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Produções durante o Processo Arteterapêutico

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Capítulo III: Resultados e Discussão

3.3 Produções durante o Processo Arteterapêutico

Nesta sessão são expostas as produções, em níveis verbal e corporal, realizadas pelas participantes da pesquisa. Na dança o sujeito é ao mesmo tempo instância criadora e

coisa criada. É ele, em si, a sua obra de arte. Pensar sobre o corpo “significa pensar a instância criadora em relação à coisa criada” (Petronilio, 2016, p. 43). O sujeito, por instantes, torna-se obra de arte sem deixar de ocupar o lugar de artista, o de criador.

Segundo Volich (2000), a linguagem, que tem como ponto de origem o corpo é “uma dimensão primordial a ser considerada pelo terapeuta, para a compreensão do sofrimento de seu paciente” (p. 130). Sendo assim, corpo e verbo foram considerados para apreender os efeitos da prática dançante na vida dessas mulheres.

Durante o momento de Expressão Corporal elas se movimentavam regidas apenas por orientações e/ouou demonstrações corporais efetuadas pela pesquisadora. Inseridas no ato corporal dançante permitiram a observação e análise da dimensão corpórea delas mesmas constatando progressos daquelas que mais frequentaram o grupo arteterapêutico.

A maioria das participantes experimentou a dança demonstrando estar mais envolvidas com o processo dançante em si, do que com a posterior verbalização do que vivenciaram em grupo. As produções verbais de algumas participantes foram mais escassas, enquanto que à propensão ao movimento esteve mais presente e intenso durante o processo.

Elaine e Hortência não participaram de nenhum encontro, realizaram apenas a entrevista da fase Pré Processo Arteterapêutico. Cláudia e Geovana frequentaram apenas o 1º encontro. Daniela, Flávia e Ivana frequentaram dois encontros. Beatriz participou de seis, enquanto que Ana foi a única participante que esteve presente em todos os oito encontros realizados.

Daniela e Ivana foram duas participantes que se movimentavam com aparente tranquilidade e segurança gestual, no entanto foram as que menos verbalizaram durante o momento de “Expressão Verbalizada”, onde demonstravam inibição e pouca ou nenhuma interação com as outras participantes.

Houve progressos quanto à movimentação do corpo das participantes e, em alguns casos, este fator foi apresentado nas falas a respeito das percepções de cada uma delas sobre o encontro do dia. O progresso corporal, além de observado, também foi descrito nas falas de uma das participantes ao longo dos encontros do grupo:

1º encontro – Ana: “Nossa, eu notei o quanto eu tô dura (risos). Eu tô assustada.

Eu me olhei no espelho ali e nem me reconheci. Assim, desse jeito, nem parecia que era eu sabe?!”.

3º encontro – Ana: “Foi uma superação eu fazer o que eu fiz aqui hoje. Nunca que

eu pensei que eu desse conta de fazer o que eu fiz. Parece besteira, mas pra mim isso tudo aqui é muito, já é um avanço, sabe?! Aquela vez de desenhar, do primeiro dia, eu num aceitei eu num conseguir sentar, eu num aceitei, foi uma briga comigo mesmo. Aí eu falei “Não!”, “Num aceito!”.

6º encontro – Ana: “É muito estranho lidar com uma situação que ta fora do seu

controle. Então, eu to rompendo limites. Eu to como se fosse um bebezinho começando a engatinhar e ta começando a viver. No começo eu tava até sofrendo com isso, achando muito ruim, até incapaz de fazer as coisas. Mas, todas as vezes que eu venho aqui eu descubro que eu posso ir mais além, e isso tem sido bom. E hoje eu to vivendo o novo, sinceramente”.

De acordo com as produções verbais desta participante durante os encontros mediante suas experiências artísticas, pode-se afirmar que a vivência nos mesmos permitiu a ela ressignificar seu próprio Eu, alterando a forma de se posicionar diante dos desajustes corporais por ela observados e percebendo sua realidade de outro modo.

