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1 CAPÍTULO

2.4 Parâmetros (possibilidades, forma e limites) do consequencialismo

Como já foi possível demonstrar ao longo deste capítulo segundo, o peso que as consequências devem ter na decisão judicial, bem como a forma correta de ponderá-las, é tema que tem merecido tratamentos diferentes nas diversas abordagens teóricas apresentadas. Cada um desses enfoques, à sua maneira, contribui para a melhor reflexão do assunto, motivo pelo qual foram escolhidos para apresentação nesta dissertação.

Como visto, na teoria de Neil MacCormick, a reflexão sobre as consequências da decisão judicial constitui etapa obrigatória do processo decisório do magistrado. Nesse sentido, o papel das consequências é decisivo, pois é em função delas que resta permitida a escolha da melhor decisão, entre os caminhos decisórios alternativamente possíveis. Nesse sentido, se indesejadas, por exemplo, as consequências podem ser determinantes para afastar uma decisão.

As consequências que importam para MacCormick não são as do caso concreto ou somente para as partes diretamente envolvidas no processo, mas também as consequências para o sistema jurídico, com enfoque no potencial de universalização da decisão como padrão normativo de conduta. Uma boa decisão para MacCormick seria

sobre a questão, apontando críticas quanto à desordem, desequilíbrio econômico e a falta de transparência fiscal, vejam-se PATU, Gustavo. Análise: Artifícios contábeis distorcem austeridade e investimentos.

Folha de São Paulo, 12/01/2013. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/1213909-

analise-artificios-contabeis-distorcem-austeridade-e-investimentos.shtml>. Acesso em: 04 abr. 2013.; LIMA, Flavia. Sem "manobras", dívida pública subiria, aponta estudo. Valor Econômico, 18.02.2013, p. A4; MARTELLO, Alexandro. Guido Mantega nega 'maquiagem' das contas públicas. G1, 21.03.2013. Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2013/03/guido-mantega-nega-maquiagem-das- contas-publicas.html>. Acesso em: 04 abr. 2013.

aquela passível de aplicação a casos análogos, com potencial de universalização, sem que disso decorressem efeitos incompatíveis com a ordem jurídica existente e estabelecida, em termos de consistência, coerência e justiça, e especialmente do direito.

Em MacCormick, o papel das decisões jurisprudenciais (precedentes, no termo usado pelo autor) é o de decisões sujeitas a revisão, e não decisões fixas e vinculantes. Entretanto, entende que as rejeições dos entendimentos jurisprudenciais assentados devem ser feitas de forma prospectiva.

Por seu turno, no pensamento de Richard Posner, o “olhar para as consequências” é uma postura imprescindível do juiz. Com isso, tem-se que a teoria de Posner assume um caráter quase panfletário, conclamando os magistrados a agirem dessa forma – comprometidos com o mundo – para serem responsáveis284. O tom é mais de defesa de uma atitude ativista, em vez de realização de uma etapa necessária de um procedimento, interessada e voltada para as necessidades sociais285.

A despeito de não terem dialogado efetivamente, as ideias de Posner convergem com as de MacCormick quanto às consequências que merecem atenção por parte do julgador. Embora não tenham afirmado claramente quais consequências importam, ambos apregoam a necessidade de olhar não somente para as consequências específicas do caso concreto (case-specific consequences), mas também as consequências por Posner chamadas de sistêmicas (systemic consequences). Embora MacCormick não tenha utilizado essa denominação, a ideia corresponde exatamente à noção dele acerca das consequências efetivamente importantes. Na teoria de MacCormick, a própria tarefa de justificação das decisões judiciais cumpriria o papel de revelar as consequências relevantes.

De modo diferente de MacCormick, entretanto, o pragmatismo jurídico de Posner reconhece a possibilidade de serem proferidas decisões judiciais calcadas exclusivamente em suas consequências, inclusive sendo antidogmáticas, ou seja, contrárias ao direito posto – e mais que isso, considera-as legítimas, porquanto necessárias como instrumento rumo ao progresso. Concebe Posner o direito como ferramenta para a solução de conflitos, daí que, não se fazendo útil no caso concreto, pode ser afastado. Pela mesma razão, os entendimentos jurisprudenciais anteriores

284 A demonstrar essa afirmação, veja-se o próprio título do capítulo XV “Um manifesto pragmático” do

livro Problemas de filosofia do direito (Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2007).

servem como mera diretriz, podendo eventualmente não ser seguidos, em razão de suas consequências.

