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CAPÍTULO 2 – REVISÃO DA LITERATURA

2.1 ANÁLISE CRÍTICA DE GÊNERO

Historicamente, o conceito de gênero tem sido explorado desde a antiguidade, com a Retórica de Aristóteles. (MOTTA-ROTH, 2008; MOTTA-ROTH; HEBERLE, 2015). No entanto, na Linguística Aplicada, o conceito assumiu um novo papel, internacionalmente, na década de 80 e, nacionalmente, no início da década de 90 (MOTTA-ROTH, 2008; MOTTA-ROTH; HEBERLE, 2015). E são esses dois últimos os

momentos que são considerados, pois influenciaram no desenvolvimento do que conhecemos como a ACG.

No contexto internacional, os marcos teóricos para os estudos de gêneros são

o trabalho sobre introduções de artigos de John Swales (1981), o artigo de Carolyn Miller (1984) acerca dos gêneros como tipos de ação social, o livro de Gunther Kress (1989) sobre gêneros como processos linguísticos na prática sociocultural e o de Jim Martin (1985/1989) sobre o ensino de redação na escola como uma prática concreta de exploração e desafio da realidade social (MOTTA-ROTH, 2008, p.343).

Embora os estudos de gêneros, historicamente, focalizem diferentes aspectos da linguagem, em outras palavras, a lexicogramática, na primeira fase, as estruturas retóricas, na segunda fase e a contextualização do discurso, na terceira fase (BHATIA, 2004), eles apresentam um ponto em comum em seus estudos: “a análise de textos, em seu conteúdo temático, organização retórica e formas linguísticas, em função dos objetivos comunicativos compartilhados por pessoas envolvidas em atividades sociais, em contextos culturais específicos” (MOTTA-ROTH, 2008, p.343).

Na segunda fase, de focalização das estruturas retóricas, três escolas internacionais emergem (HYON, 1996) e criam aparatos teóricos para os gêneros, que posteriormente, influenciaram significativamente os estudos em gênero no Brasil.

1. A escola britânica de ESP (BHATIA, 1993; SWALES, 1990) considera gênero como “tipos de textos orais e escritos definidos por suas propriedades formais, bem como por seus propósitos comunicativos em contextos sociais” (HYON, 1996, p. 695).

2. A Escola Americana da Nova Retórica ou Sócio-Retórica (BAZERMAN, 1988; MILLER, 1984) focaliza “mais nos contextos situacionais em que os gêneros ocorrem do que nas suas formas e enfatiza, especialmente, os propósitos sociais, ou ações [atos de fala] que esses gêneros cumprem nessas situações” (HYON, 1996, p. 696).

3. A Escola Sistêmico-Funcional de Sydney concentra estudos sobre lexicogramática e as metafunções da linguagem em contextos sociais, na qual gênero é compreendido como “processos sociais orientados à objetivos e formas estruturais que culturas usam em contextos determinados para atingir vários propósitos” (HYON, 1996, p. 697).

No contexto brasileiro, especificamente, uma quarta escola emergiu como, também, altamente significativa e que, por fim, embasou as práticas pedagógicas

exploradas em documentos oficiais, tal como os Parâmetros Curriculares Nacionais (doravante PCN):

4. O Interacionismo Sócio-Discursivo estuda a semiotização das relações sociais e ações sociais, no qual gênero são “textos com características relativamente estáveis” (MOTTA-ROTH; HEBERLE, 2015, p. 23).

No final da década de 90 e início dos anos 2000, a terceira fase, de focalização na contextualização do discurso, representa uma recorrente referência aos trabalhos de Mikhail Bakhtin e à Análise Crítica do Discurso (doravante ACD) de Norman Fairclough (MOTTA-ROTH, 2008). Segundo Motta-Roth (2008), os conceitos da perspectiva sociológica ou sócio histórica de Mikhail Bakhtin enriqueceram o conceito de gênero ao incorporar a 1) heterogeneidade (diferentes usos da linguagem); 2) o dialogismo (relações entre leitor e autor possibilitados pelo texto); 3) a polifonia (polemização, complementação ou resposta entre diferentes vozes sociais), e 4) a intertextualidade (relação entre textos). A ACD caracteriza-se pelas dimensões do “texto, a interação (processos de produção e interpretação do texto) e o contexto mais amplo da sociedade (condições sociais de produção e interpretação do texto)”. (MOTTA-ROTH, 2008, p. 354).

