• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 8 CONCLUSÕES

2. A CONSTRUÇÃO DE TAIPA E A SUA CONSERVAÇÃO

2.4. ESTADO DA PRÁTICA

2.4.1. Análise da degradação nas paredes de taipa

É necessário compreender os principais fatores subjacentes à degradação das construções de terra crua, para se poder contribuir para a definição de medidas de conservação adequadas. A relação da forma arquitetónica, a escolha da metodologia construtiva e a envolvente da edificação, por vezes fornecem informação sobre as principais causas de anomalias neste tipo de edifícios.

É difícil atribuir apenas uma causa às anomalias das construções com terra, sendo estas muitas vezes provocadas por um conjunto de fatores (Gomes et al. 2009a). É provável que a degradação física ao longo do tempo seja uma das principais causas das anomalias, principalmente devido à ação da água - a presença de humidade reduz a coesão interna e a resistência mecânica nestas construções, potencia a ação dos sais solúveis e favorece o desenvolvimento biológico. A água pode penetrar nas construções: por capilaridade a partir do solo; por condensação de vapor de água produzido no interior da edificação, nomeadamente em pontes térmicas (como exemplo, a introdução de estruturas de betão armado), ou por higroscopicidade própria do material - capacidade em absorver humidade do ar; por progressão pela zona superficial das paredes, através da chuva direta, escorrências da cobertura ou por salpicos provocados por veículos a circular em época de chuva; por infiltração pelo topo das paredes, por deficiências na cobertura, ou através de fendas existentes; por rotura de canalizações. Todos estes efeitos potenciam a degradação das paredes de taipa. Também a fraca resistência à tração e por outro lado a falta de manutenção nestas construções, acelera o processo de degradação (Gomes et al. 2009a). O resultado é muitas vezes a degradação da superfície das paredes.

As principais anomalias encontradas na superfície exterior das paredes de taipa são (Keable 1996, Walker et al. 2005, Faria 2005, Houben e Guillaud 2006, Gomes e Faria 2011): deterioração de superfície - perda de coesão, fendilhação, destacamentos e eflorescências. As principais causas são: incapacidade de resistir à tensão estrutural instalada, falta de deformabilidade, acesso de água, contaminação por sais, reduzida capacidade de secagem, deficiente aderência ao substrato por parte do revestimento e falta de proteção, nomeadamente por um revestimento. Estas podem ser devidas a: conceção deficiente, técnica de construção imperfeita ou inadequada, utilização de materiais inadequados, reparações mal efetuadas, ao envelhecimento natural dos materiais e à falta de manutenção. Em alguns casos, a superfície exterior da parede nunca foi revestida e nem protegida; dessa forma ela nunca foi sujeita a alterações de exposição. Mais grave é quando a parede foi revestida e o revestimento deixou de existir; a alteração de exposição pode colocar em perigo - ao longo de vários anos - a integridade da parede.

Fendilhação

As anomalias estruturais manifestam-se normalmente pela fendilhação das paredes. As fendas estruturais encontradas nos edifícios normalmente têm origem: em alterações de cargas; na ação dos sismos; em assentamentos diferenciais de apoio; em erros de execução; em causas acidentais. A baixa resistência mecânica a forças de tração, flexão e corte nas construções de terra, leva ao aparecimento destas fendas (Gomes et al. 2011). Este tipo de anomalia permite a entrada de água que, por sua vez, promove o avanço da

abertura da fenda. Neumann (1993) refere que as fendas verticais poderão também ser consequência do excesso de água no ato da compactação.

O esmagamento nas paredes de taipa decorre em muitos edifícios do facto de a estrutura de cobertura assentar diretamente na parede, resultando num excesso de carga concentrada - sendo este um dos principais erros de execução. Devido a este efeito é frequente dar-se o esmagamento da zona em causa, que muitas vezes resulta na fendilhação e desagregação em profundidade da taipa (Figura 2.6). Este tipo de anomalia deve-se à inexistência de um lintel de bordadura que permita uma eficiente repartição das cargas localizadas da cobertura (Gomes et al. 2009a). Note-se que as paredes de taipa apresentam em geral um bom comportamento a cargas de compressão. Contudo, estas não devem ser excessivas nem pontuais.