Os progressos corporais e psicológicos relatados por Ana e também apresentados por outras participantes afirmam sobre a “possibilidade de transformação dos potenciais adormecidos no corpo, quando este se movimenta, expressando uma linguagem não-verbal que vai produzindo mudanças psíquicas, além das corporais” (Fux, 1988, p.56).

Beatriz, a participante que frequentou seis dos oito encontros também relatou perceber seu corpo de forma diferente com que estava acostumada em sua vida:

1º encontro - Beatriz: “Eu tô assim (chorando) porque eu ali no espelho percebi

que você falava de mudar de expressão, mas eu olhava e pensava assim que eu sou assim o tempo todo. Você disse “triste” e eu nem precisei me mexer, porque eu tô triste assim sempre. E eu num sou assim não, eu num sou essa mulher que eu vi ali no espelho, quer dizer, num quero ser, né?!

4º encontro – Beatriz: “Esse negócio de respirar, esperar 10 segundos... assim...

Hoje eu tive lições extraordinárias na minha vida por ter esperado esses 10 segundos, aquela respiração, dar aquela respirada antes de responder, aprender a respirar igual a gente faz na dança mesmo, por conta desse fato de respirar, de num tomar decisão precipitada, nossa! Isso foi umas das coisas da minha vida mais difíceis, porque meu temperamento foi sempre assim... explosivo. E esse negócio que você ta falando aí de respirar, expirar, se conhecer... né?! Ajuda”.

7º encontro – Beatriz: “E isso de esperar 10 segundinhos e respirar pra falar, para

pôr tudo em ordem, né?! Porque assim, a L. (filha mais velha de Beatriz) anda muito lerda, (...) E eu no 220, e aqui eu tô assim, vendo diferenças de jeitos das pessoas e aprendendo a me policiar, esperar o tempo das pessoas, sabe?! Ser menos sem papas na língua também (risos)”.

Nota-se, diante das falas de Beatriz, a assimilação dos conteúdos técnicos e expressivos característicos da Dança Moderna, de forma a ajustar e aplicar na sua convivência com outras pessoas, inclusive com sua filha. A compreensão do tempo pessoal de cada indivíduo e a respiração conduzida para o alívio de certo grau de ansiedade foi uma elaboração proveniente da experiência vivida por Beatriz durante os encontros, que foram estendidos à sua realidade.

No primeiro encontro Beatriz chorou durante a maior parte do tempo e manteve pouco contato físico e verbal com as demais. No entanto, a partir do segundo encontro em que ela esteve presente ela se mostrou sorridente e disposta ao contato. Em um dos encontros, ela declarou que era dançarina de banda e depois que se casou e teve filhas não mais dançou profissionalmente. A oportunidade de participação no grupo a provocou a se conhecer de novo, como se o corpo que ela tivesse anteriormente fosse diferente do que ela experimentou durante os encontros arteterapêuticos:

Beatriz: “Nem parece que era eu dançando ali, como se fosse outra pessoa, sei lá (risos). Eu era mais flexível antes, era magrela e olha agora. E assim... nem mudou

nada do meu jeito de ser, mas tá diferente agora, você entende?! Assim no meu corpo, jeito de ser”.

Santos (2016) aponta que o movimento criativo experimentado por mulheres vítimas de violência a partir do encontro com seu Eu corporal propicia novas formas de

enfrentamento possibilitando-as ocupar a posição de criadoras, transformando a realidade em que vivem. Dessa forma também podem promover a “emancipação criadora e ressignificação da autobiografia” de cada uma delas (Emming, 2014, p. 123).

Um fator relevante a ser considerado por este estudo é o episódio observado no momento de “Expressão Corporal” ocorrido no oitavo e último encontro. Foi utilizada a técnica baseada na proposta de Mary Wigman traçando a busca do paralelo “antes e depois”. Segundo essa precursora (1966) da Dança Moderna, a ampliação da faculdade imaginativa se faz pela livre troca e íntima união entre a condução do pensamento e o movimento corporal subsequente.