Assim, o conceito de gênero é cada vez mais expandido para abarcar, concomitantemente, o léxico, a gramática, o contexto social, o discurso e a ideologia (MOTTA-ROTH, 2008). Conforme Motta-Roth (2008, p. 351)

Tal expansão demanda que as análises considerem as condições de produção, distribuição e consumo do texto, e focalizem os textos que circulam na sociedade contra o pano de fundo do momento histórico. Olham-se as finalidades e a organização econômica dos grupos sociais, em termos de vida cotidiana, negócios, meios de produção, formações ideológicas, etc., que determinam o conteúdo, o estilo e a construção composicional dos gêneros [...].

Dessa forma, “a ampliação do foco dos estudos de gênero da léxico-gramática para o discurso indica a busca por um entendimento mais rico da conexão entre texto e contexto” (MOTTA-ROTH, 2008, p. 353). Pesquisadores brasileiros, nos anos 2000, ao se apropriarem, reelaborarem e combinarem as quatro escolas de gêneros aos conceitos da perspectiva sociológica e da ACD possibilitaram estudos de gêneros que articulam

preocupações interdisciplinares relacionadas a formas linguísticas, conteúdo temático, organização retórica, configurações institucionais e ideológicas de

gêneros em conexão a propósitos comunicativos e atividades sociais em contextos socioculturais específicos (MOTTA-ROTH, HEBERLE, 2015, p.24).

Essa articulação entre escolas e conceitos deram origem a abordagem da Análise Crítica de Gênero (MEURER, 2002; 2005; MOTTA-ROTH, 2008; MOTTA- ROTH; HEBERLE, 2015), “uma orientação brasileira interdisciplinar para os estudos de gênero que baseia-se na abordagem de Swales para a análise de gênero em combinação com a Sociorretórica, da Linguística Sistêmico Funcional e da ACD” (MOTTA-ROTH, HERBELE, 2015, p. 23), apresentada na Figura 1.

Figura 1 – Fundamentos da Análise Crítica de Gênero

Fonte: A autora

Além das quatro escolas e dos conceitos supracitados, a abordagem interdisciplinar da ACG inclui, também, a dimensão multimodal dos textos (Figura 1), pela estreita ligação entre os estudos sobre a gramática da imagem de Kress e Van Leeuwen (1996; 2006) com os princípios sistêmico-funcionais (HALLIDAY, 1994; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004; 2014). A partir dos anos 2000, a pesquisa na área de multiletramentos (KRESS; VAN LEEUWEN, 1996; 2006; HENDGES, 2006; 2007; BEZERRA; NASCIMENTO; HERBELE, 2011) tem partido do conhecimento de que textos não são monosemióticos para demostrar a importância de se considerar diferentes linguagens, além da linguagem verbal, e como elas se inter-relacionam em textos (BEZERRA; NASCIMENTO; HEBERLE, 2011, p.529-530). A grande

Análise Crítica de Gênero Análise Crítica do Discurso Linguística Sistêmico- Funcional Sociorretórica Gramática Sistêmico-Funcional Gramática do Design Visual

impulsionadora para a análise da linguagem não-verbal foi a publicação da Gramática do Design Visual (KRESS; VAN LEEUWEN, 1996; 2006), doravante GDV. Tanto a semiose verbal quanto a visual possibilitam 1) construir representações de mundo (função ideacional ou de representação), 2) aferir papéis aos participantes representados e mostrar diferentes relações entre os participantes no texto, bem como entre esses e o leitor (função interpessoal ou de interação), e 3) organizar essas representações e participantes no que compreendemos como texto (função textual ou de composição). Essas funções da linguagem verbal foram descritas por Halliday e Matthiessen (2004; 2014), e adaptadas por Kress e van Leeuwen (1996; 2006) para a linguagem visual. A GDV, portanto, configura o principal ferramental teórico- metodológico para a análise das semioses não-verbais da Análise do Discurso Multimodal (doravante ADM).

