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1 CAPÍTULO

1.3 Concepções sobre a tributação e suas finalidades

1.3.1 Origem e teorias da tributação

Neste momento, cabe reiterar o alerta de que este trabalho não pretende realizar uma revisão das finanças públicas ao longo da história, passando pelas diversas práticas já intentadas na obtenção de receitas para o financiamento das despesas públicas. Aqui, a ideia é apenas mostrar o papel que a tributação desempenha hoje nos Estados, pincelando algumas discussões teóricas que gravitam em torno do assunto.

Com efeito, a noção essencial sobre a tributação diz com a necessidade estatal, afinal para existir o Estado precisa de recursos financeiros. No Estado Fiscal, a cobrança de tributos é a principal fonte arrecadatória para o custeio das funções e serviços públicos prestados, e, em última instância, o alcance das finalidades estatais.

É por intermédio da atividade financeira do Estado que se torna possível a satisfação das necessidades sociais e econômicas, e a realização de políticas públicas voltadas para a educação, previdência, saúde, entre outras. Como essas atividades têm custos, faz-se necessária a existência de um sistema tributário que delas dê conta77.

Com efeito, o termo tributar tem sua raiz etimológica no latim tribuere, que significa dividir por tribos, repartir, distribuir, atribuir. O tributum (tributo), resultado dessa ação estatal, é o ônus suportado por cada contribuinte. Essa também é a razão do termo contribuição, de cota, parcela, também associado à ideia de distribuição das despesas entre a coletividade78.

Por sua vez, é por intermédio do sistema tributário que se concebe o arcabouço normativo e burocrático voltado para a disciplina dos objetivos da política tributária, a determinar os termos do exercício do poder de tributar e a forma de emprego da receita dele advinda.

77 Sobre os custos das prestações estatais, leitura obrigatória é a obra desenvolvida por Stephen Holmes e

Cass Sunstain The Cost of Rights: why liberty depends on taxes. New York: W.W. Norton & Company, 1999. Mais adiante essa tese dos autores será melhor explorada.

Tal como feita hoje, conforme as regras previamente definidas, e via pagamento de tributos sob a forma de prestação tão somente pecuniária, a transferência do patrimônio dos cidadãos para o Estado tem se apresentado como um verdadeiro avanço civilizatório79. Sem pretender conceituar o que seja civilização, mas apenas para conferir uma noção do progresso que representa a concepção de um sistema tributário nos moldes hoje conhecidos, à guisa de curiosidade, vale registrar que o órgão equivalente à Secretaria da Receita Federal nos Estados Unidos da América – o Internal

Reneue Service (IRS)–, em seu prédio localizado em Washington, tem a seguinte frase insculpida na entrada: “Os impostos são o que pagamos por uma sociedade civilizada”

(no original: “Taxes are what we pay for a civilized society”)80. De fato, os tributos também representam cidadania81.

Entender o atual sistema de tributação como um avanço é importante porque nem sempre o financiamento estatal foi pacífico dessa forma. Em tempos remotos, sequer moeda se utilizava, e as contribuições dos cidadãos para o Estado na maior parte da história se deram in natura, seja pela requisição direta de bens, inclusive de forma arbitrária, seja pela prestação de serviços forçados e gratuitos, quando o particular colaborava pessoalmente para as funções estatais.

Somente depois se evoluiu para o pagamento em moeda como feito hoje. Ainda assim, há não muito tempo, os tributos não eram cobrados de toda a sociedade: os cidadãos livres, por exemplo, por boa parte da história, não se sujeitavam ao pagamento de exações. Nessa época, a liberdade era incompatível com a tributação, a qual trazia o estigma da escravidão, e a inadimplência culminava na prisão82. O princípio da igualdade em matéria de tributação é uma conquista de pouco mais de duzentos anos83.

79 TORRES, Ricardo Lobo. A idéia de liberdade no Estado Patrimonial e no Estado Fiscal. Rio de

Janeiro: Renovar, 1991.

80 CARVALHO, Cristiano. Análise econômica da tributação. In: TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direito

e economia no Brasil. São Paulo: Atlas, 2012, p. 249.

