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A imunidade de ICMS quanto às operações interestaduais com petróleo,

1 CAPÍTULO

3.5 A imunidade de ICMS quanto às operações interestaduais com petróleo,

3.5.1. Breve resgate prévio

O art. 155, § 2º, inciso X, alínea b, da CF/88399, estabelece regra especial de imunidade para o ICMS, determinando a não incidência desse imposto nas operações interestaduais que envolvam petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica.

O propósito da regra é o de desonerar os insumos citados e assim beneficiar os Estados federados não produtores dessas mercadorias. Tem-se que, nas palavras de Roque Antonio Carrazza, “(...) interpretação sistemática do preceito constitucional em exame revela que ele tem por objeto evitar a hegemonia de uns Estados (os produtores de petróleo e de energia elétrica) sobre os demais; exprime, pois, preocupação com a equidade federativa.”400.

De fato, considerando que tais insumos são produzidos por poucos Estados, a aplicação da regra geral a respeito da incidência do ICMS nas operações interestaduais poderia agravar as desigualdades regionais, em detrimento dos Estados que apenas consomem e não produzem os insumos citados.

Nesse sentido, tem-se no art. 155, § 2º, inciso X, alínea b, da CF/88, na verdade, aplicação do princípio jurisdicional de tributação exclusiva no Estado de destino, em detrimento do princípio de origem.

Valcir Gassen explica os referidos princípios:

Pode-se entender por princípio jurisdicional de tributação no Estado de origem a tributação feita no Estado em que as mercadorias são produzidas,

399“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (...) 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (...) X - não incidirá: (...) b) sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica;”.

400 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 28. ed.. São Paulo:

isto é, produz-se determinada mercadoria no Estado A e neste mesmo se tributa. Já no princípio de tributação no Estado de destino se manifesta quando a imposição tributária ocorre no Estado de destino das mercadorias,

v. g., produz-se uma mercadorias no Estado A e o tributo incidirá no Estado B, de destino destas.

Se, por um lado, é assim que se podem significar esses princípios, por outro, no que pese terem a natureza de princípios de jurisdição tributária, pode-se perceber que, no primeiro caso, uma vez tributado na origem, o produto não receberá gravame no Estado de destino, e no segundo, o contrário: não tributado no Estado de origem, o produto receberá gravame no Estado de destino,

Na adoção do princípio de origem salienta-se, no sentido de determinar, o “Estado” em que é produzida uma mercadoria em detrimento do “Estado” em que a mercadoria será consumida. Na utilização do princípio de destino independe, não se determina, não importa qual seja o Estado que produziu a referida mercadoria e sim o Estado de destino da mesma. No primeiro determina-se o Estado de origem e abstrai-se o local de destino, no segundo, abstrai-se o de origem e determina-se o de destino.

Além desse sentido no que tange ao “Estado de origem” e ao “Estado de destino”, há que se notar que, na adoção do princípio de origem salienta-se a “produção” e, na adoção do princípio de destino, destaca-se o “consumo”, ou seja, em razão da determinação do “Estado” de origem ou de destino, considera-se a produção e o consumo, respectivamente.401

O foco do art. 155, § 2º, inciso X, alínea b, da CF/88, portanto, é o consumo. Em 1992, quando da celebração no âmbito Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ do Convênio nº 105, foi autorizado aos Estados e o Distrito Federal a atribuir aos remetentes de derivados de petróleo e dos demais combustíveis e lubrificantes, situados em outras unidades da Federação, a condição de responsável para efeito de pagamento de ICMS402.

A referida norma constitucional foi disciplinada no art. 2º, § 1º, da Lei Complementar nº 87/96 (Lei Kandir)403, que dispõe sobre o ICMS. Estabeleceu-se que, nas operações que envolvam os insumos citados, quando não destinados à comercialização ou à industrialização, a incidência do imposto se dá no Estado de destino das mercadorias404,405.

401 GASSEN, Valcir. A tributação do consumo: o princípio de origem e de destino em processos de

integração econômica. Florianópolis: Momento atual, 2004, p. 84.

