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2.3 O mundo do trabalho na atualidade

2.3.1 Da estabilidade à instabilidade: conceitualizações e características

No Brasil, no início do século XX, começou a se desenvolver o mercado de trabalho, no sentido moderno do termo, como a forma predominante de produção de bens e serviços. Durante as primeiras três décadas, o trabalho transformou-se numa mercadoria livremente negociada, já que leis e contratos coletivos eram quase inexistentes. Durante as décadas de 1930 e 1940, o corporativismo de Estado de Vargas estabeleceu um amplo código de leis do trabalho, o qual marcou o mercado nacional por todo o século. A partir de então, as noções de “formalidade” e “informalidade” do trabalho foram pouco a pouco sendo construídas (NORONHA, 2000).

O autor ainda destaca que o processo de formalização das relações de trabalho foi sedimentado, sobretudo por leis federais e, apenas secundariamente, por contratos coletivos. A legislação do trabalho estabelecia, de maneira cada vez mais detalhada, quais eram as regras mínimas de relações de trabalho justas. Salário mínimo, jornada de trabalho, férias anuais e outros direitos foram definidos por lei. Acordos coletivos tiveram um papel bastante secundário nesse processo. Muitos direitos sociais também foram garantidos aos trabalhadores, aqui entendidos como trabalhador formal.

Segundo Duarte (2016), os anos de 1930 marcaram o início da regulamentação do mercado de trabalho de maneira mais efetiva. Dentre outras iniciativas, a legislação da Era Vargas (CLT) instituiu a garantia de férias pagas, assistência médica e aposentadoria, também

estimulando a criação de sindicatos e tribunais específicos para as questões trabalhistas. Ela até hoje constitui o cerne das normas trabalhistas no país. No entanto, seu objetivo maior era constituir uma força de trabalho assalariada estável e disponível ao capital, assegurando o processo de industrialização do país.

Conforme Cardoso Júnior (2007), o regime de trabalho predominantemente assalariado, que foi consolidado com o advento e a expansão do modo capitalista de produção, passou a ser tanto o canal de entrada dos indivíduos no mercado de trabalho, bem como a forma a partir da qual o indivíduo se inscrevia na estrutura social e em todas as possíveis formas de hierarquização das classes e dos conteúdos culturais e simbólicos relacionados a tal fato. Principalmente a partir do final da Segunda Guerra, a montagem, em alguns países, ou a consolidação, em outros, dos respectivos “Estados de Bem-Estar” tinham, como referência central para a concessão de benefícios sociais e transferências de renda, a filiação assalariada formal dos trabalhadores.

O padrão de assalariamento formal permitia, ainda, organizar os fluxos do mercado de trabalho de modo a favorecer um tipo de convívio humano não disruptivo, na verdade homogeneizador da estrutura social. No contexto do Brasil, embora até hoje não se tenha atingido um patamar de homogeneização e de equilíbrio social como o de alguns países europeus ocidentais, este modelo de sociedade e de relação de trabalho serviu de espelho aos processos de industrialização e de urbanização aqui adotados (CARDOSO JÚNIOR, 2007).

Consoante Noronha (2000), os servidores públicos foram os primeiros beneficiários dos contratos de trabalho formais e estáveis, consequentemente, dos direitos sociais a ele associados.

Já no que tange a instabilidade relacionada às formas de trabalho, Kovács (2006) examina em sua pesquisa a expansão de formas instáveis e frequentemente precárias de emprego. Segundo o autor, o emprego instável incide, principalmente, sobre grupos etários mais jovens e sobre categorias socioprofissionais de baixo estatuto e tende a abranger mais as mulheres do que os homens.

Tal instabilidade ganhou força e forma com o fenômeno da informalidade, quando emergiu em escala mundial. Nos países desenvolvidos, os modelos de produção fordista e de proteção social do Welfare State asseguraram o acesso da classe trabalhadora a níveis de bem- estar compatíveis com o grau de desenvolvimento econômico. Porém, em nome da competitividade, a globalização promoveu modificações consideráveis que desestruturaram tais modelos. Pelo lado produtivo, o modelo de produção fordista foi substituído pelo toyotista, onde os processos são crescentemente automatizados e flexíveis. Já o modelo de

proteção social de Welfare tornou-se antiquado dentro da visão neoliberal de necessidade de cortes de gastos públicos e diminuição da intervenção estatal sobre a economia. Desta forma, estas mudanças impactaram diretamente no mercado de trabalho, com o aumento da precarização, subocupação e do desemprego de longo prazo em boa parte destes países. Surgiu a categoria dos working poors, determinados como trabalhadores à margem dos níveis de consumo e bem-estar destas sociedades (DUARTE, 2016).

Tal cenário de instabilidade no mercado de trabalho e empobrecimento de uma significativa parcela da sociedade era uma novidade nos países centrais. Porém, na maioria dos países periféricos, estes elementos estiveram sempre presentes como consequência do padrão de desigualdade imposto pelas instituições e pela acumulação capitalista, refletindo-se no mercado de trabalho via empregos precários e níveis salariais aquém do patamar de subsistência (DUARTE, 2016).