81“Os impostos e contribuições que pagamos para o Estado não devem ser considerados como uma mera obrigação do cidadão, mas como o preço da nossa cidadania. A finalidade dos impostos é satisfazer as necessidades coletivas que não podem fica por conta do mercado. Os tributos servem para financiar as atividades do Estado, que precisa de recursos para cumprir suas obrigações de prestação de serviços essenciais à população.”. (HICKMAN, Clair Maria; SALVADOR, Evilásio da Silva. 10 anos

de derrama: a distribuição da carga tributária no Brasil. Brasília: Sindicato Nacional dos Auditores-

Fiscais da Receita Federal, 2006, p. 19.).

82 FERRAZ, Roberto. Liberdade e Tributação: a Questão do Bem Comum. Disponível em:

<http://www.hottopos.com/convenit4/ferraz.htm>. Acesso em: 18 jan. 2013.

83“Não devemos encarar o tributo como algo desvinculado do princípio da igualdade e tampouco como algo que limita a liberdade dos cidadãos de um Estado de Direito. Na ordem dos fatos históricos e na ordem da história das idéias, o tributo começa a assumir suas características atuais e passa a ocupar a posição de principal categoria de receita pública exatamente no período em que o princípio da igualdade de todos os cidadãos perante a lei é afirmado pelas vitoriosas revoluções burguesas, que estabeleceram

Determinante para a mudança dos contornos da tributação foi a separação entre propriedade e Estado. Esse ponto faz jus a uma consideração especial e Valcir Gassen é certeiro nas palavras com que explica a importância desse elemento para a constituição do sistema tributário:

(...) uma das principais características do Estado contemporâneo é a separação definitiva desse da propriedade. Em algumas outras formas de organização estatal, todas as coisas, bem como todas as pessoas, eram de propriedade do Estado. Estado e propriedade confundiam-se em um espaço em que tudo e todos pertenciam ao Estado.

A cisão entre Estado e propriedade produziu nos Estados contemporâneos uma dependência econômica desses em relação à sociedade. Uma dependência econômica do Estado em relação ao patrimônio individualizado na sociedade. Nesse sentido o Estado para que tenha os aportes econômicos necessários para a sua mantença precisa se apropriar da propriedade alheia, ou seja, da propriedade de seus cidadãos.

Esses recursos podem ser obtidos de diversas formas: justas ou injustas, lícitas ou ilícitas, consentidas ou não. Um exemplo de como o Estado pode buscar os recursos necessários para a sua mantença é o saque decorrente de uma guerra, ou outro exemplo, pelas trocas comerciais desiguais mantidas com as pessoas pertencentes a outros Estados.

Em uma democracia ou em um Estado Constitucional, a apropriação por parte do Estado da propriedade pertencente a seus cidadãos é balizada por um conjunto de normas que conferem certa legitimidade a esse processo de transferência dos recursos econômicos (da propriedade) dos particulares ao Estado. (...)84

Como decorrência da construção acima, tem-se que, se por um lado, sem a instituição da propriedade privada, não seria possível a existência de um sistema tributário; por outro, é esse último que garante a própria manutenção do direito de propriedade, já que não poderia haver propriedade sem tributação. Essa ideia também é explicada por Liam Murphy e Thomas Nagel nos seguintes termos:

(...) a economia moderna na qual ganhamos nosso salário, compramos nossa casa, temos a nossa conta bancária, economizamos para a aposentadoria e acumulamos bens pessoais, e na qual usamos nossos recursos para consumir

uma nova ordem jurídica, política e social da qual o tributo é ao mesmo tempo garantia (enquanto preço

da liberdade individual antes negada pelo absolutismo e pelo feudalismo), conseqüência (a liquidação do

imenso patrimônio imobiliário da igreja e da nobreza e a retirada do Estado das atividades econômicas impediam que as antigas receitas dominiais continuassem a financiar gastos governamentais, os quais passam a contar fundamentalmente com a arrecadação tributária) e possível ameaça (na medida em que

a arbitrariedade e o autoritarismo do fisco pode sufocar a liberdade dos cidadãos). A consideração moderna do tributo, pois, envolve necessariamente o respeito ao princípio da igualdade, que aliado ao princípio da legalidade tributária formam os dois itens fundamentais das garantias dos contribuintes contra a opressão fiscal.” (GODOI, Marciano Seabra de. Justiça, igualdade e direito tributário. São

Paulo: Dialética, 1999, pp. 182-183.).

84 GASSEN, Valcir. Direito tributário: pressupostos e classificações dos tributos. Brasília: 2009.

ou investir, seria impossível sem a estrutura fornecida pelo governo, que é sustentado pelos impostos.85

Por seu grande valor, mais adiante, será retomado esse ponto sobre a importância do sistema tributário para a manutenção da propriedade privada.