402 “Cláusula primeira. Ficam os Estados e o Distrito Federal, quando destinatários, autorizados a atribuir aos remetentes de combustíveis e lubrificantes, derivados ou não de petróleo, situados em outras unidades da Federação, a condição de contribuintes ou de substitutos tributários, relativamente ao ICMS incidente sobre as operações com esses produtos, a partir da operação que os remetentes estiverem realizando, até a última, assegurado o seu recolhimento à unidade federada onde estiver localizado o adquirente. (...).”.

403 “Art. 2º. (...) § 1º O imposto incide também: (...) III - sobre a entrada, no território do Estado destinatário, de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou à industrialização, decorrentes de operações interestaduais, cabendo o imposto ao Estado onde estiver localizado o adquirente.”.

404 Por seu turno, quando destinadas quando destinados à comercialização ou à industrialização, incide a

3.5.2. Resumo da questão discutida

No RE nº 198.088406, discutiu-se a constitucionalidade da exigência do ICMS no âmbito do Estado de São Paulo, com base em norma estadual, devido por consumidor final localizado em São Paulo adquirente dos insumos em referência provenientes do Rio de Janeiro.

Em outras palavras, a questão era saber o alcance da regra constante do art. 155, § 2º, inciso X, alínea b, da CF/88, se tinha por escopo favorecer as empresas ou particulares adquirentes.

3.5.3. Fundamentos decisórios elencados

O relator do RE nº 198.088, o Ministro Ilmar Galvão, negou provimento ao recurso em seu voto proferido em 10.02.2000, mantendo a decisão do TJ-SP no sentido de reconhecer devida a incidência do ICMS no caso concreto. Utilizou como fundamento o raciocínio de que a regra do art. 155, § 2º, inciso X, alínea b, da CF/88, não se cuida de verdadeira imunidade, pois apenas impede a incidência do ICMS no Estado de origem, não alcançando o Estado de destino onde são tributadas todas as operações que compõem o ciclo econômico por que passam os produtos descritos no dispositivo sob enfoque, desde a produção até o consumo407.

interestaduais relativas a energia elétrica e petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, quando destinados à industrialização ou à comercialização;”.

405 Estabeleceu-se, ainda, a substituição tributária para a hipótese no art. 9º: “Art. 9º A adoção do regime de substituição tributária em operações interestaduais dependerá de acordo específico celebrado pelos Estados interessados. § 1º A responsabilidade a que se refere o art. 6º poderá ser atribuída: I - ao contribuinte que realizar operação interestadual com petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, em relação às operações subseqüentes; (...) § 2º Nas operações interestaduais com as mercadorias de que tratam os incisos I e II do parágrafo anterior, que tenham como destinatário consumidor final, o imposto incidente na operação será devido ao Estado onde estiver localizado o adquirente e será pago pelo remetente.”.

406 “TRIBUTÁRIO. ICMS. LUBRIFICANTES E COMBUSTÍVEIS LÍQUIDOS E GASOSOS,

DERIVADOS DO PETRÓLEO. OPERAÇÕES INTERESTADUAIS. IMUNIDADE DO ART. 155, § 2º, X, B, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Benefício fiscal que não foi instituído em prol do consumidor, mas do Estado de destino dos produtos em causa, ao qual caberá, em sua totalidade, o ICMS sobre eles incidente, desde a remessa até o consumo. Conseqüente descabimento das teses da imunidade e da inconstitucionalidade dos textos legais, com que a empresa consumidora dos produtos em causa pretendeu obviar, no caso, a exigência tributária do Estado de São Paulo. Recurso conhecido, mas desprovido.” (STF, RE 198088, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em 17/05/2000, DJ 05-09-2003 PP-00032 EMENT VOL-02122-03 PP-00618)

Em reforço ao seu argumento, trouxe o disposto no art. 34, § 9º, do ADCT408, que estabeleceu a responsabilidade tributária das empresas distribuidoras de energia elétrica nas operações interestaduais, é dizer, as que destinem energia elétrica a outro Estado ou ao Distrito Federal. Além disso, suscitou também que o art. 20, § 1º, da CF/88409, já garantiria aos Estados produtores os royalties, que seriam a compensação pela exploração dos recursos naturais.

