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5.3 Análise comparativa entre as dimensões do construto

5.3.3 Análise comparativa entre as dimensões do construto para motoristas de aplicativo

Nesta seção realizou-se uma análise comparativa entre as dimensões do Comprometimento Organizacional para os motoristas de aplicativo, conforme a Figura 9.

Figura 9 - Análise comparativa das dimensões entre motoristas de aplicativo

Fonte: Dados da pesquisa (2020).

De acordo com os motoristas de aplicativo entrevistados os itens correspondentes à DIMENSÃO AFETIVA retratam um trabalhador comprometido com a organização e também representam os seus próprios comprometimentos organizacionais. O código “sente-se orgulhoso” retrata o valor concedido pelo motorista em fazer parte da instituição, assim como o sentimento de “identificação” e “lealdade” revelam tanto a relação de pertencimento como o valor despendido à fidelidade para com a empresa. Conforme o entrevistado E15, tais itens representam “uma pessoa que é apaixonada e tem uma lealdade, essa pessoa ela veste a camisa da empresa”.

Desta forma, verificou-se que os motoristas de aplicativo reconheceram nos itens relativos à dimensão afetiva um comprometimento associado a aspectos positivos alicerçados pelo sentimento de orgulho e identificação com a empresa, fatores estes que coincidem com a noção de CA detectada nos servidores públicos e industriários e que confirma as pesquisas de Allen e Meyer (2000), Cohen (2007) e Genari et al. (2013).

Já quando foram analisados os itens pertencentes à DIMENSÃO NORMATIVA do CO os entrevistados mencionaram que são fatores que representam um comprometimento vinculado ao “sentimento de dívida” que o trabalhador tem com a organização. O entrevistado E11 afirmou que as frases indicam forte vínculo com a instituição, visto que se alguém permanece numa organização mesmo recebendo uma proposta melhor de outra empresa é porque encontra-se verdadeiramente comprometido com ela. Entretanto, E11 e E15 salientaram que tais itens não representam seus próprios comprometimentos, pois eles reiteraram que deixariam de ser motoristas do aplicativo se recebessem uma proposta melhor. Conforme E11: “é a lei da oferta e da procura, a gente usa o aplicativo que tá oferecendo mais dinheiro pra gente”.

Desta forma, percebeu-se que, para os itens relativos à dimensão normativa, os motoristas identificaram um comprometimento associado ao sentimento de dívida com a empresa, alicerçado pela percepção da oportunidade de emprego oferecida a eles em um momento de crise na oferta de empregos no país. Em contrapartida, percebeu-se que em nenhum momento foi mencionado pelos entrevistados o sentimento de culpa ou obrigação moral para com a organização, o que vai de encontro com as duas faces do CN identificadas na pesquisa de Meyer e Parfyonova (2010) que seriam: dever moral e obrigação em dívida.

Por fim, quatro dos motoristas mencionaram que os itens relativos à DIMENSÃO DE CONTINUAÇÃO do CO representam um trabalhador que teme os “custos associados à saída” da organização. Conforme o motorista E11, tais itens estão ligados a uma questão pessoal do sujeito e representam um comprometimento associado ao medo que o empregado tem de perder os benefícios já adquiridos. Já E13 citou que, no momento, tais fatores não representam seu comprometimento, tendo em vista que se ele conseguisse uma oferta melhor de emprego deixaria a empresa, pois, para ele, sua instituição cobra muito dos motoristas, sem contar os gastos financeiros com prestação e manutenção do carro. Vale salientar que, segundo Antunes (2018), a Uber configura-se como um exemplo típico de empresa que se apropria do mais-valia gerado pelo empregado que arca sozinho com a manutenção do veículo e demais custos para exercer a atividade.

Desta forma, a noção de CC percebida pelos motoristas de aplicativo entrevistados, assim como para os servidores públicos e os industriários, é vinculada a fatores relacionados a trocas tangíveis e benéficas identificadas entre eles e a organização,

confirmando, assim, a teoria das trocas laterais de Becker (1960), Allen e Meyer (2000) e Cohen (2007). No caso dos motoristas e industriários, mais especificamente, é caracterizada

os resultados da pesquisa de Heimbecker et al. (2019) as quais identificaram que a autonomia e os ganhos financeiros dos motoristas são fatores determinantes para estes começarem a trabalhar nesse segmento. Isto posto, pode-se inferir que, para os motoristas de aplicativo, assim como para os industriários, esse comprometimento mostra-se ainda mais intenso devido a instabilidade do mercado de trabalho brasileiro. Instabilidade esta que, conforme Hirata (2002), intensifica a transformação dupla e incoerente do trabalho, caracterizado, de um lado, pelo forte envolvimento do trabalhador, e, de outro, pela insegurança no emprego devida ao desenvolvimento da flexibilidade do trabalho e ao aumento do desemprego.

Porém, é importante destacar que, alguns motoristas relataram que deixariam a empresa caso surgisse outra oportunidade de emprego, o que nos leva a acreditar que o Comprometimento de Continuação para esta categoria de trabalhador pode ser interrompido pela busca de melhores oportunidades e condições laborais, fator este que talvez seja agravado pela forte precarização do trabalho o qual o motorista é submetido.

Diante do que foi exposto, foi possível identificar que a noção de Comprometimento Organizacional compartilhada entre os motoristas de aplicativo é representada, assim como nos dois grupos de profissionais anteriores, por percepções positivas como orgulho, identificação e lealdade, o que ratifica o perfil representado pelo CA dominante verificado neste estudo, bem como concorre com o Perfil 4 da pesquisa de Meyer et al. (2012). Porém verificou-se que, diferente do grupo de servidores públicos, os motoristas não refletiram a ideia de pertencimento, assim como não manifestaram o sentimento de valorização explicitado pelos industriários.

Também ficou evidente que o CO deste grupo, assim como das demais categorias aqui estudadas, está vinculado ao sentimento de dívida com a empresa, concepção esta relacionada à oportunidade de trabalho oferecida pela instituição a estes motoristas, ou seja, eles sentem-se em dívida com a empresa por ela ter oferecido a eles uma opção de empregabilidade sem muitas formalidades no ingresso. Ademais, a noção normativa percebida por estes trabalhadores diferencia-se das demais devido à ausência do sentimento de culpa manifestada pelos industriários, bem como o interesse em preservar os objetivos da organização defendidos pelos servidores públicos.

Por fim, identificou-se que o CO destes sujeitos, assim como para os servidores públicos e industriários, também é vinculado a fatores relacionados a trocas tangíveis associadas, também, a benefícios financeiros. Diferentemente dos outros profissionais estudados, os motoristas não demonstraram manter o vínculo com a organização por acharem que o mercado atual oferece poucas alternativas de emprego (citado pelos servidores

públicos), bem como não relataram temer os custos associados à interrupção da carreira, caso saíssem da empresa (mencionado pelos industriários).