha que eu tava fazendo o movimento assim e eu senti como se eu tivesse liberando ele. Eu senti no meu coração a vontade de começar de novo. E é estranha essa sensação de deixar ele ir. Porque até hoje eu fico procurando onde ele ta. É esquisito. Eu tinha aquela sensação que tinha que ter tocado e num tocou, que tinha que ter pegado e num pegou. Eu achava que tinha que ta aqui dentro

(mostrou a barriga). E eu sei que num ta, mas hoje eu senti ali (apontou para o centro da sala) como se realmente num ta. Não ta aqui. Cada movimento meu, num

sei se é proposital, é levado a isso, me fazendo voltar o que eu era antes e deixar pra trás essa ferida e recomeçar (...). Os traumas passados eu consegui vencer, eu

falo sem dúvidas, agora esse... nossa! Eu nunca imaginei. E olha que eu sou uma mulher forte (chorou muito). Isso tá sendo muito bom pra mim aqui, esse momento aqui... Nossa!”.

Tendo em vista a fala de Ana acima citada e a expressão gráfica no segundo desenho que ela produziu, onde a sua imagem se altera representando-se como um pássaro que acabou de se desprender e ganhar sua liberdade para voar, considera-se o complexo de melancolia atuante. A experiência corporal vivida por esta participante durante os encontros permitiu a percepção de seu ventre vazio. Por mais que já houvesse a consciência da perda de seu filho, Ana ainda investia energia libidinal neste objeto perdido.

Para Freud (1917 [1915]/2006) “o teste da realidade revelou que o objeto não existe mais, passando a exigir que toda a libido seja retirada de todas as suas ligações com aquele objeto” ( p. 250). Ainda segundo este autor (1917 [1915]/2006), a característica de desaparecimento repentino sem resíduos aparentes é próprio da melancolia, como também do luto. Fica então uma lacuna sobre o processo de “reencontro” objetal (Freud, 1925/2006, p.267) no caso de Ana. Contudo, os elementos inconscientes que compareceram no processo proporcionaram a ela uma mudança de posição frente à sua realidade.

3.4.2.2 Desenhos de Beatriz (Anexo C)

No Desenho Livre Pré Processo Arteterapêutico Beatriz desenhou a si mesma com o corpo de frente, mas a cabeça direcionada para o lado esquerdo, suas mãos escondidas por trás de seu quadril e sem os membros inferiores. Ela usou apenas lápis de escrever na cor preta, não colorindo seu desenho. Segundo sua descrição escrita, Beatriz relatou que seu desenho ficou feio. Ela disse ter tentando desenhar uma pessoa feliz.

Beatriz apresentou sua imagem olhando para esquerda, sugerindo ligação com o passado. Com as mãos escondidas e sem os membros inferiores, Beatriz não se releva por completo demonstrando traços de dúvida ou desconfiança. Essas características puderam ser percebidas em sua descrição escrita onde disse:

Beatriz: “Tá meio cheinha, mas depois tentei fazer menos gordinha, há não sei

muito o que dizer! Me desenhei, embora não pareça, uma pessoa elegante e ‘disidida’ que nesse momento não está se preocupando com nada”.

Essa participante apresentou não estar segura com a forma como se percebe, de- monstrando estar, inclusive, confusa sobre como se descrever. Beatriz também não se sen- te satisfeita sobre seu corpo. Essas características quanto à forma contraditória em se des- crever e também à insatisfação com seu corpo podem ser verificadas em suas falas:

Beatriz: “Ah! Eu me descrevo como uma pessoa linda, maravilhosa, com uma auto

estima boa (risos). (...) Meu corpo... tá gordo, é só porque eu tô me sentindo muito gorda mesmo né?!”.

A contradição é uma característica do estágio consciente, onde ela “obtém seus efeitos através da articulação entre representações, ou seja, a partir de um processo de dife- renciação, e não de identidade” (Calazans & Santos, 2007, p.70). Beatriz se contradiz em muitos momentos de sua verbalização. Contudo, a contradição atua sob a égide da negati- va, uma característica defensiva do Ego. Assim sendo, Beatriz, ao representar sua imagem corporal via desenho ou via fala, toma conhecimento, mesmo que em partes, de algo re- primido, negando e contradizendo os conteúdos que aparecem. Há uma suspensão da re- pressão, ao menos em alguma parcela (Freud, 1925/2006).

No Desenho Livre Pós Processo Arteterapêutico, Beatriz apresentou características diferentes do primeiro desenho. Retratou-se olhando para frente e sorrindo o que sugere que ela está representando o presente. Desenhou a mão esquerda, encobrindo apenas a mão direita; também desenhou suas pernas e pés. Beatriz coloriu seu desenho. Verifica-se que essa participante apresentou progressos gráficos quanto a seu desenho.

Ela descreveu a si mesma no desenho como uma mulher decidida e que tem seu estilo, sem se preocupar com a opinião de terceiros. Uma mulher linda e “que está pronta

para qualquer situação”. Laban (1990) afirma que a execução dançante de movimentos tem influência na atitude interna e externa do sujeito diante da vida. Beatriz apresentou alterações em seu desenho que vão de encontro ao reconhecimento da necessidade de mudança de atitude por ela verbalizada:

Beatriz: “Eu me senti livre, livre sem preocupação. Deixava a preocupação de

lado, pensava só em mim. (...) Mudou minha forma de pensar, né?! Que eu preciso... que eu preciso tomar alguma atitude, preciso é... fazer alguma coisa, entendeu?!”.

3.4.2.3 Perspectivas gerais dos desenhos

Diante das análises dos desenhos de Ana e Beatriz, tanto na etapa Pré quanto na etapa Pós Processo Arteterapêutico, foi verificada a progressão gráfica dos conteúdos referentes à percepção da imagem corporal. Salienta-se também a representação dos efeitos produzidos por meio da experiência com o grupo arteterapêutico.

Foi verificado, através da análise comparativa dos desenhos das participantes e de suas descrições produzidas sobre os mesmos, que a possibilidade de experimentação do corpo e as produções verbais permitidas ao longo do processo viabilizaram uma mudança de posição, mesmo que momentânea, quanto à maneira de se perceberem frente a sua realidade.

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