Entrementes, a história mostra, em fartos exemplos, a utilização de diversas fontes de geração de recursos ao longo do tempo, de modo alternado ou concomitante, como: 1) a pilhagem pelas guerras (tributação de povos alheios ao Estado), 2) a cunhagem de dinheiro (emissão de moeda sempre que o Estado precisasse), 3) o endividamento interno ou externo (empréstimos a juros), 4) a venda de bens e de serviços produzidos pelo poder público e 5) o controle estatal direto dos recursos nacionais86.

Todas essas alternativas de financiamento estatal apresentam pontos positivos e negativos, pelo que, sem prejuízo da evolução rumo à tributação nos moldes conhecidos hoje, ainda é possível verificar a coexistência de mais de uma dessas maneiras de geração de recursos para o Estado87.

A despeito disso, a tributação segue figurando como a mais amplamente utilizada fonte de receitas. Pode-se atribuir esse dado a algumas características, como a relativa transparência, a estabilidade das quantias arrecadadas e do montante a ser pago pelo particular, o maior volume de receita considerando o esforço estatal despendido nesse sentido e o maior controle sobre a inflação, por exemplo.

Ainda assim, mesmo com o reconhecimento da legitimidade da tributação, a relação entre os Estados e seus povos apresentou-se marcadamente tensa ao longo do tempo, com registros de episódios de saques e confisco por parte dos Estados e revoltas por parte da população, originadas pela excessiva carga ou abuso no poder de tributar.

85 MURPHY, Liam; NAGEL, Thomas. O mito da propriedade: os impostos e a justiça. Tradução de

Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 11.

86 Para uma visão geral desse aspecto, confira-se: VIOL, Andréa Lemgruber. A finalidade da tributação

e sua difusão na sociedade. Disponível em:

<http://www.receita.fazenda.gov.br/Publico/estudotributarios/Eventos/ SeminarioII/Texto02AFinalidadedaTributacao.pdf.>. Acesso em: 10 abr. 2011.

87 “Já se pretendeu firmar um retrospecto da evolução das receitas com fases características, presumidamente sucessivas, muito embora possam coexistir e apresentar tipos recessivos. Essas fases seriam redutíveis a cinco padrões: a) parasitária (extorsão exercida contra povos vencidos); b) dominial

(exploração do patrimônio público); c) regaliana (cobrança de direitos realengos, como pedágio etc.); d) tributária; e) social (tributação extrafiscal ou sociopolítica).” (BALEEIRO, Aliomar.Uma introdução à ciência das finanças. 18. ed. rev. e atual. por Hugo de Brito Machado Segundo. Rio de Janeiro: Forense,

Exemplo disso no Brasil, tem-se o sempre citado episódio da Inconfidência Mineira em 1789, como mencionado no subitem 1.2.1 deste capítulo88.

Hoje, em vez de revoluções armadas e sangrentas como meio de lutar contra a tributação, prefere-se a contratação de advogados e contadores, bem como a encomenda de pareceres de famosos juristas, com o propósito de construir teses tributárias e traçar estratégias de planejamento para levar a discussão ao Poder Judiciário89.

É bem possível que a tributação continue despertando, como um dos sentimentos mais consensuais entre os homens, a repulsa. Contudo, mesmo em alguma medida odiada, hoje é certo que, sem a tributação, não haveria Estado de Direito e a sociedade estaria em risco, pois dificilmente, sem os recursos indispensáveis à própria manutenção, o Estado teria como garantir minimamente propriedade ou a vida dos cidadãos90.

88 No plano internacional, elenca-se a guerra de independência dos Estados Unidos entre 1775 e 1783,

que teve suas raízes nas insatisfações em matéria de tributação.