Ao longo das décadas a intensificação de fenômenos como a urbanização e a industrialização reproduziram um fenômeno de exclusão, ao acentuar a concentração da pobreza nas grandes cidades e manter os desequilíbrios de renda e de acesso ao emprego em termos regionais, de escolaridade, gênero e raça. A ação do Estado ratificou este processo de modernização sem mudança, atuando apenas em níveis tópicos no combate às desigualdades (DUARTE, 2016).

Desta forma, para os autores, a informalidade não se trata de um fenômeno novo, mas um componente estrutural do mercado de trabalho nos países periféricos e no Brasil. O que as transformações pós década de 1970 fizeram foi um agravamento de todo este quadro de instabilidade e vulnerabilidade (DUARTE, 2016).

Para Cacciamali (2000), uma parcela das pesquisas sobre o setor informal enfoca exclusivamente o fenômeno do assalariamento ilegal, ou seja: empregados que foram contratados à margem das regras laborais vigentes, no caso brasileiro, por exemplo, sem registro na carteira de trabalho, conforme rege a legislação. Nesse caso, o setor informal, de forma equivocada, como observaremos ao longo deste estudo, passa a ser equivalente a um conceito associado ao mercado de trabalho. A literatura neste campo focaliza então o funcionamento e as características da oferta de trabalho num mercado de compra e venda de serviços de mão-de-obra onde os contratos, além de não serem registrados junto à seguridade social, muitas vezes são mal definidos quanto ao tempo de duração e outros itens constitutivos básicos (funções, horas trabalhadas, remuneração, férias, descanso semanal remunerado, etc.). Assim, a percepção da informalidade pode ser apreendida através de distintos marcos teóricos que, em virtude de diferentes propósitos, pode levar a objetos múltiplos de estudo. Isto,

entretanto, não pode vir a obscurecer o fato de que parcela expressiva dos trabalhadores mais pobres, em praticamente todos os países do globo, inserem-se numa gama de situações que podem ser representadas por meio de diferentes inserções no setor informal. Este fato é o motor que renova o interesse sobre o tema.

Barbosa Filho e Moura (2012), em seu trabalho, definiram informalidade como a parcela de trabalhadores sem carteira assinada comparada ao total de empregados. Nesta pesquisa eles não consideraram trabalhadores “por conta própria” como informais, tendo em vista que, para os autores, após a criação do Microempreendedor Individual (MEI) este cenário mudou. Os autores ainda citam que o elevado índice de informalidade do emprego no Brasil chama a atenção devido a seus impactos na economia de uma maneira geral. A elevada taxa de informalidade está relacionada às condições de emprego categorizadas como “ilegais” no território nacional.

Segundo Duarte (2016), não existe, de fato, um consenso na definição do que seja a informalidade, tendo em vista que:

Um grande conjunto de autores define trabalho informal como a atividade exercida pelos indivíduos à margem da legislação trabalhista ou os que não contribuem para a seguridade social pública. No caso brasileiro, seu efetivo total seria obtido pelo somatório dos trabalhadores sem carteira assinada e os conta-própria (2016, p.3).

O autor ainda destaca que há uma vertente de pesquisadores que afirmam que o trabalho informal seria o locus de atuação dos indivíduos excluídos da formalidade, por terem menos oportunidades e qualificação, inserindo-se na informalidade como única alternativa de sobrevivência. Há outra corrente que desconsidera tal hipótese. Segundo ela, o trabalho formal ou informal seria meramente uma questão de opção. O trabalho informal ofereceria algumas vantagens, tais como maior flexibilidade e a oportunidade de auferir uma renda maior em certas ocasiões, já que empregadores livram-se dos encargos da legislação trabalhista e empregados do recolhimento de Imposto de Renda.

Segundo Kramer (2017), na atualidade, o trabalho de uma maneira global passou por uma extraordinária transição para a informalidade, altos índices de desemprego e a necessidade de o trabalhador realizar várias tarefas ao mesmo tempo tornou a relação de trabalho cada vez mais desregulada. A tecnologia faz com que o empregado possa levar o trabalho para casa, como acontece com aquelas pessoas que se comunicam pelo telefone ou aplicativos em função dos deveres do trabalho após o cumprimento da jornada regular.

Ainda que o atual cenário vinculado ao desenvolvimento tecnológico possa estimular reestruturações que tendem a diminuir os custos e ofertar produtos a preços menores e, até criar novos postos de trabalho, também é responsável pela redução no número de empregos e salários, pela exigência de realização de maiores jornadas por um número menor de trabalhadores e, o consentimento na realização de atividades pautadas em contratos que reduzem e precarizam direitos ampliando o contingente de trabalhadores informais.

A fim de apresentar uma melhor contextualização da realidade brasileira no que tange o fenômeno da precarização do trabalho entendido como aquele que envolve a degradação das condições de trabalho e emprego, seja do trabalhador formal, informal, em tempo parcial, temporário e, no o extremo da precarização, a ausência de trabalho vivenciada pelos trabalhadores desempregados, apresenta-se o tópico que se segue.