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A busca de entender os diversos saberes e estabelecer relações entre a nova informação e os conhecimentos prévios, na maioria das vezes, pode gerar nos alunos um estado de desequilíbrio de saberes. Assim, é preciso que o aluno esteja motivado a restabelecer o equilíbrio e que a escola ofereça condições para a retomada do equilíbrio de seus esquemas de conhecimentos, daí a oportunidade de promover a aplicação do conhecimento uma vez que se encontra em processo de construção.

Nesta etapa da sequência, aplicação do conhecimento, pretendia-se que este momento fosse além de simplesmente capacitar os alunos ao emprego do conhecimento, sendo por isso proposta uma visita á Panificadora “Padaria São Camilo”, para que se vinculassem os fenômenos científicos ao dia a dia do aluno. Essa atividade em particular permitiu que o aluno visualizasse como os processos químicos ocorriam e, consequentemente, compreendesse melhor os conceitos por trás deles. Desta forma, a grande questão problematizadora inicial consistia em: “Como acontece o processo de fermentação industrial das massas de pães?“

Foi por intermédio de diálogos constantes, questionamentos, perguntas e respostas, juntamente com a pessoa responsável da padaria que, de maneira harmoniosa, promovemos juntas uma discussão e reflexão coletiva sobre as informações obtidas durante a visita à padaria, propiciando um confronto de ideias, opiniões e conhecimentos diversos.

Abaixo, segue a transcrição de parte da aula realizada na padaria São Camilo, Aracruz (E.S), sendo que, nesse caso, a letra R indica a pessoa responsável da padaria que nos auxiliou.

Ocorreram na aula registros escritos dos relatórios da visita à panificadora, além das questões orais problematizadas.

Transcreveu-se abaixo a condução desta aula.

(1) P: Pessoal, vamos colocar a touca, prender os cabelos... devido à questão da higienização. (2) A1: Nossa, professora, essa padaria é muito grande ... e como será que fazem tantos pães. (3) P: Vamos ver isso agora... então pessoal... gostaria que todos participassem... vamos perguntar, comentar, responder, ouvir um de cada vez.

Nesse momento, a pessoa responsável pela padaria nos acolheu com um bom--dia ... e começou a indagar o que eles já conheciam sobre pães, fermento.Desta maneira muitos questionamentos foram feitos e respondidos; no trecho abaixo, segue uma parte do que ocorreu.

(4) A2: Como se faz para o pão crescer? (5) A3: É o fermento que ajuda o pão crescer. (6) P: Como ele faz o pão crescer?

(7) A3: É isso... o que ele disse ... ele faz o pão crescer.

(8) P: Vamos lembrar da aula anterior no laboratório... a experimentação da bexiga com fermento e açúcar... será que tem alguma relação.

(9) A5: E quais os ingredientes usados na fabricação do pão?

(10) R: Os ingredientes necessários para a fabricação do pão francês... É produzido a partir de uma mistura de quatro ingredientes básicos: farinha, água, fermento e sal.

(11) A2: Então, é isso, aqui eles utilizam também fermento, açúcar como nós fizemos no laboratório naquela experiência da bola de soprar.

(12) P: Muito bem.. E o que vocês acham que vai acontecer com a massa de pão? (13) A3:Vai crescer... né...

(14) P: Mas cresce por que... já estudamos isso?

(15) A1: É que durante o processo de fermentação dos fungos, há a liberação de gás carbônico. (16) P: Ok... muito bem... mais perguntas...

(17) A6: Qual o pão mais consumido aqui na padaria de vocês?

(18) R: Aqui é o pão francês... é o carro chefe da padaria, na verdade o pão francês é um dos pães mais consumidos, acredito eu, no Brasil.

(19) A6: É muito diferente o pão caseiro nosso fabricado em casa com o de vocês?

(20) R: Na verdade, de maneira geral é quase o mesmo processo, utiliza os mesmo ingredientes, porém ao substituir o processo caseiro pelo industrializado, as padarias aumentam a velocidade de fermentação do pão e, consequentemente, a quantidade.

(21) A7: E como vocês assam todos esses pães?

(22) R: Deixa tentar explicar melhor... Padarias comerciais e industriais possuem máquinas que fazem todas as etapas de medição, mistura, de assar, fatiar e embalar. Antigamente fazíamos tudo

manualmente... e olha que tem é tempo que tenho padaria... Aí os nossos funcionários qualificados operam as máquinas e nada é deixado ao acaso. Os ingredientes são pesados precisamente, a temperatura e umidade controlados cuidadosamente e todas as etapas individuais do processo de panificação são criteriosamente acompanhadas.

A pessoa responsável orientou que, após todas as perguntas, iria mostrar passo a passo o processo de fabricação de pães.