Devido à sua relevância e ao seu uso como embasamento teórico- metodológico em diversos estudos (artigos, trabalhos finais de graduação, dissertações de mestrado, teses de doutorado) em âmbito nacional, a ACG vêm se colocando como uma nova escola à ser adicionada às três bem-sucedidas e previamente descritas por Hyon (1996), ao que Swales chama de abordagem brasileira de gênero (SWALES, 2012). Além da ACG, Swales (2012) menciona a Nova Escola de Londres como outra, também, candidata, já que essa propõe uma critica a ESP por seu foco, essencialmente, textual, que, por fim, resulta em soluções pedagógicas e políticas de natureza apenas textual, bem como pela resistência à percepções como homogeneidade de populações estudantis, estabilidade de disciplinas, poder e autoridade de instrutores (SWALES, 2012). A ACG, de certa forma, se alia, também, à Nova Escola de Londres, ao possibilitar a análise da pluralidade de modos semióticos empregados numa cultura e mobilizados em determinado gênero pensando na pedagogia dos multiletramentos.

A ACG, assim, possibilita, para a presente dissertação, que as semioses visual e verbal, em outras palavras, que as imagens, bem como o texto verbal que as acompanham sejam examinados em seu nível lexicogramatical rigorosa e minuciosamente, de forma a destacar a experiência construída, as relações e a forma como essa experiência está organizada, a partir das ferramentas teórico- metodológicas da ADM e da LSF, respectivamente. Ademais, a identificação de recorrências retóricas na macroestrutura do discurso no conjunto dos modos semióticos que realizam o gênero AAE, ou seja, de padrões de uso de imagens em

relação à esse gênero (em que seções as imagens são utilizadas? que funções essas imagens cumprem em relação à seção?) é possibilitada através de ferramentas da Sociorretórica. A observação crítica dos aspectos sociais, políticos e ideológicos que configuram o momento histórico em que o AAE foi produzido é, por fim, possibilitado através do ferramental da ACD. Para fins de detalhamento, as ferramentas teórico- metodológicas que embasam a ACG são delineadas nos parágrafos que seguem.

A linguística sistêmico-funcional (LSF) é uma teoria social que entende a linguagem em estratos com diferentes níveis de abstração. O primeiro nível, ou menos abstrato, é o da grafologia e da fonologia. Esse, por sua vez, realiza a lexicogramática que realiza a semântica. Todos esses estratos realizam, no nível mais abstrato, o contexto (Figura 2).

Figura 2 – Linguagem como um sistema de estratos

Fonte: Halliday; Matthiessen (2014, p.26)

A linguagem como sistema se materializa em textos, que estão sempre inseridos em dois contextos: de situação e de cultura. O primeiro, na tradução de Fuzer e Cabral (2014, p.27) a partir de Halliday, “é o ambiente imediato no qual o texto está de fato funcionando”, sendo mais variável, mas, também, previsível, já que há sempre um quadro de possibilidades que os interlocutores estão cientes e que, por fim, permitem uma compreensão (HALLIDAY; HASAN, 1985). O segundo “refere-se não só as práticas mais amplas associadas a diferentes países e grupos étnicos, mas também a práticas institucionalizadas em grupos sociais, como a escola, a família, a

igreja, a justiça, etc” (FUZER; CABRAL, 2014, p.28). O contexto de situação, por sua vez, é descrito por meio de três variáveis: 1) campo; 2) relações; e 3) modo. Cada uma dessas variáveis se remete a elementos específicos, como pode ser observado na Figura 3.

Figura 3– Variáveis do contexto de situação

Fonte: Adaptada de Fuzer; Cabral (2014, p.30), com base em Halliday (2004) e Halliday e Matthiessen

(2014)

A teoria da LSF, tendo como aparato a Gramática Sistêmico-Funcional (doravante GSF; HALLIDAY, MATTHIESSEN, 2004; 2014), analisa o funcionamento da linguagem no contexto em que ela é utilizada. Assim, no nível da oração, é que temos acesso às escolhas linguísticas do falante. A oração, de acordo com Halliday e Matthiessen (2014) é um “construto multifuncional que consiste de três linhas metafuncionais de significação” (p. 211): ideacional, interpessoal e textual. Cada uma dessas linhas é realizada por categorias semânticas específicas (Figura 4).