89 Outra alternativa contemporânea para lutar contra os impostos é o exemplo do ator francês Gérard

Xavier Marcel Depardieu, que em carta aberta renunciou sua nacionalidade francesa. Depardieu se mudou para a Bélgica com o intuito de fugir dos impostos franceses. O anúncio se deu depois de revelada a intenção do então recém-eleito presidente François Hollande de introduzir a alíquota de 75% para o imposto de renda de quem ganha mais de um milhão de euros por ano. A referida mudança na legislação tributária, no entanto, não chegou a acontecer, por decisão do Conselho Constitucional da França, que desaprovou a medida por considerá-la ilegal. Mesmo assim, Depardieu manteve sua decisão de sair da França e obteve a cidadania russa no último dia 03.01.2013. (SANDRINI, João. Depardieu, Einstein e o Leão. Editorial. InfoMoney, n. 43, ano 7, p. 7, mar./abr. 2013). Seguiu o mesmo exemplo de Depardieu o magnata também francês Bernard Arnault, presidente e diretor executivo da LVMH, a maior empresa de artigos de luxo do mundo, companhia que detém, entre outras marcas, a Louis Vuitton, a Möet & Chandon, a Bulgari, a Givenchy, a Sephora e a TAG Heuer. Bernard Arnault é apontado como o homem mais rico da França, mas teve negado o seu pedido para obter a cidadania belga por não ter logrado êxito em comprovar que já residia há três anos em território belga, como exige a legislação da Bélgica. Outros exemplos de famosos que saíram de seus países com o propósito de pagar menos tributos são: Lewis Hamilton, piloto de Fómula 1 britânico, que trocou seu país pela Suíça; Sean Connery, ator escocês que ainda nos anos 70 mudou-se para a Espanha e agora escolheu as Bahamas para viver; Eduardo Saverin, brasileiro cofundador do Facebook, que se mudou dos EUA para Cingapura, para fugir da carga tributária que o obrigaria a pagar cerca de US$ 67 milhões; Mick Jagger, vocalista da banca inglesa Rolling Stones, mudou-se para a França na década de 70. Sophia Loren, atriz italiana, Ayrton Senna, brasileiro que foi piloto de Fórmula 1, entre outros, também são exemplo de celebridades que mudaram de país para pagar menos tributos. Episódios como esse reacendem a discussão sobre a tributação. (SOBRAL, Lilian. Impostos. Os endinheirados famosos que fogem dos impostos. Exame.com. 27 dez. 2012. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/economia/noticias/os-endinheirados-famosos-que-fogem-dos-impostos>. Acesso em: 12 jan. 2013.).

90 A respeito desse “sentimento de rejeição” quanto ao pagamento de tributos, é interessante o comentário

de Estevão Horvath: “Ninguém tem prazer em pagar um tributo. Fá-lo, a) filosoficamente, porque ele se destinará a fazer o Estado funcionar e, b) na prática, porque é obrigado. A rejeição ao tributo é

fenômeno universal. Existe em maior ou menor grau em cada sociedade, porém, certamente, maior ela será quando o cidadão se dá conta que o seu sacrifício foi desperdiçado pelo uso indevido que se faz com a aplicação dos recursos pelo Estado. Em suma, o cidadão tem o direito de ver o patrimônio que entregou ao Estado ser utilizado para os fins que justificam esta apropriação. A autorização (o

consentimento) para a tributação é necessário para que esta ocorra, tanto quanto é inafastável a

autorização para o gasto dos recursos naquilo que também houver sido autorizado. Sem isso, parece, não há como se falar em “cidadania fiscal”. (HORVATH, Estevão. Ética, tributação e gasto público: que

Nesse sentido, calha registrar as palavras de Liam Murphy e Thomas Nagel:

Não existe mercado sem governo e não existe governo sem impostos; o tipo de mercado existente depende de leis e decisões políticas que o governo tem de fazer e tomar. Na ausência de um sistema jurídico sustentado pelos impostos, não haveria dinheiro, nem bancos, nem empresas, nem bolsas de valores, nem patentes, nem uma moderna economia de mercado – não haveria nenhuma das instituições que possibilitam a existência de quase todas as formas contemporâneas de renda e riqueza.91

Nas palavras de Valcir Gassen, “O direito tributário antes de ameaçar o direito de propriedade, é o mecanismo jurídico e econômico garantidor de tal regime.”92. Na visão proposta por Tathiane dos Santos Piscitelli, “(...) o direito tributário é, a um só tempo, constituído pelo e constituidor do Estado. (...)”93. Falando o mesmo, por outras palavras, comenta Klaus Tipke que “(...) Sem impostos e contribuintes ‘não há como construir um Estado’, nem o Estado de Direito nem muito menos algum Estado Social. (...).” 94.

Sobre a evolução da tributação para os moldes em que vem sendo realizada hoje, acredita-se que um importante elemento tenha permitido essa maior aceitação social ou menor rejeição por parte dos indivíduos, qual seja, a crescente justificação da tributação com base na justiça fiscal, e não mais no simples exercício do poder de império, de coerção, da competência para tributar do Estado.

