Precarização do trabalho e servidores públicos

Esta subseção propôs-se a analisar como os servidores públicos pesquisados responderam a questões relativas ao atual contexto de trabalho da sua categoria, bem como a precarização é configurada para estes. Vale destacar que nas últimas décadas a classe que vive do trabalho tem vivenciado um quadro crítico de grande complexidade frente à crise estrutural do trabalho e os servidores públicos não estão isolados deste cenário, mesmo que inclusos numa conjuntura de contratação de trabalho caracterizada como estável.

Apesar de participarem de uma pequena parcela do contingente de trabalhadores que ainda vivencia certa segurança quanto à realidade laboral do país, os entrevistados E1, E2 e E4 mencionaram que as leis trabalhistas e as formas de contratação em vigor no Brasil afetam a maneira como o indivíduo se compromete com a organização. Segundo o entrevistado E2, o país está passando por um processo de transição do labor no qual os trabalhadores estão perdendo muitos direitos, dado este que ratifica a pesquisa de Antunes (2001). Já o servidor E3 citou que o comprometimento do indivíduo não é diretamente relacionado às leis trabalhistas em vigor, e sim, a fatores relacionados a produtividade e bonificações, confirmando assim que o alguns sujeitos tendem a permanecer na organização devido a manutenção de benefícios já adquiridos, conforme demonstra o Comprometimento de Continuação destacado por Meyer e Allen (1984, 1991), Khan et al. (2016) e Osman et al. (2017).

Deste modo, para os servidores públicos, elementos como: ambiente salutar, reconhecimento, boas condições de trabalho, valorização, fair play e garantia dos direitos trabalhistas e sociais foram elencados como significativas condições para que um trabalhador permaneça comprometido com a organização (Quadro 16).

Quadro 16 - Fatores importantes para o servidor permanecer comprometido com a organização

FATORES IMPORTANTES PARA O TRABALHADOR

PERMANECER COMPROMETIDO

Servidores Públicos

Ambiente salutar (3), reconhecimento (3), salário (3), condições de trabalho (2), valorização (1), fair play (1) e garantia dos direitos

sociais e trabalhistas (1).

Fonte: Dados da pesquisa (2020).

O código “ambiente salutar” reuniu juntamente com “reconhecimento” e “salário” o maior número de menções por parte dos entrevistados, o que demonstra a importância dada pelos servidores a um local de trabalho saudável, ao reconhecimento pelo serviço prestado à instituição, assim como aos proventos recebidos. Dada importância concedida por este grupo ao reconhecimento do trabalho realizado valida a pesquisa de Ribeiro e Mancebo (2013) na qual destaca que reconhecimento e “valorização” interferem no sentido atribuído pelos servidores públicos a sua vida profissional.

Boas “condições de trabalho” indicam que, para os servidores públicos, ter estrutura adequada para o desempenho das suas atividades é fator importante para o comprometimento do sujeito. Já a citação “fair play” foi mencionada pelo trabalhador E1 e indica a relevância concedida pelo indivíduo de estar engajado num local de trabalho com processos transparentes e confiáveis. Por fim, “garantia dos direitos sociais e trabalhistas” retrata a preocupação que o profissional dedica à necessidade de ter seus direitos garantidos e como este fator interfere no comprometimento dele com a empresa. Deste modo, para Castel (2003) o serviço público também identifica formas de precarização no trabalho, onde a fragilização e instabilidade da garantia dos direitos preocupam, de certa forma, este contingente de empregados.

Quando indagados sobre as condições de trabalho nas quais são submetidos, três dos entrevistados (E1, E4 e E5) relataram trabalharem em ótimas condições, tendo em vista que recebem todo o suporte de estrutura, tecnologia e conhecimento para o desempenho das atividades. O entrevistado E1 descreveu que suas condições de trabalho são perfeitas e que isso, com certeza, impacta no seu desemprenho no trabalho. Porém, os demais sujeitos mencionaram que trabalham em péssimas condições e que este fato se dá devido à carência de recursos e estrutura inadequada. O servidor E3 mencionou que suas condições de trabalho são muito aquém do necessário, pois a climatização do ambiente é falha, o conforto é mínimo e não há computadores suficientes para todos.