As anomalias não estruturais manifestam-se, normalmente, através de fendas de retração, provocadas pela negligência no controlo da matéria-prima ou na execução da técnica construtiva, podendo ainda ter como causa variações higrométricas, como ciclos repetidos de humidificação/secagem. Uma outra causa poderá relacionar- se com o crescimento de vegetação nas paredes de taipa, verificando-se tensões criadas pelas raízes e consequentemente a fissuração do paramento.

Figura 2.6. Esmagamento com fissuração vertical devido à estrutura da cobertura apoiar diretamente na parede de taipa: à esquerda, edificação nas Taliscas, Odemira; à direita, esmagamento com fissuração a

partir da zona de apoio da cumeeira, na localidade de Sobral da Adiça

Destacamento de revestimentos

O facto de o reboco não estar aderente à parede fará com que a ação da água possa penetrar entre estes dois elementos, criando um ponto suscetível a anomalias. A água a percorrer livremente entre o reboco e a parede poderá criar infiltrações para o interior da parede ou mesmo enfraquecimento do material, diminuindo a sua resistência. Esta situação pode levar à queda de parte do reboco e de parte da parede que esteja aderente a este. Tal facto pode tornar a taipa bastante fragilizada, e levar à degradação da zona em causa.

É usual observar o destacamento de rebocos, com diferentes níveis de profundidade, causando a degradação da parede. Este tipo de patologia deve-se a diferentes tipos de anomalias que podem ou não estar relacionadas.

Se os revestimentos forem muito frágeis, com baixa coesão, facilmente se começam a desintegrar (Figura 2.7), o que leva ao aparecimento de cavidades e à degradação, com diferentes profundidades do revestimento, que pode alcançar o suporte. Isto é causado principalmente pela perda do ligante da argamassa de reboco, por lavagem com a água. Houben e Guillaud (2006) referem que este tipo de anomalia ocorre principalmente nas áreas mais expostas da superfície da parede, como por exemplo em esquinas.

Se as argamassas forem muito rígidas e não conseguirem acompanhar os movimentos da parede, o que configura uma incompatibilidade entre materiais - das argamassas e das paredes - a aderência entre eles pode ser muito fraca, e o revestimento poderá fissurar e consequentemente destacar-se. A fissura ocorre por vezes já na espessura da parede, o que dá origem a destacamentos com maior espessura, com prejuízos que podem ser importantes para a integridade estrutural da própria parede.

Figura 2.7. Edificação de taipa em S. Domingos, com um revestimento muito frágil, apresentando baixa coesão, e denotando elevada percentagem em areia e baixa percentagem em ligante

Argamassas

As argamassas de reparação devem possuir propriedades físicas, mecânicas e químicas semelhantes às das paredes onde irão ser aplicadas, o que muitas vezes não acontece (Gomes et al. 2012a). O grande problema é assegurar a integridade a longo prazo da ligação entre a argamassa e o paramento de terra. Esta característica é muito importante assegurar e surge uma das grandes dificuldades em obras de reabilitação. Qual é a melhor e mais compatível argamassa de reparação para utilizar em paredes de taipa? Verifica-se muitas vezes que, em virtude da escolha de uma argamassa incompatível, a reparação é inadequada. A utilização de argamassas à base de ligantes hidráulicos, como o cimento (Figura 2.8 e Figura 2.9, à direita), costuma resultar em maus exemplos de intervenção, não obstante ela ter sido levada a cabo na tentativa de superar a degradação. Este tipo de argamassas é muito rígida e não consegue acompanhar os movimentos da parede. Também as resistências mecânicas destas argamassas são bastante superiores às da parede, gerando tensões que resultam na separação entre materiais.

