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CAPÍTULO I – DA FILOSOFIA PRIMEIRA AO NATURALISMO – IMPACTOS NA

4. A epistemologia naturalizada de Willard Van Orman Quine

4.2 As teses substitutivas de Quine

4.2.1 O Holismo

4.2.1.2 Análise conceitual e intuição

Quine teve grande contato com a Filosofia Analítica do pós Segunda Guerra Mundial. No entanto, rejeitava a ideia de análise de atitudes proposicionais. Ele acreditava que não havia conhecimento genuíno a ser adquirido por meio de tal estudo. Se tal atividade deve ser entendida como análise conceitual (como convém ao nome da Filosofia Analítica), então é claro que ele nega que existam significados objetivamente determinados a serem descobertos.

É senso comum na filosofia atual que Quine apresentou muitos argumentos para mitigar os projetos da análise conceitual. Tradicionalmente, a análise conceitual pretende identificar o

convincentes não são objetivo da filosofia. Uma teoria empírica desvendada a partir de um emaranhado de teorias ainda é uma teoria empírica, mesmo que nenhum dado novo tenha sido inserido para a sua construção (PAPINEAU, 2009).

190 “A previsão é de fato a antecipação conjectural de mais uma prova sensorial para uma conclusão precipitada. Quando uma previsão sai errado, o que temos é uma estimulação sensorial divergente e problemática que tende a inibir essa conclusão precipitada, uma vez, e assim extinguir os condicionamentos frase-a-frase que levaram à previsão. Assim é que as teorias definham quando suas previsões falham” (QUINE, 1960, p. 17).

191Na explicação de Jack Ritchie, “a alegação de que podemos revisar qualquer uma das nossas crenças é motivada tanto pela lógica quanto pela história da ciência. A lógica diz-nos que, dado que qualquer previsão envolve a conjunção de um vasto conjunto de crenças, qualquer uma dessas poderia ser revista para remover a contradição entre a nossa previsão e a evidência. A história da ciência mostra-nos que muitas afirmações que os filósofos pensaram ser especiais, distintas e não revisáveis acabaram por revelar-se falsas e, portanto revisáveis” (RITCHIE, 2012,p. 59).

conteúdo semântico dos conceitos-termos; enquanto que o conteúdo semântico de um conceito-termo (ou seja, o conteúdo de um conceito) não está esgotado pelos significados lexicais de uma palavra, ele é fixado por esses significados. Assim, a análise conceitual pretende justificar juízos analíticos (ou seja, declarações que são verdadeiras totalmente em virtude do significado do conceito-termos relevantes). Assim, se para Quine não há juízos analíticos, então a análise conceitual tradicional é problemática porque a metodologia é especificamente planejada para fazer o que não pode ser feito, ou seja, especificar o conteúdo de um conceito em termos de um conjunto de juízos analíticos sobre esse conceito.

Além disso, o autor estava desconfiado do papel da intuição192 na ciência e na filosofia. Na explicação de Gary Kemp (2006a, pp. 156-158) considere o que está acontecendo quando um filósofo compromete-se a dar uma definição ou teoria do conhecimento. A técnica empregada, ainda que de forma caricatural, é semelhante ao procedimento que os filósofos têm seguido desde Sócrates para responder às perguntas do tipo “O que é X?”, sejam estas perguntas chamadas ou não de “análise conceitual”. O objetivo é uma teoria que implica o máximo possível do que já se considera verdadeiro sobre o fenômeno e que, em conjunto com fatos empíricos concebíveis, determina a aplicação empírica de que nós intuitivamente esperamos.

Como sabemos que tais julgamentos, isto é, nossas intuições, estão corretas? O que as torna dotadas de autoridade? Para Platão, a ideia veio de matemática: uma vez que a intuição certamente é autoritativa com relação à verdade matemática e uma vez que o tipo de questão matemática não é empírica, é muito tentador supor que realmente há uma espécie de paraíso filosófico, um domínio do conhecimento a priori de tais coisas como o conhecimento, a necessidade, e assim por diante, onde o conhecimento não diz respeito a meros fatos empíricos sobre os significados das palavras.

