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1 CAPÍTULO

3.1 A constitucionalidade da contribuição social sobre os proventos de

3.1.4 Análise crítica

A despeito das críticas existentes quanto ao julgamento da ADI nº 3.105324, para os fins desta dissertação, a conclusão a que se chega é que se trata de julgamento que manteve a coerência com os entendimentos anteriores do STF, notadamente a ADI nº 1.441 e na ADI-MC nº 2.010. Sim, é importante registrar que não é possível falar em contrariedade ao que foi decidido por ocasião da ADI-MC nº 2.010 por duas razões. Primeiro, deve ser considerada a peculiaridade desta última, que analisava a compatibilidade de lei ordinária que instituíra a contribuição dos inativos e pensionistas (Lei nº 9.783/99) em face da CF/88, notadamente seu texto em vigor à época, com as recentes alterações promovidas pela EC nº 20/98. Segundo, na ADI nº 3.105, discutia-se a constitucionalidade da própria EC nº 41/03, mais especificamente seu art. 4º, em contraste com o texto originário da CF/88, o que muda todo o contexto e repercute no modo de resolver a questão.

Aqui, cabe enfatizar mais uma vez a peculiaridade determinante para o desfecho do julgamento da ADI nº 3.105, qual seja, a modificação legislativa implementada no ordenamento constitucional com a EC nº 41/03, que incluiu nas regras constitucionais

previdenciários de que necessitarem. Nesse sistema de repartição simples, tem-se uma solidariedade compulsória, na medida em que as contribuições vertidas pelos trabalhadores são empregadas no pagamento dos benefícios de terceiros, diferentes dos contribuintes e de forma independente da vontade desses.

323 O sistema de capitalização, diferentemente do modelo de repartição simples, implica na utilização das

contribuições dos trabalhadores da geração ativa para a formação de uma grande reserva, seja em contas individualizadas, seja em contas coletivas. O objetivo é investir tais recursos e fazer os valores renderem juros, de maneira a, quando da concessão da aposentadoria ou da pensão por morte, empregrar a referida reserva no pagamento dos benefícios previdenciários.

324 Para uma leitura crítica da postura do STF neste caso e em outros, ressaltando uma grande tendência

de afinação do STF com a conjuntura política predominante, veja-se: LIMA, Alberto Barbosa. Reformas da Previdência e contribuição dos servidores inativos e pensionistas: como o STF lida com um problema econômico que conflita com direitos adquiridos? – Uma análise da ADI 3.105. In: COUTINHO, Diogo R.; VOJVODIC, Adriana M. (Coords.). Jurisprudência constitucional: Como decide o STF?. São Paulo: Malheiros, 2009, pp. 319-332; e LIMA, Francisco Gérson Masques de. O STF na crise

institucional brasileira, Estudos de casos: abordagem interdisciplinar de sociologia constitucional. São

de competência a possibilidade de instituição da contribuição dos inativos, de forma expressa, como demanda um sistema tributário seguro, na linha do que foi analisado no capítulo primeiro. Na prática, a EC nº 41/03 sanou as objeções levantadas à Lei nº 9.783/99 quando do julgamento da ADI-MC nº 2.010, tendo esvaziado o principal argumento daquela ocasião.

Na ADI nº 3.105, o principal assunto debatido foi a existência de violação ou não ao direito adquirido.

Dos votos dos ministros na ADI nº 3.105, o mais radical em prol da constitucionalidade da reforma da EC nº 41/03 foi o do Ministro Joaquim Barbosa, cuja fala quase chega a defender que as cláusulas do art. 60, § 4º, da CF/88, não seriam tão pétreas assim.

Como demonstrado em diversas passagens nos votos dos ministros, o argumento em torno das consequências econômicas do julgamento indiscutivelmente se fez presente, ora para um lado (impacto nas contas públicas, em caso de procedência da ação), ora para outro (renda individual das famílias, se julgada improcedente a ADI), tendo exercido grande influência para reforçar o sentido do julgamento.

O único voto que não fez qualquer tipo de alusão, sequer implícita, às consequências econômicas foi o da relatora originária, a Ministra Ellen Gracie, que elaborou voto estritamente técnico-jurídico325. A despeito disso, cometeu um pequeno deslize. Ao explicar sua ideia de que, ocorrida a aposentadoria do servidor, não mais fazia sentido exigir-lhe contribuição, olvidou-se que a contribuição social dos servidores públicos ativos para o custeio de sua previdência foi instituída apenas com a EC nº 03/93, o que fragiliza o argumento levantado no sentido de que os servidores aposentados “já teriam contribuído” para alcançar tal situação. Na verdade, até então o sistema era custeado integralmente pelo Poder Público.