(23) P: Pessoal... vamos lá... quem gostaria de fazer mais alguma pergunta?

(24) A8: Por que colocar nesse forno a temperatura tão alta? (um aluno comentou referindo ao forno de assar da padaria).

(25) P: Alguém poderia ajudar o colega a entender melhor?

(26) A1: Pelo que entendi, os pães assam mais rápido sobre efeito da temperatura ... assim, quanto mais forno alto, mais rápido eles vão ter o pão.

(27) P: Muito bem colega... mas temos que compreender também que os pães, para assar, dependem além da temperatura, concentração dos ingredientes, velocidade da massa ao ser rodada naquela máquina que já vimos e a densidade da massa.

Dessa forma, a pessoa responsável continuou a explicar o processo de fabricação de pães industrial, mostrando, explicando passo a passo.

(28) P:Pessoal, é bom esclarecer, reforçar que o processo de fermentação, como já foi falado, fica mais acelerado em temperaturas mais quentes, ocorrendo a liberação do gás carbônico.

(29) R.:É... isso aí.. é com a professora de vocês....rs.. (risada geral)

(30) R: Então, dando continuidade... Na etapa seguinte do processo de panificação, a massa é levada para a sala de fermentação (está atrás de vocês, virem). Aqui é deixada por um período determinado, normalmente várias horas... (5 a 6 horas). A seguir, uma balança divisora separa a massa em pedaços com o peso exato para as formas.

(31) P: Pessoal, vamos lá, observem e deixem o colega visualizar também.

(32) R.: E aqui... (a pessoa responsável aponta para a estufa)... As formas são colocadas na estufa, onde o crescimento final acontece. A estufa possui uma temperatura e umidade levemente mais elevadas que a sala de fermentação. Depois disto, as formas são levadas ao forno, onde são assadas a uma temperatura superior a 204ºC por aproximadamente 30 minutos.

Um aluno questionou o número de funcionários.

(33) A9: Quantos funcionários vocês têm?

(34) R.: Em média somos em oito funcionários, entre atendentes, ajudante de padeiro e dois padeiros. Todos têm carteira de trabalho, horário de chegada e saída, mais eu e meu marido.

(35) R.: E, como comentei antes, tinha uma época atrás que tínhamos mais colaboradores, mas na medida em que a panificadora estendeu o seu processo artesanal para a escala industrial, a utilização de tecnologias, vem se ampliando em função da necessidade de melhorar as características de processo e a vida útil dos produtos obtidos; assim, hoje, praticamente as máquinas fazem tudo, necessitam apenas de pessoas para operar, então investimos mais nas máquinas, que me dão um retorno maior, e diminuímos funcionários.

Após todas as explicações, visualização e percepções de máquinas, equipamentos, foi nos oferecida uma degustação de pães quentes produzidos na manhã da visita; em seguida retornamos à escola.

A partir da transcrição da aula, e utilizando as tabelas 1 e 2, procurou-se categorizar a atuação docente e discente da aula.

Tabela 1 - Atuação do docente na condução das atividades propostas

Intervenções Falas retiradas da aula transcrita

Instigou (23), (32)

Questionou ou solicitou melhor explicação

(12)

Contrapôs (14), (25)

Organizou

a ideia e recapitulou

(8), (27)

Deu ênfase a fala e as ideias (3)

Concluiu (18), (28)

Fonte: Elaborado pela própria autora, 2013.

Tabela 2 - Atuação discente

Ações Falas retiradas da aula transcrita

Levantam hipóteses ou apresentam propostas de intervenção

(4), (6), (8), (19), (21)

Expõem ideias (2), (5), (24), (33)

Respondem à questão proposta (7)

Expõem um dado relembrado (13)

Explicam utilizando conceitos (15), (26)

Fazem associações (11)

Fonte: Elaborado pela própria autora, 2013.

A partir da análise, percebe-se que a professora teve uma condução de aula dialógica, pois a professora e os alunos exploraram ideias, formularam perguntas autênticas e ofereceram, consideraram e trabalharam diferentes pontos de vista. Alguns momentos percebem-se a condução da aula para o interativo/autoridade. Também ocorreu um progresso de concepção de conceitos, referindo-se as ideias do cotidiano que os alunos apresentavam no início da sequência.

Os resultados mostram também que as falas da professora (tabela 1), contabilizaram um total de (4) e as dos alunos (15) na (tabela 2). Em algumas falas, é possível identificar que a professora interage com o aluno, estabelecendo um padrão I-R-F-R- F estabelecendo uma cadeia de interações reforçando e caracterizando uma abordagem interativo/autoridade como nas falas (11, 12, 13,14,15), em que se busca mais detalhes da questão.