A lição histórica que mais parece ter o impressionado Quine é que o progresso teórico não é, muitas vezes, alcançado pela análise conceitual, isto é, por uma resposta para a pergunta “O que é X?”, mas pela substituição de conceitos relevantes da linguagem. Em termos

192 É certo que as intuições desempenham um papel importante, mas só porque elas incorporam informações substanciais sobre o mundo. Mas, como alerta Papineau, ainda que as alegações filosóficas sejam teorias sintéticas substanciais, uma causa comum de incerteza filosófica não é a falta de evidências empíricas. Ao contrário, o naturalismo metodológico, diante dos diferentes compromissos teóricos já desenvolvidos, observa o que pode ser rejeitado ou modificado. A heurística, isto é, o método de investigação baseado na aproximação progressiva de um dado problema, utilizada para esta finalidade pode se valer até mesmo de intuições que moldam o pensamento, dando origem a teses substanciais sobre o funcionamento do mundo empírico. A partir desta perspectiva naturalista, a intuições não se manifestarão como análises conceituais, mas sim como informações empíricas sobre a forma como o mundo funciona (PAPINEAU, 2009).

mais gerais, o que isso mostra é que nem sempre é possível isolar um determinado conceito e tentar analisá-lo ou dar uma teoria sobre “O que é isso?”. A pessoa tem que ter uma visão mais ampla do papel do conceito na ciência como um todo e deve-se permitir que o esclarecimento ou o progresso possa ser melhor servido através da substituição ou abandono do conceito. Além disso, essa atitude pode ser adequada, mesmo quando ainda não sabem como evitá-lo ou substituí-lo193.

A ideia de “substituição” na epistemologia tradicional, para Quine, portanto, é relativa à utilização da ciência para entender a ciência; não é a busca por uma fundação independente para a ciência ou conhecimento geral, já que esse é um esforço ininteligível. Seu alvo não era um “detalhe” da filosofia, mas suas ideias fundamentais, nomeadamente, a de que há uma distinção entre verdades analíticas e verdades sintéticas, que podem explicar verdades

a priori. (HYLTON, 2014).

Jules Coleman aponta duas consequências devastadoras do argumento do holismo quineano para o projeto da Análise Conceitual. Primeira, por que todas as afirmações estão sujeitas ao tribunal da experiência, não há domínio de análise filosófica não-empírica: não há uma forma especial na qual a filosofia possa iluminar a natureza das coisas. Se não há verdades analíticas, então não há verdades conceituais: nada é necessariamente verdadeiro sobre nossos conceitos, quer de arte, música ou direito. Em segundo lugar, na medida em que a verdade de várias afirmações está inserida numa rede de crenças, temos que desistir da ideia de que haja conceitos reificados que são dotados de significado, fora dos quais o significado das proposições seja determinado. É a linguagem como um todo que tem significado, e as partes componentes da linguagem adquirem conhecimento no contexto do seu lugar na linguagem. Assim, de acordo com uma filosofia pós-Quinena, não apenas devemos abandonar a visão dos conceitos como objetos reificados, mas os próprios significados atomizados (COLEMAN, 2011, p. 345).

193 Na explicação de Quine: “This definition is paradigmatic of what we are most typically up to when in a philosophical spirit we offer an 'analysis' or 'explication' of some hitherto inadequately formulated 'idea' or expression. We do not claim synonymy. We do not claim to make clear and explicit what the users of the unclear expression had unconsciously in mind all along. We do not expose hidden meanings, as the words 'analysis' and 'explication' would suggest; we supply lacks. We fix on the particular functions of the unclear expression that make it worth troubling about, and then devise a substitute, clear and couched in terms to our liking, that fulfils those functions. This point is strikingly illustrated by Wiener's {{x}, {y, 0}}. Our example is atypical in just one respect: the demands of partial agreement are preternaturally succinct and explicit [in that a definition is acceptable if and only if it validates the condition If <x, y> - <z, w> then x=y andy=z]”.