A oração, analisada em sua linha metafuncional ideacional, ou seja, de representação das experiências humanas, constrói um quantum de mudança no fluxo de eventos. Cada quantum de mudança é modelado em uma figura – figura do acontecer, fazer, sentir, dizer, ser, ter (HALLIDAY, MATTHIESSEN, 2014). As figuras são compostas de um processo que se desenrola no tempo, participantes envolvidos nesse processo e possíveis circunstâncias (HALLIDAY, MATTHIESSEN, 2014). O sistema lexicogramatical pelo qual nossa experiência é organizada e as relações entre os componentes da figura são estabelecidas é o da transitividade.

Variáveis do contexto de situação

Campo Atividade Objetivo Finalidade Relações Participantes na situação

Quem fala ou escreve Quem ouve ou lê Participantes no texto Distância Social Modo Linguagem constituiva ou auxiliar

Meio oral, escrito e/ou não verbal

Figura 4 – Metafunções da Gramática Sistêmico Funcional e suas respectivas categorias semânticas

Fonte: A autora com base em Halliday; Matthiessen (2014).

Na metafunção textual, a oração, ao organizar os significados experienciais e interpessoais em um todo, é vista como mensagem. Essa mensagem, no nível lexicogramatical, se realiza pela estrutura temática (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014). A estrutura temática envolve as funções Tema e Rema. Essas duas funções têm diferença em “status na organização da mensagem” (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014, p.88). O Tema, função com status mais elevado, é indicado pela posição inicial na oração. Ele “é o elemento que serve como ponto de partida da mensagem; é o que localiza e orienta a oração dentro de seu contexto de uso” (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014, p.89). O Rema, por sua vez, é “o restante da mensagem, a parte na qual o Tema é desenvolvido” (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014, p.89).

Na metafunção interpessoal, é possível interagir com outras pessoas no meio social através da linguagem. A oração, portanto, é vista como troca de informações ou bem e serviços. Gramaticalmente, essa metafunção é realizada pelo sistema de MODO (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014). Esse sistema é organizado em dois componentes básicos: 1) Modo e 2) Resíduo. O primeiro se constitui dos elementos Sujeito e Finito. O segundo se constitui dos elementos Predicador, Complemento e Adjunto. Informações referentes ao tempo em que ocorre o evento, à modalidade (probabilidade, usualidade, obrigação, inclinação) e a polaridade (positiva ou negativa)

Metafunções

Ideacional (oração como representação)

Processo Participantes

Circunstâncias

Textual (oração como mensagem)

Tema Rema

Interpessoal (oração como troca)

Modo Resíduo

são também consideradas nas análises (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014; FUZER; CABRAL, 2014).

As metafunções ideacional, textual e interpessoal e os sistemas de transitividade, temático e de modo que as realizam, respectivamente, estão intimamente interligados às variáveis de contexto de situação e, esse, ao contexto de cultura, o gênero, conforme representado na Figura 5. A organização de um sistema linguístico em estratos que exploram texto e contexto, possibilitam à ACG conduzir uma análise de gênero que inclua todos esses níveis propostos por Halliday e Matthiessen (1994; 2014) (embora o estrato do discurso seja adicionado, posteriormente, através da ACD). Para a presente dissertação, o contexto de cultura aliado à ACD possibilita localizar os AAE sob um pano de fundo acadêmico o qual abriga ideologias, convenções sociais, tradições, materializados em textos, que são essenciais para a configuração do aspecto crítico da pesquisa. As variáveis do contexto de situação oportunizam a investigação de quem e/o que determina (variável relações) o gênero e a sua constituição, para que sua atividade (variável campo) seja cumprida no meio em que o AAE se realiza (modo). Ademais, o estrato semântico, atrelado, também, à lexicogramática viabiliza a identificação de marcadores lexicais que podem indicar padrões nas menções às imagens, bem como a identificação de grandes grupos (categorias) semânticos que constroem representações das experiências humanas em relação às imagens.