Na sequência, após o voto do Ministro Ilmar Galvão, pediu vista o Ministro Marco Aurélio, que apresentou seu voto na sessão de 17.05.2000, divergindo do relator. Entendeu o Ministro Marco Aurélio que a operação do fato gerador do ICMS em questão seria única, de modo que não seria possível desdobrá-la para considerar que a saída da mercadoria não seria tributária, mas, em compensação, a entrada dos insumos petróleo, lubrificantes, combustíveis e energia elétrica no Estado de destino seria tributada.

Daí sucedeu-se um intenso debate oral na sessão plenária, juntando argumentos jurídicos e argumentos consequencialistas410.

O Ministro Maurício Corrêa trouxe um importante argumento a respeito da leitura do art. 155, § 2º, inciso X, alínea b, da CF/88, qual seja, a necessidade de ler o referido dispositivo constitucional em paralelo ao disposto no art. 155, § 3º, da CF/88411, de acordo com o qual sobre operações relativas à energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais apenas incidem o

408“Art. 34. (...) § 9º - Até que lei complementar disponha sobre a matéria, as empresas distribuidoras de energia elétrica, na condição de contribuintes ou de substitutos tributários, serão as responsáveis, por ocasião da saída do produto de seus estabelecimentos, ainda que destinado a outra unidade da Federação, pelo pagamento do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias incidente sobre energia elétrica, desde a produção ou importação até a última operação, calculado o imposto sobre o preço então praticado na operação final e assegurado seu recolhimento ao Estado ou ao Distrito Federal, conforme o local onde deva ocorrer essa operação.”.

409 “Art. 20. (...) § 1º - É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.”.

410 Para Marciano Seabra de Godoi, tais argumentos consequencialistas foram determinantes no

julgamento em questão: “Mas a argumentação que parece ter sido realmente decisiva entre a maioria do Pleno (que acompanhou o Relator) foi aquela guiada pelas consequências advindas da interpretação.

Com efeito, a prevalecer a interpretação mais recomendada do ponto de vista literal/gramatical (e mesmo do ponto de vista da noção técnica do vocábulo “operações”), as distorções mercadológicas seriam gritantes, pois os consumidores iriam sempre preferir adquirir combustíveis e derivados em Estados vizinhos. No exemplo do Ministro Ilmar Galvão, “as empresas de ônibus de Brasília iriam abastecer-se em Anápolis, obviamente” (fl. 647)” (GODOI, Marciano Seabra de. Questões atuais do

direito tributário na jurisprudência do STF. São Paulo: Dialética, 2006, p. 15.).

411“Art. 155. (...) § 3º À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País.”.

ICMS, o imposto de importação e o imposto de exportação. Portanto, a interpretação do art. 155, § 2º, inciso X, alínea b, da CF/88, não poderia redundar no total afastamento do ICMS no caso, já que o § 3º reconhece a incidência. Por essa lógica, o objetivo da norma seria apenas afastar a sistemática da tributação interestadual prevista no art. 155, § 2º, incisos VII e VIII, da CF/88.

O Ministro Sepúlveda Pertence, concordando com o relator, aludiu à coerência da interpretação para com o sistema (pois evitaria o benefício exclusivo dos Estados refinadores e permitiria a arrecadação em prol dos Estados destinatários), bem como à possibilidade de conflitos entre os Estados membros acaso o STF tomasse decisão diversa412.

Nos debates orais travados, entretanto, o Ministro Marco Aurélio parecia irredutível, não se deixando convencer de jeito nenhum pelas considerações dos Ministros Ilmar Galvão e Nelson Jobim. Vale transcrever o seguinte excerto no qual também fica bastante claro o consequencialismo empregado:

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Então a saída passa a ser

tributada à margem da imunidade constitucional, é isso?