Na tabela 1, percebe-se, que as ações da professora nesta aula foram mais de organizar as falas, contrapor as ideias dos alunos, enquanto que na atuação discente, predominou levantamentos de hipóteses e exposição de ideias. Percebeu- se também que nessa aula os alunos ficaram muito à vontade para perguntar e estavam bastantes atentos a ouvir.

Com relação aos aspectos epistemológicos, observamos que as estratégias de ensino aqui vivenciadas preconizaram possibilitar aplicabilidade da construção dos conhecimentos científicos segundo os pressupostos educativos de ensino. Pois, nesse momento da atividade, os alunos já conseguiam usar a linguagem da ciência para explicar hipóteses, como na fala (5, 15) que os alunos utilizam termos científicos para responder à professora, quando indagados. O mesmo sendo verificado na fala (16) em que o aluno responde ao colega utilizando conceitos consolidados adquiridos ao longo da sequência.

Para Delizoicov (1990), esse momento da aplicação do conhecimento permite avaliar a amplitude e alcance dos novos conhecimentos apropriados pelos alunos na resolução de novas situações-problemas. Destina-se, sobretudo, a abordar sistematicamente o conhecimento que vem sendo incorporado pelo aluno para analisar e interpretar tanto as situações iniciais que determinaram seu estudo, como outras situações que, embora não estejam diretamente ligadas ao motivo inicial, podem ser compreendidas pelo mesmo conhecimento.

Percebe-se cada vez mais, que devemos considerar todas as compreensões que os alunos apresentam sobre o mundo que os circunda, tampouco desconsiderá-las diante do conhecimento científico, mas quando propomos situações de estes

confrontar esses conhecimentos os alunos acabam em expor uma compreensão maior da realidade em que vivem.

Daí, mais uma vez, a relevância da discussão desta temática Fungos, pois não se trata apenas de promover discussão sobre o tema Fungos, mas também de propiciar uma abordagem social direcionada a outros temas que vão além do conceito de fungos, como segurança, meio ambiente, saúde, cultura, ciência, higiene. Sendo assim, passaram a enfatizar a dimensão da ciência de modo amplo e contextualizado que vai além dos saberes do senso comum.

Após verificadas todas as indagações e dúvidas pertinentes, os alunos foram convidados a retornar para a escola. Ao final, elaboraram um relatório como conclusão, abordando o que o grupo acreditou que foi importante na visita à padaria.

Figura 10 - Atividade 7 “Visita a Panificadora São Camilo”

Fonte: Elaborado pela própria autora, 2013.

A atividade apresentada contribuiu para a aplicação de conceitos estudados sobre as leveduras no processo biológico, higienização, e promover outras discussões como o acondicionamento e transporte de pães, evolução do processo industrial de máquinas e equipamentos, temperatura, data de validade, ingredientes, quantidades necessárias de pães usualmente feitos para atender os clientes, densidade da massa do pão e a importância da Vigilância Sanitária.

Sobre esse trecho acerca da Vigilância Sanitária foram interessantes os questionamentos, pois surgiram devido à importância da utilização do uso de toucas para prender o cabelo de todos, o hábito de lavar as mãos, pois mesmo sendo uma padaria com processo industrial, a Vigilância Sanitária não recomenda a utilização de luvas, uma vez que prioriza os cuidados com a higiene de uma forma geral.

Além dessas observações, foi proposta tal atividade para que o aluno pudesse desenvolver a compreensão científica das situações problematizadas; quer dizer, as atividades foram planejadas e executadas para que o

[...] aluno aprenda de forma a, de um lado, perceber a existência de outras visões e explicações para as situações e fenômenos problematizados e, de outro, a comparar esse conhecimento com os eu, de modo a usá-lo,para melhor interpretar aqueles fenômenos e situações (DELIZOICOV; ANGOTTI,1990, p. 55).

Ficou evidenciada também na visita à panificadora, que ocorreu nas três turmas, entre outras situações de aprendizagem, uma maior socialização com os alunos, favorecendo o trabalho em grupo e a descontração.

A atividade proposta também coloca em destaque que pode ser possível contemplar a integração dos conhecimentos científico e tecnológico na perspectiva da educação dialógico - problematizadora proposta pela sequência aplicada e sustentada pelos PCN (Brasil, 1998).

Promoveram-se ainda outras discussões de Ciência e Tecnologia, pois a atividade da visita à panificadora permitiu que se questionasse /problematizasse a tecnologia, dando abertura para reflexões sobre os produtos industrializados, alimentos transgênicos, a variedade de possíveis tecnologias e caminhos de progresso que devemos escolher.

8.8 ANÁLISE DA ATIVIDADE 8: O LÚDICO NO ENSINO: CONFECÇÃO DE