Figura 5 – Representação dos estratos da linguagem, metafunções e sistemas de significação

Dessa forma, a LSF foi descrita, mas não com todo o nível de detalhamento que ela permite para o desvelamento da semiose verbal. Tal decisão se justifica pelo objetivo principal de identificar e comparar, em primeiro plano, o uso de imagens no gênero AAE em duas áreas disciplinares distintas, a LA e AGR. No entanto, o ferramental teórico-metodológico da LSF é extremamente pertinente à compreensão do contexto em que os AAE se inserem, à verificação de padrões nas menções às imagens, bem como à categorização das informações encontradas, principalmente, nos documentos que regem o processo de produção e circulação dos AAE e que estão configurados, majoritariamente, sob o modo semiótico verbal. Passo, agora, para a descrição da ADM e de seu principal ferramental teórico-metodológico, a GDV que possibilitam a análise, em especial, das imagens.

A ADM se desenvolve sob a premissa básica de que “significados são construídos, distribuídos, recebidos, interpretados e reconstruídos em interpretações através de vários modos representacionais e comunicativos – não apenas língua – seja pelo discurso, seja pela escrita” (JEWITT, 2009, p.14). Assim como na linguagem verbal, modos semióticos se configuram como um sistema de significados que as pessoas têm a seu dispor. As pessoas, por sua vez, tomam decisões e dão conta dessa diversidade semiótica, simultaneamente, ocasionando no fenômeno multimodal (JEWITT, 2009). A pesquisa em multimodalidade, portanto, oferece ferramentas teórico-metodológicas para a análise desses modos semióticos, de modo a descrever como as pessoas se comunicam e representam seu mundo, bem como, como esses modos são organizados na construção de significados (JEWITT, 2009). A GDV (KRESS; van LEEUWEN, 1996; 2006) representa uma das pesquisas ao buscar apresentar uma ‘gramática’ visual que descreverá o modo como elementos representados – pessoas, lugares e coisas – se combinam em declarações ‘visuais’ de maior ou menor complexidade e extensão” (KRESS; van LEEUWEN, 2006, p.1). Essa gramática teve inspiração em linguistas e escolas linguísticas que olham para formas gramaticais como recursos de codificação de interpretações da experiência e formas de interação e ação social. Dessa forma, ambas as análises de organização linguística e visual apontam para interpretações particulares da experiência e da interação social. Significados, portanto, pertencem à culturas e, a forma como os significados são produzidos e mapeados são culturalmente e historicamente específicos (KRESS; van LEEUWEN, 2006). Neste sentido, Kress e van Leeuwen (1996; 2006) teorizam que estruturas visuais realizam significados, ou possibilitam

interpretações, com três funções: 1) Representação (representa um conteúdo), 2) Interação (interpela os sujeitos, constrói identidades e relações) e 3) Composição (se organiza em uma combinação entre partes e o todo passível de ser percebida).

Na função representacional, as imagens têm capacidade de representar a experiência, podendo ser de natureza narrativa ou conceitual. As representações narrativas constroem a experiência como uma ação realizada por participantes, os quais “são representados fazendo algo por ou para um ao outro” (KRESS; van LEEUWEN, 2006, p. 59) ou ainda envolvidos em acontecimentos, sob um pano de fundo espacial e temporal. Dessa forma, nas representações narrativas encontramos participantes envolvidos em uma ação ou reação – vetores/processos – inseridos em um contexto que indiquem circunstâncias temporais e espaciais. Essas representações podem ser realizadas por seis tipos de processos: 1) Processos de ação: São caracterizados pelo envolvimento de dois participantes (ou mais) e um vetor (transacional) ou de apenas um participante e um vetor (não transacional); 2) Processos de reação: caracterizados por um vetor que acompanha a linha dos olhos de um participante (não-transacional) ou dois ou mais participantes (transacional); 3) Processos mentais: caracterizados por um balão de pensamento ligado a um participante; 4) Processos verbais: caracterizados por um balão de fala ligado a um participante; 5) Processos de conversão: caracterizados por uma cadeia de processos transacionais, nos quais um transforma o outro. Esses processos são comuns em representações de eventos naturais, tais como ciclos, diagramas; e 6) Processos de simbolismo geométrico: caracterizados pelos valores simbólicos dos vetores, chamando atenção para as possibilidades de interpretação além de uma simples flecha (KRESS; van LEEUWEN, 2006; NASCIMENTO; BEZERRA; HEBERLE, 2011).