Posner, todavia, refuta a associação de que tal conduta – o proferimento de decisões antidogmáticas – implique decisões casuísticas ou ad hoc. Tais decisões seriam calcadas nas suas consequências, tanto de curto, como de longo prazo, as quais devem guardar relação com as necessidades humanas e sociais, sendo, assim, alicerce suficiente. Outro grande distintivo da teoria de Posner em relação à de MacCormick refere-se ao lugar do consequencialismo, já que este último preocupava-se com as consequências no tema da justificação das decisões judiciais, ao passo que Posner concebe a atenção para as consequências como um plano de trabalho e o valor das consequências como associado elemento da função do direito e do Poder Judiciário.

Com o objetivo de sistematizar as formulações dos tópicos anteriores, parece ser possível construir alguns parâmetros com o intuito de nortear o manejo do consequencialismo econômico nas decisões do STF em matéria tributária286.

Primeiramente, tem-se que a valoração de uma consequência econômica somente pode vir lastreada em argumentação que dê suporte de forma minimamente explicada, demonstrando o caminho do raciocínio que conduziu à conclusão do julgamento. Com isso, tem-se que a postura consequencialista não pode se limitar a uma simples postura mental, de modo que, se a preocupação com as consequências atuou na tomada de decisão, esse dado deve ser revelado e debatido entre os julgadores.

Essa condição reúne a concordância tanto de MacCormick, Schuartz e Piscitelli. Como se viu, Posner não parece muito preocupado com a justificação sob a forma de fundamentação das decisões.

Assim, tem-se que, quando usado, o argumento consequencialista deve ser necessariamente explícito.

286 De maneira semelhante, Fábio Martins de Andrade, previamente convencionando para os fins de seu

trabalho a noção de pragmatismo e o conceito de consequencialismo como expressões sinônimas, elaborou um “manual para o uso do argumento pragmático ou consequencialista”, estabelecendo as seguintes “regras”:

“Regra A: O argumento pragmático ou consequencialista de cunho econômico não deve ser computado sozinho na decisão judicial em matéria tributária, sob pena de sua manifesta ilegitimidade.

Regra B: O argumento pragmático ou consequencialista de cunho econômico pode ser legitimamente

computado na decisão judicial em matéria tributária, desde que seja considerado de modo explícito, seja capaz de corroborar os argumentos jurídicos que a sustentam e seja fundamentado em sede constitucional de maneira clara.

Regra C: Em nenhuma hipótese deve ser admitido na decisão judicial o argumento pragmático ou

consequencialista de cunho econômico em matéria tributária sustentado de maneira implícita, camuflada ou de modo que não seja fundamentado em sede constitucional, sob pena de sua flagrante ilegitimidade.”

(ANDRADE, Fábio Martins de. Modulação em matéria tributária: o argumento pragmático ou consequencialista de cunho econômico e as decisões do STF. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 204.).

Em segundo lugar, entende-se que o argumento consequencialista por si só não pode ser capaz de sustentar de forma suficiente a tomada de uma decisão judicial. Aqui, tem-se verdadeiro limite ao uso do argumento consequencialista, o qual sempre deve vir acompanhado de considerações jurídicas predominantemente.

Nesse ponto, discorda-se do pensamento de Richard Posner, para quem a realização das consequências pretendidas poderia ser bastante para sustentar o julgamento.

Desta forma, o argumento consequencialista não pode ser utilizado de modo exclusivo ou isolado.

Em complementação ao parâmetro anterior, tem-se que, além de não poder constituir fundamento único de uma decisão, do uso do argumento consequencialista não pode resultar em decisão contrária ao direito. In casu, o limite em questão igualmente contraria o pensamento de Posner, que admite decisões contra legem, fundadas apenas em suas consequências.

Além disso, a exigência no sentido de que o juízo sobre as consequências seja generalizável, tenha validade erga omnes, seja de alcance universal.

Em primeiro lugar, isso significa que merecem atenção as consequências que exsurgem da repetição da decisão pretendida para casos análogos. Secundariamente, tem-se que da preocupação com as consequências não devem resultar decisões casuísticas ou ad hoc.

Esse requisito também é exigido por MacCormick, mas em formulação um pouco diversa, já que para esse autor a universalidade da decisão constitui elemento autônomo da sua legitimidade, dado que as decisões judiciais introduzem um padrão normativo de conduta.