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Se tivéssemos adotado a posição do Ministro Marco Aurélio, o que teríamos? Teríamos que todos os consumidores passariam a adquirir petróleo no Estado vizinho.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Paciência, Ministro!

(...)

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Então, veja o que se passaria: esta interpretação determinaria que todos os consumidores passariam a adquirir insumos no Estado produtor, e isto é nada mais, nada menos, que destruir toda possibilidade de uma circulação sem conflitos dos tributos no país.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Vamos reescrever a

Constituição Federal?

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Não, não vamos reescrevê-la

(rectius). (...) O que se passa é que, se decidirmos dessa forma, não acompanhando o Ministro Ilmar Galvão, vamos estabelecer uma situação rigorosamente absurda no que diz respeito à partilha do tributo incidente sobre a situação.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Acaba-se, então, com a imunidade. Foi o que já disse: o preceito não define o beneficiário do tributo. (...)

O SENHOR MINISTRO ILMAR GALVÃO (RELATOR) – O contrário

seria o caos total. As empresas de ônibus de Brasília iriam abastecer-se em Anápolis, obviamente.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Ministro, os constituintes deveriam ter pensado nisso.

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Não, pensaram muito bem.

V. Exª. é quem está criando uma situação nova, que vai criar um caos no

412 Afirmou que “(...) entendida essa imunidade como instituída em benefício do consumidor, ela, ao mesmo tempo, como tal, não encontraria nenhuma explicação racional e desafiaria qualquer inspiração isonômica, como também, ao invés de solver conflitos, agravaria o conflito que a regulação nacional tendeu a evitar.” (RE nº 198.088, p. 656.).

sistema tributário brasileiro, o qual não pode ser atribuído ao Supremo Tribunal.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Não, Excelência, só não

posso esvaziar certo instituto, como é o instituto da imunidade.

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – V. Exª. precisa examinar as conseqüências do seu voto. As conseqüências demonstram o absurdo do voto; as conseqüências do voto é que determinam o equívoco da premissa.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Não, Excelência, não posso esvaziar o instituto, como é o instituto da imunidade, não posso bipartir, como disse, uma operação composta de saída e entrada de mercadorias em apenas entrada de mercadoria. Se há saída, há entrada, a operação é única, é um grande todo. Só não é um grande todo – e eu, aqui, coloquei no meu voto – naquele caso em que se importa mercadoria, em que a mercadoria vem do exterior. Aí não consideramos a saída, mas, nacionalmente, se a circulação é interna, temos, no ICM, a operação composta pela saída e entrada da mercadoria. Isso é o que se denomina, na sistemática tributária nacional, operação.

O SENHOR MINISTRO ILMAR GALVÃO (RELATOR) – Pode ser

tributado em zero na saída e de forma plena na entrada.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Mas não está. Há

distinção na Carta da República de dois institutos: o primeiro instituto é o da atribuição. Aí temos, quanto à mercadoria importada, preceito claríssimo; o segundo instituto é o da imunidade na venda de petróleo ou derivado para outro Estado. Essa imunidade apanha, beneficia a operação como um grande todo composto de saída e entrada.

O SENHOR MINISTRO ILMAR GALVÃO (RELATOR) – A

constituição quis beneficiar o consumidor de petróleo, desde que este vá de um Estado para o outro.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Qual é a valia do preceito constitucional então? Apenas atribuir ao Estado destinatário da mercadoria o tributo? Isso não está na norma.

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Exatamente é esse o objetivo.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Não posso, como

intérprete, por maior que seja a tentação que sofro, tentação evolutiva, abandonar os parâmetros da Constituição.

O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – V. Exª. está criando parâmetros que não estão no texto.