As imagens podem ser realistas (fotos, pinturas) ou abstratas (diagramas, figuras, quadros) (KRESS; van LEEUWEN, 2006). Para o contexto acadêmico em que o corpus da presente dissertação se insere, os vetores de imagens realistas (Figura 6A) podem ser identificados na inclinação do corpo, na linha do olhar. Os vetores em imagens abstratas (Figura 6B), por outro lado, podem ser mais difíceis de ‘transcodificar’ (KRESS; van LEEUWEN, 2006). Eles são representados, visualmente, por flechas. Nesse tipo de imagem “geralmente o processo é representado apenas visualmente, e o texto verbal ou não parafraseia esse processo ou oferece legendas contraditórias ou que dão uma impressão errônea” (KRESS; van LEEUWEN, 2006, p.61). Dessa forma, os textos que acompanham a imagem tendem a ser mais

explícitos sobre os participantes, sobre as circunstâncias que sobre os processos realizados pelos vetores (KRESS; van LEEUWEN, 2006). Uma possível justificativa seria o reconhecimento que a escrita em ciência afere a maior parte de seu significado em substantivos que em verbos (KRESS; van LEEUWEN, 2006).

A B

Figura 6 – Exemplos de estruturas narrativas

Fonte: A) tlan1#2; B) ajn6#9

A Figura 6 (A), realista, representa uma estrutura narrativa, pois é possível encontrar participantes – duas meninas, um lápis, dois cadernos, duas classes – presença de vetores (focalizarei na menina em evidência, ou seja, aquela que está mais saliente na imagem) – inclinação da cabeça e do braço, a inclinação na disposição do lápis na mão da menina, a linha do olhar – e uma circunstância – sala de aula. O vetor realizado pela linha do olhar configura um processo de ação transacional, pois é possível identificar que a menina (Ator) está olhando para o caderno (Meta). Caso o caderno não estivesse na imagem, teríamos um processo de ação não-transacional, com apenas o Ator representado. A Figura 6 (B), abstrata, representa uma estrutura narrativa, pois é possível encontrar participantes envolvidos – cada uma das ‘caixas’, ‘células’ ou ‘blocos’ – e presença de vetores – as flechas.

As representações conceituais, ao contrário das narrativas, não trazem vetores, já que “representam os participantes em termos de sua essência mais generalizada e mais ou menos estável e atemporal, em termos de classe, estrutura

ou significado” (KRESS; van LEEUWEN, 2006. p. 79). Essas representações podem ser identificadas pela presença de participantes agrupados em categorias ou em uma relação parte/todo e pela ausência de vetores e, geralmente, de circunstâncias. As representações conceituais são realizadas por três processos, sendo eles 1) Classificatórios: “relacionam participantes uns aos outros numa relação de “um tipo de’, uma taxonomia: no mínimo um grupo de participantes fará o papel de Subordinados no que diz respeito à, no mínimo, um outro participante, o Superordenado” (KRESS; van LEEUWEN, 2006, p. 79). Em outras palavras, representam os participantes como membros de uma determinada categoria, evidenciando aspectos comuns; 2) Analíticos: representam os participantes em uma relação parte/todo; e 3) Simbólicos: representam os participantes com um valor simbólico, extra ao que é intrínseco à imagem (KRESS; van LEEUWEN, 2006; NASCIMENTO; BEZERRA; HEBERLE, 2011).

No contexto acadêmico, imagens como quadros, tabelas e figuras (quando sem vetores, tais como alguns gráficos, taxonomias, mapas, fotografias) apresentam uma estrutura conceitual, pois descrevem ou classificam os participantes na imagem em