Aqui, de forma um pouco diversa, pretende-se que não só a decisão, mas também o argumento consequencialista atendam ao princípio da universalidade, como formulado por Schuartz.

Seguindo o insight de MacCormick, tem-se que a preocupação com as consequências deve estar situada nas últimas etapas do processo de tomada da decisão judicial, como uma espécie de filtro – ou um teste, para usar a expressão do próprio autor –, para aferir a legitimidade da decisão. O juízo sobre as consequências deve funcionar como instrumento de controle: acaso, por exemplo, indesejadas as suas consequências, restaria descartada a decisão pretendida.

Na mesma linha, para Lorenzetti287, nas decisões judiciais as regras devem ser aplicadas, mas também controladas as suas consequências, com o que se alcança uma postura consequencialista aqui tida como válida.

Isso porque as consequências não só podem, como devem, ser compatibilizadas com as demais preocupações inerentes à tomada da decisão judicial, como a coerência da decisão judicial em termos de obediência ao ordenamento. Na verdade, é justamente esse o papel da análise das consequências: estar a serviço da adequação jurídica da decisão às finalidades que deveria implementar juridicamente.

Por fim, outro parâmetro a ser apontado para a utilização do argumento consequencialista concerne à necessidade de demonstrar as consequências objeto da preocupação. É dizer, não basta fazer menção ao argumento, fazendo-se imperiosa a comprovação da grande probabilidade de acerto do juízo.

À guisa de ilustração, não seria suficiente a alegação sobre as “consequências para as contas públicas”, sem números confiáveis que atestem a afirmação.

Traçado o panorama geral das principais correntes doutrinárias com abordagens consequencialistas e, delineados brevemente os parâmetros acima, para a análise dos casos concretos previamente escolhidos a ser feita no próximo capítulo, reputa-se atendido o objetivo do presente capítulo.

287 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da decisão judicial: fundamentos de direito. 2. ed. São Paulo:

3 CAPÍTULO

ANÁLISE DE CASOS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

No capítulo anterior, assentou-se a noção de consequencialismo para os fins da presente dissertação, bem como se fez uma exposição do que se reputou necessário do pensamento dos principais autores que abordam a questão da análise das consequências no âmbito das decisões judiciais, quais sejam: o escocês Neil MacCormick, no item 2.1; o norte-americano Richard Posner, no item 2.2; e os brasileiros Luís Fernando Schuartz e Tathiane dos Santos Piscitelli, no item 2.3.

Considerando a inexistência de um único modelo teórico que defina categoricamente como devem ser sopesadas as consequências econômicas das causas tributárias, no item 2.4 do capítulo anterior, articulou-se um caminho para a decisão judicial fazer uso do argumento consequencialista de forma correta, tendo-se fixado alguns parâmetros mínimos nesse sentido, alcançados a partir das ideias dos autores estudados.

O arcabouço teórico formulado nas páginas atrás servirá para a análise da jurisprudência do STF, por intermédio do exame dos acórdãos e dos debates orais dos Ministros, de forma a identificar o tratamento que o STF vem dando às consequências econômicas de seus julgados em matéria tributária.

Aqui, o propósito do capítulo é revelar a presença do consequencialismo e o peso que lhe foi dado nos casos concretos apresentados, selecionados em função de sua relevância, nos quais foram utilizados argumentos consequencialistas. Além disso, objetiva-se formular críticas à postura do STF, conforme os lapsos e acertos de cada caso.

Nesse sentido, dividiu-se o presente capítulo terceiro por seções, uma para cada caso escolhido, com a seguinte estrutura: resumo da questão discutida, fundamentos decisórios elencados e crítica quanto ao acerto ou equívoco da avaliação das consequências econômicas por ocasião do julgamento, conforme o caso.

Para o resumo da questão discutida, recorreu-se aos relatórios dos próprios votos de cada um dos Ministros e à argumentação sustentada na própria petição inicial. Para revelar as razões de decidir, as fontes foram os acórdãos de julgamentos propriamente ditos. Por fim, para as críticas, socorreu-se: a) aos próprios entendimentos jurisprudenciais anteriores do STF, muitas vezes mencionados nos acórdãos mesmo

(verificando-se, em especial, a adequação de sua menção como argumento para reforçar a ratio decidendi); e b) ao que a doutrina já produziu de análise dos casos trabalhados.

3.1 A constitucionalidade da contribuição social sobre os proventos de