Muito se discute em busca de um conceito de justiça fiscal, mas esse ainda é um grande desafio dos tributaristas e dos filósofos, já que esse debate passa por discutir como deve ser feita a distribuição dos encargos fiscais pela sociedade, o que incita acaloradas disputas, considerando a escassez de recursos e os interesses antagônicos, que cada vez se fazem mais presentes nas sociedades contemporâneas.

Tributação e desenvolvimento – Homenagem ao Professor Aires Barreto. São Paulo: Quartier Latin, 2011, pp. 179-192.)

91 MURPHY, Liam; NAGEL, Thomas. O mito da propriedade: os impostos e a justiça. Tradução de

Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 46.

92 GASSEN, Valcir. Reflexos sociais e econômicos das relações jurídicas tributárias. Revista Jurídica

CONSULEX, ano XVI, n. 372, 15 jul. 2012, pp. 32-33.

93 PISCITELLI, Tathiane dos Santos. Argumentando pelas consequências no Direito Tributário. São

Paulo: Noeses, 2011, p. 180. Em outra passagem, a autora esclarece sua visão sobre esse ramo do Direito:

“(...) numa primeira aproximação, verifica-se que o direito tributário tem por finalidade fornecer receitas para a manutenção da estrutura estatal. Porém, uma análise mais detalhada mostra que esse não é o único objetivo perseguido pela tributação. Porque se trata de uma realidade institucional que compõe o Estado tal como ele se apresenta, a tributação irá, igualmente, funcionar como instrumento de implementação do modelo de Estado criado pelo direito. Portanto, contemporaneamente, e tendo-se em vista o exemplo brasileiro, o direito tributário funciona, a um só tempo, como garantidor material do Estado e instrumento para a efetivação de um Estado democrático de direito.” (Idem, Ibidem, p. 130). 94 TIPKE, Klaus. Moral tributária do Estado e dos contribuintes. Tradução de Luiz Dória Furquim.

O certo é que somente esse debate sobre a justiça fiscal renderia um trabalho à parte, o que impossibilita o aprofundamento da discussão neste momento, já que essa não é a questão central da presente pesquisa. Por esse motivo, remete-se à leitura das obras de Klaus Tipke e Douglas Yamashita95 e de Liam Murphy e Thomas Nagel96, bem como na incursão feita por John Rawls97, que se inserem dentro do movimento da Filosofia do Direito que retomou as discussões sobre a justiça98. No Brasil, confira-se Marciano Seabra de Godoi99.

Resumindo as diversas possibilidades de configuração do conceito, Paulo Caliendo afirma:

Podemos dizer que a justiça fiscal reflete-se como um modo de tratamento que respeita critérios isonômicos e diferenças, restabelecendo a correta relação entre cidadãos e a esfera pública. Assim, três soluções são possíveis: 1) exigir o mesmo tratamento dado às demais atividades econômicas, considerando-as como partes do todo (justiça comutativa); 2) exigir um tratamento diferenciado, considerando que esta atividade possui uma diferença substantiva em relação às demais atividades econômicas (justiça distributiva); ou 3) exigir um tratamento adequado ao bem comum, ou seja, em correta correlação entre o privado e a contribuição que este deve realizar à manutenção de uma esfera de liberdade e igualdade.100

Aqui, importa assentar que a noção de justiça fiscal é tida como fundamental, porquanto se trate de verdadeiro princípio estruturante de qualquer sistema tributário que se proponha sério, voltado para solucionar os problemas da sociedade.

Diretamente relacionado a esse anseio de justiça fiscal, merece ênfase o princípio da capacidade contributiva, que representa o mais importante critério para a tributação justa.

Paralelamente ao debate sobre a justiça fiscal, pendem as acusações de que esse princípio colocaria em risco a eficiência econômica, pelo que o sistema tributário deveria buscar a chamada neutralidade fiscal. Pelo princípio da neutralidade, a

95 TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e princípio da capacidade contributiva. São

Paulo: Malheiros, 2002.

96 MURPHY, Liam; NAGEL, Thomas. O mito da propriedade: os impostos e a justiça. Tradução de

Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

97 Veja-se o capítulo quinto (“As parcelas distributivas”) em RAWLS, John. Uma teoria da justiça.

Tradução de Jussara Simões. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

98 Para um panorama geral dessas discussões, veja-se: BARZOTTO, Luis Fernando. Justiça social