Figura 2.8. Utilização de argamassas cimentícias numa edificação em Avis, para colmatar a degradação superficial no paramento de taipa

Muitos estudos referem que a adição de cimento não é recomendada para reparações em construções de terra (Ashurst e Ashurst 1995, Warren 1999), representando um erro colossal que poderá trazer grandes problemas a longo prazo (McHenry 1984, Walker e Australia 2001, Guelberth e Chiras 2003). Também Jiménez Delgado e Guerrero (2006) e Walker et al. (2005) desaconselham a aplicação de revestimentos ricos em cimento para aplicação em paredes de terra não estabilizada. McHenry (1984), Boussalh et al. (2004), e Walker et al. (2005) mencionam que as soluções modernas e mais correntes de argamassas, nomeadamente argamassas de revestimento de cimento, são inapropriadas para edifícios de terra, uma vez que são bastante rígidas e não favorecem a troca de vapor de água, não permitindo a evaporação da água presente nas paredes de terra. Se existir água no interior da parede, e a continuidade hídrica entre o revestimento e o suporte forem deficientes, os sais solúveis transportados por essa água podem depositar-se na interface da parede com a argamassa. Ao cristalizarem ciclicamente, os sais introduzem tensões internas que podem conduzir ao destacamento do revestimento (Faria 2005). Dessa forma, a zona de maior concentração de sais tem tendência a ficar friável e sem coesão; a argamassa ao ser percutida, soa a oco, e quando acaba por se destacar, deixa visível uma zona subjacente bastante degradada.

Para Warren (1999) o erro mais comum de ignorância é a aplicação de argamassas cimentícias em estruturas de terra; estes materiais não conseguem fazer a ligação com a estrutura da terra, uma vez que apresentam diferentes propriedades. Sofrem da desvantagem da dureza e rigidez, e como consequência, verifica-se o destacamento entre materiais (Norton 1997) e a reparação torna-se ineficaz.

Argamassas cimentícias fornecem apenas proteção temporária para estruturas com terra, mas a longo prazo apresentam-se potencialmente destrutivas. As propriedades físicas e químicas não lhes permitem aderir aos materiais de terra; além disso, agravam os problemas com a humidade (Boussalh et al. 2004).

As argamassas cimentícias e as paredes de terra apresentam também diferentes coeficientes de dilatação térmica (McHenry 1984), outro fator que leva à separação dos dois materiais. Esta situação ainda se torna mais desvantajosa quando a taipa não é estabilizada (existindo soluções onde a taipa é estabilizada com cimento) - maior incompatibilidade entre materiais.

Presença de sais

A ascensão de água por capilaridade é um fenómeno também comum nas paredes de terra crua (Figura 2.9, à esquerda), se não tiver havido cuidados aquando da construção, em termos de corte capilar. Este fenómeno é bastante prejudicial, originando inúmeras anomalias, ainda mais gravosas quando acompanhado pelo transporte de sais. Tal situação pode contribuir para a criação de cavidades nas paredes de terra, originando deficiências que se estendem até ao limite superior da zona de ascensão capilar.

Figura 2.9. Ermida de S. Sebastião em Ferreira do Alentejo: à esquerda, fenómenos visíveis de ascensão de água por capilaridade; à direita, utilização de argamassas cimentícias para reparação do paramento de taipa

A erosão nas paredes de taipa pode também ser devida à ação destrutiva de sais solúveis. Esta ação requer a presença de humidade (Gonçalves et al. 2007) e introduz tensões internas quando os sais cristalizam. De acordo com Faria (2005) e muitos outros estudos, o movimento de sais é devido ao fluxo de humidade no interior da parede, que tende a levá-los no estado dissolvido para a superfície, onde se acumulam. Ocorre frequentemente em paralelo com problemas de penetração de água - como no caso da ascensão capilar. Os ciclos sucessivos de molhagem/secagem a que os sais estão sujeitos levam à perda de coesão do material (Gonçalves et al. 2007). Segundo Faria (2005), enquanto estes sais não estiverem em contacto com ar com elevada humidade relativa ou água líquida, permanecem na forma cristalina, em equilíbrio com o meio poroso envolvente.