Nada obstante tal presença do argumento econômico, esta pesquisa concluiu que não é possível afirmar, ante a análise dos votos, que esse argumento consequencialista tenha pautado o julgamento do começo ao fim ou tenha sido o mais determinante para o sentido do julgamento. Na verdade, tem-se que, aqui, o argumento econômico, à luz da

325 Aqui, vale registrar que mesmo uma postura como essa da Ministra implica determinada forma de

tratamento das consequências econômicas. Isso porque, ainda que o foco tenha ficado nas questões estritamente técnicas, o fato é que com isso também se faz uma escolha política e, ao mesmo tempo, quanto ao trato das consequências econômicas: essas terão seu curso normal, sem intervenção do Poder Judiciário para seu controle. Talvez nem sempre exista a consciência disso por parte dos julgadores, mas a questão poderá ficar mais clara com o aprofundamento dos estudos, para o que pretende contribuir a presente dissertação.

ótica consequencialista, foi utilizado corretamente pelo STF para julgar a ADI nº 3.105, na medida em que compôs o juízo decisório ao lado do argumento jurídico, sem contrariar regras.

Aplicando os parâmetros teóricos explicitados no capítulo segundo, viu-se a presença do que Schuartz (2008) chama de consequencialismo fraco e, portanto, não problemático. O raciocínio pautado nas consequências econômicas foi colocado de forma expressa, como recomendado, mas não constou da ementa, por exemplo.

E, também se utilizado MacCormick como paradigma para análise, chega-se ao mesmo arremate de que o STF andou bem ao considerar as consequências econômicas de sua decisão, sem menosprezar regras e entendimentos jurisprudenciais precedentes. Manteve a coerência e coesão.

Avançando na análise, e saindo um pouco do espectro estritamente jurídico, pode-se dizer que o Poder Executivo, ao aprovar a EC nº 41/03, mostrou que é possível implementar a política pública da maneira aqui considerada correta, isto é, a partir de regras, passando pelo Poder Legislativo. E, mais, no que toca ao mérito, trata-se de política igualmente coerente com as reformas anteriores, pois continuou trilhando o caminho que já vinha percorrendo desde a EC nº 20/1998, rumo à redução das desigualdades sociais326. Por seu turno, acredita-se que o STF chancelou tal modus

operandi na ADI nº 3.105, fazendo valer as escolhas dos Poderes Executivo e Legislativo, em perfeito funcionamento harmônico como prevê o art. 2º da CF/88.

Nesse sentido, perceba-se aqui, quanto à contribuição social dos inativos, que a ponderação das consequências foi situada na própria formulação da política pública, caminhando para cada vez mais tornar similares as regras do regime geral de previdência social – RGPS e dos regimes próprios de previdência social no serviço público – RPPS327.

326 Existem diversos estudos nesse sentido: AMARO, Meiriane Nunes. Terceira Reforma da

Previdência: até quando esperar? Textos para Discussão 84. Fevereiro/2011. Brasília: Centro de Estudos

da Consultoria do Senado, 2011; GIAMBIAGI, Fábio e TAFNER, Paulo. Demografia, a ameaça

invisível. O dilema previdenciário que o Brasil se recusa a encarar. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010;

PACHECO FILHO, Calino; WINCKLER, Carlos Roberto. Reforma da Previdência: o ajuste no serviço público. Indicadores Econômicos, Fundação de Economia Estatística (FEE), Porto Alegre, v. 32, n. 4, p. 221-248, mar. 2005; MENEGUIN, Fernando B. Previdência complementar dos servidores públicos. Textos para Discussão 88, março/2011, Brasília: Centro de Estudos da Consultoria do Senado, 2011.

327 Vale salientar que, de forma coerente, o Poder Executivo continua adotando uma série de medidas

nesse sentido, a exemplo da aprovação da Lei nº 12.618/2012, que institui o regime de previdência complementar para os servidores públicos federais titulares de cargo efetivo, inclusive os membros dos órgãos que menciona; fixa o limite máximo para a concessão de aposentadorias e pensões pelo regime de previdência de que trata o art. 40 da Constituição Federal e dá outras providências.

3.2. A constitucionalidade da revogação (pelo art. 56 da Lei nº 9.430/96) da