Isto posto, mesmo que tenham sido identificados elementos precarizantes no contexto laboral de alguns servidores, todos os entrevistados relataram que o trabalho proporciona para eles fatores positivos como: satisfação pessoal e profissional, conhecimento, sustento da família, tranquilidade, elevação moral, amizade e a possibilidade de outras perspectivas pessoais e profissionais, conforme o Quadro 17.

Quadro 17 - Fatores que o trabalho proporciona para o servidor público

O QUE O TRABALHO PROPORCIONA PARA O

TRABALHADOR NO MOMENTO

Servidores Públicos

Satisfação (3), conhecimento (2), sustento da família (2), tranquilidade (1), elevação da moral (1) e outras perspectivas

pessoais e profissionais (1).

Fonte: Dados da pesquisa (2020).

“Satisfação” foi o código que emergiu com mais frequência por parte dos servidores e retrata a viabilidade deste sentimento a partir do desempenho do trabalho. Já “conhecimento” e “sustento da família” surgiram na fala de dois dos entrevistados. O sujeito E2 mencionou que seu trabalho, atualmente, disponibiliza conhecimento e novas perspectivas “pessoais e profissionais”. “Tranquilidade” e “elevação da moral” foram mencionados pelos participantes E1 e E5, respectivamente, e destacam a possibilidade de o trabalhador sentir-se, de certa forma, tranquilo diante do atual cenário laboral do país, assim como com a autoestima elevada.

Diante do exposto, percebeu-se que para os servidores públicos fatores contrários a elementos de precarização como um bom salário, boas condições de trabalho, ambiente salutar, reconhecimento, valorização, transparência e garantia dos direitos trabalhistas e sociais são aspectos significativos para que um empregado se comprometa com a organização. O que leva a inferir que o ambiente menos precarizado é propício ao maior comprometimento dos indivíduos.

Três entrevistados citaram que as formas de contratação e as leis trabalhistas em vigor no país interferem no comprometimento, porém também foi mencionado que estes fatores não são determinantes para tal e que vínculo depende de variáveis como produtividade e bonificações. É importante destacar que esta última fala endossa os aspectos relacionados à teoria dos side bets de Becker (1960), no qual o indivíduo se compromete ao perceber

elementos de troca entre a organização e a força de trabalho ofertada por ele. Também se verificou que, para todos os sujeitos, o trabalho está proporcionando fatores positivos como: satisfação pessoal e profissional, conhecimento, sustento da família, tranquilidade, elevação moral, amizade e a possibilidade de outras perspectivas pessoais e profissionais.

Ademais, percebeu-se que, para três dos servidores aqui pesquisados, as condições de trabalho são muito boas e adequadas e para os outros três são inapropriadas e improdutivas. Este resultado revelou que para três dos servidores as condições de trabalho que vivenciam não coincidem com os elementos considerados importantes para seu comprometimento, como estrutura adequada para o desempenho do trabalho e ambiente salutar, por exemplo. Ou seja, a realidade de precarização vivenciada por alguns sujeitos não condiz com os fatores que fomentam o seu comprometimento.

Por fim, identificou-se neste grupo de trabalhador elementos constituintes de trabalho precarizado, principalmente vinculadas à inadequação de estrutura física e escassez de recursos materiais para que o servidor público exerça suas funções. Tal resultado revela que o servidor público, mesmo estando inserido num contexto de trabalho configurado como “seguro” não está à parte do fenômeno da precarização. Este achado corrobora com o estudo de Castel (2003) no qual destaca que o aumento do trabalho precarizado não se distancia da classe trabalhadora caracterizada como estável.