No primeiro momento com uso de uma máscara e de frente ao espelho, as participantes tiveram seus pensamentos conduzidos à possibilidade de busca de reviver aquilo que cada uma “foi” em seu passado, antes de iniciarem a participação no grupo, mantendo o contato de olho consigo mesma diante do espelho. Em seguida, se levantaram e dançaram livremente ao som de uma música instrumental.

Ana demonstrou uma qualidade de movimentação madura e mais avançada em comparação aos outros encontros. Ela contraiu todo o seu corpo, especialmente a região torácica e os braços. Encolheu-se toda sobre suas pernas, numa concepção introspectiva. Passava a mão pelo seu corpo todo com dedos em formato de garra. Permaneceu no mesmo lugar desde o início do exercício. Ana respirava com profundas inspirações de ar, mantinha por um longo tempo e depois soltava emitindo o som da expiração. Curvou seu corpo por várias vezes, permanecendo em plano médio durante essa atividade.

Beatriz se movimentava por toda a extensão da sala, olhou muitas vezes para o alto. Ela se manteve boa parte do tempo em plano baixo e se arrastava no chão. Beatriz alternava seus movimentos ora expansivos, ora em contração. Durante todo o momento

seus movimentos estavam ágeis em comparação ao ritmo da música que tocava apresentando gestos agressivos e descompassados.

Foi pausada a música e pedido que elas tirassem suas máscaras. Ana estava chorando, franzindo a testa e olhando para o chão. Beatriz estava com a expressão séria e com o olhar disperso pela sala. No segundo momento, mantinham-se novamente de frente ao espelho, sendo orientadas a elevar o pensamento ao nível de como percebem a si mesmas atualmente, depois de ter experimentado seu corpo dançante, buscando a expressão autêntica do seu Eu no agora.

Rapidamente a expressão de Ana modificou-se, aparentemente demonstrando alívio. Olhava para si com um olhar sereno e profundo, não perdeu o contato visual em nenhum momento. Beatriz sorriu e se mostrou tranquila diante das orientações recebidas. Depois foi pedido a elas que se levantassem e agora se movimentassem mantendo esses pensamentos.

Ana dançou por toda a extensão da sala, sorrindo e explorando o espaço. Movimentou bastante seus braços com gestos fluídos e ininterruptos. Por um longo tempo dançou de olhos fechados e respirando lentamente. Sorria. Dançava como em ritmo de valsa, em sintonia com a música que estava tocando. Realizava movimentos de pernas e braços, semelhante a um pássaro, desenhando asas com o movimento dos membros superiores e caminhando sobre as pontas dos pés.

Beatriz parecia brincar com o seu corpo. Dançava e saltitava pela sala realizando alguns movimentos como se também tivesse asas. Passava de frente ao espelho e sorria para si mesma. Quando pausada a música e solicitado que retornasse ao centro, Ana não pausou seu movimento imediatamente. Ela arrumou sua blusa, sorriu, respirou profundamente, e foi organizando seu corpo lentamente. Beatriz se manteve sorrindo.

Castro (1992) considera que a Dança Moderna afirma o poder do corpo em se mover a partir do próprio referencial interno, permitindo ao movimento um caráter autônomo. O movimento, nesse caso, é a expressão de um significado interno de emoções, como também é o representante dessa dimensão interna do indivíduo.

Sendo o corpo, o aspecto físico e palpável da personalidade, ele se manifesta por meio do movimento; no caso desse agente artístico, do movimento dançante (Monteiro & Paletta, 2016). Ana e Beatriz trouxeram no último encontro como cada uma percebia a respeito de si mesma antes e depois da vivência com a dança. Contaram com seu corpo, por meio das ações dançantes, como ressignificaram seu próprio Eu.

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