O processo de cristalização pode acontecer à superfície de um material poroso - na forma de eflorescências - ou no seu interior - como subflorescências. A cristalização de sais nomeadamente quando ocorre próximo da interface entre o suporte e a argamassa - revestimentos hidrófugos, por exemplo -, implica geralmente um comportamento destrutivo, podendo acelerar a deterioração dos próprios revestimentos e consequentemente o seu destacamento. Revestimentos mais absorventes, normalmente deixam atravessar os sais solúveis transportados pela água, originando eflorescências com a deposição dos sais à superfície. Esta cristalização geralmente produz depósitos cristalinos de sais alcalinos ou alcalino-terrosos: carbonatos, cloretos, sulfatos e nitratos. Também a taxa de evaporação influencia o aparecimento de criptoflorescências ou de eflorescências; quanto mais baixa a taxa de evaporação, maior será a tendência para a ocorrência de eflorescências em vez de criptoflorescências. O tipo de sal presente nos materiais é também importante, na medida em que certos sais são mais propensos a eflorescências e outros apresentam maior tendência a cristalizar no interior (Rodriguez- Navarro e Doehne 1999).

A presença de sais solúveis em edifícios antigos é muito frequente, visto estes edifícios estarem sujeitos, ao longo da sua vida útil, a contaminação com sulfatos (ambientes com elevados níveis de poluição), cloretos (ambientes perto da costa marítima) ou nitratos (materiais de construção contaminados por dejetos, ou zonas de construção localizadas anteriormente como acomodação de animais).

A ação dos sais facilita o processo de erosão. Outras causas de erosão são o impacto da chuva e do vento. A ação do vento provoca erosão também na medida em que, ao transportar areias e poeiras, atua fisicamente nas paredes de taipa com um efeito abrasivo. De acordo com Kerali (2001), esta ação torna-se obviamente mais gravosa em conjunto com a ação da água.

Presença de humidade e desenvolvimento biológico

Uma humidade relativa do ar interior elevada, mais de 70%, é identificada como uma das principais causas do crescimento de fungos e da proliferação de ácaros (McGregor et al. 2012).

A tendência atual dos materiais de construção é serem substituídos por alternativas mais sustentáveis. McGregor et al. (2012) refere Rode et al. (2005) e Padfield (1998) que consideram que uma das vias de conseguir este objetivo pode ser de forma passiva, controlando os níveis de humidade no interior das habitações com o recurso à utilização de materiais de construção porosos e higroscópicos. O material terra apresenta essa vantagem, não só pela sua baixa energia incorporada mas também pela alta capacidade de adsorção de humidade (Minke 2006). Porém, esta característica também facilita o desenvolvimento biológico, por exemplo o aparecimento de fungos (Röhlen 2012), conforme se pode visualizar na Figura 2.10. Além da temperatura e humidade, muitas vezes associadas à exposição do edifício e das suas paredes, o teor elevado de nutrientes no substrato estimula o crescimento de fungos e outras forma biológicas, o que muitas vezes poderá acontecer caso a seleção da terra não tenha sido eficiente.

Figura 2.10. Herdade de Afonseanes no Sobral da Adiça, onde se pode visualizar o crescimento de fungos na superfície da parede de taipa

De forma a identificar as principais formas de degradação e tipos de anomalias mais recorrentes em paredes de taipa foram efetuadas observações a cerca de trinta edifícios. Para esse efeito, foi elaborada uma ficha técnica

de inspeção (Figura 4.2) que permitiu recolher e registar de forma sistemática as informações mais relevantes sobre a edificação e sua envolvente. Este trabalho apresenta-se nas secções 4.2 e 4.3, e no Anexo A.