Sr. Presidente, se a decisão fosse no sentido preconizado pelo Ministro Marco Aurélio, como consequência de uma leitura dessa forma sugerida por ele teríamos a seguinte situação: todo consumidor que adquirisse petróleo – e quando falo em consumidor estou falando em indústria, estou falando na indústria de alumínio, estou falando em toda indústria que tem como insumo o petróleo –, toda indústria deixa de pagar tributo se adquirir petróleo em outro Estado, pois pagará se adquirir internamente. O que isso significa? Significa que vamos ter uma enorme busca e alteração completa de toda a malha distributiva de petróleo no País.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Já se disse que a Carta atual é quase uma Carta decaída. Que venha uma emenda para corrigir o que nela está.

(...). 413

O Ministro Marco Aurélio ficou vencido, tendo os demais magistrados negado provimento ao recurso, reconhecendo a legitimidade da incidência do ICMS no caso concreto.

Na prática, o julgamento redundou em considerar que o art. 155, § 2º, inciso X, alínea b, da CF/88, é norma com o intuito de favorecer, não os consumidores finais da mercadoria, mas os Estados destinatários das mercadorias citadas (petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica), aos quais cabe a totalidade do ICMS incidente sobre tais operações.

É bem verdade que, ao fazer isso, igualmente se favorece os referidos consumidores finais, na qualidade de contribuintes do Estado onde se dá o consumo. Isso porque, indiretamente, o produto da arrecadação dos tributos sobre o consumo será revertido unicamente em prol dos contribuintes do Estado de destino.

A questão será mais bem explicada na sequência. De todo modo, o que se deve ter em mente é que a aplicação do princípio da tributação no destino, conforme instituído na norma em discussão, atende aos reclames de justiça tributária na repartição das receitas tributárias, na medida em que impede que os contribuintes dos Estados de destino (consumidores finais) paguem, por assim dizer, pelo bem-estar dos Estados produtores. Acaso vigorasse o princípio da tributação na origem, por exemplo, os Estados produtores obteriam receita derivada maior do que aqueles que fossem eminentemente consumidores.414

3.5.4. Análise crítica

O entendimento do STF no RE nº 198.088 já foi repetido no bojo do RE nº 190.992, também da relatoria do Ministro Ilmar Galvão; no RE nº 227.466-AgR, relatado pelo Ministro Sepúlveda Pertence; no RE nº 272.127-AgR, Relatora Ministra Ellen Gracie; e no RE nº 201.703, Relator Ministro Moreira Alves.

Com efeito, tem-se que a solução dada pelo STF no RE nº 198.088 consubstancia correta ponderação a respeito das consequências das decisões judiciais. In

casu, procedeu-se ao julgamento com base em argumentos jurídicos eminentemente, mas igualmente lastreado nas suas consequências, seguindo os moldes recomendados na teoria de MacCormick.

414 Como bem explica Valcir Gassen: “Se nada for coordenado ou harmonizado em termos de repartição das receitas tributárias, os Estados-membros tipicamente exportadores (aqueles que mais exportam) estarão na posse de receitas tributárias pagas pelos contribuintes dos Estados membros tipicamente importadores (aqueles que mais importam), que serão teoricamente revertidas em bem-estar para os cidadãos dos primeiros.” (GASSEN, Valcir. A tributação do consumo: o princípio de origem e de

O respeito às normas jurídicas restou observado por ter sido feita a opção pela interpretação sistemática do dispositivo, e não simplesmente apegada à sua literalidade, como ficou delineado nos fundamentos decisórios elencados. O julgamento captou adequadamente o princípio da tributação no destino. A importância do referido princípio é minuciosamente explicada por Valcir Gassen, cuja lição se transcreve:

Os Estados ofertam aos seus concidadãos uma série de serviços e utilidades, proporcionando aos mesmos aquilo que se pode consignar como bem-estar. (...) O Estado retira pelos tributos a sua força e o bem-estar que oferta aos seus.

Essa idéia é aqui considerada como critério do benefício “segundo o qual os impostos devem repartir-se segundo os benefícios que, sob a forma de despesas públicas, recebam os que os suportam”. Cabe, portanto, salientar na discussão dos princípios jurisdicionais da tributação sobre o consumo que o benefício deve ser dirigido a quem suporta de “fato” o gravame tributário que