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CAPÍTULO 8 CONCLUSÕES

2. A CONSTRUÇÃO DE TAIPA E A SUA CONSERVAÇÃO

3.4. ENSAIOS DE CARACTERIZAÇÃO DAS ARGAMASSAS ENDURECIDAS

3.4.6. Dureza superficial

Para caracterizar a dureza superficial das argamassas de reparação aplicadas sobre os blocos de taipa seguiu- se o procedimento da norma ASTM D2240-05 (2010), utilizando como equipamento um durómetro Shore A, que é específico para materiais macios (Figura 3.10 e Figura 3.11, à esquerda). É de referir que esta norma foca a medição da dureza de polímeros, elastómeros e borrachas, não referindo o caso das argamassas. Contudo, este ensaio é vulgarmente utilizado para caracterizar a dureza de revestimentos (Tavares e Veiga 2007, Malanho e Veiga 2010, Borsoi et al. 2012) e avaliar a perda de coesão nas camadas superficiais (Tavares 2009).

O ensaio consiste em medir a profundidade até à qual uma argamassa se deixa penetrar através da aplicação de uma carga padronizada. O durómetro Shore A possui na sua extremidade um pino que, quandopressionado contra o material e pela ação de uma mola intrínseca, dá a indicação daresistência à penetração (tomada como medida de dureza); este valor é indicado pelo ponteiro que se move através de uma escala analógica. A dureza é assim traduzida através de uma escala com um intervalo de 0 a 100. Este intervalo é dividido de acordo com a dureza do material, classificação da resistência ou tipificação da anomalia (perda da coesão), como descrito por Tavares (2009):

(i) inferiores a 30 Shore A, materiais muito macios, resistência muito fraca, perda de coesão em profundidade (>15 mm);

(ii) entre 30-50 Shore A, materiais macios, resistência fraca, perda de coesão intermédia (<15 mm); (iii) entre 50-70 Shore A, materiais médios, resistência moderada, perda de coesão superficial (≈ até 2 mm); (iv) entre 70-87 Shore A, materiais duros, resistência normal, bom estado de conservação;

(v) superiores a 88 Shore A, materiais muito duros, resistência dura, bom estado de conservação.

Figura 3.10. Durómetro com pormenor do pino que, quando pressionado contra o material, indica a dureza superficial desse material (Adaptado de ASTM D2240-05 2010)

A norma ASTM D2240-05 (2010) refere que valores inferiores a 20 Shore A e superiores a 90 Shore A são irreais, sendo aconselhado outro tipo de durómetro para realizar a medição, consequentemente mais apropriado para materiais ainda mais macios (<20 Shore A) ou mais duros (>90 Shore A).

A escala utilizada corresponde a energias entre 550 a 8065 N.m (Malanho e Veiga 2010).

Ao realizar o ensaio verificou-se que os valores obtidos para a dureza superficial eram bastante influenciados pela rugosidade e/ou acabamento da superfície do material a medir. Verificou-se que uma mesma argamassa pode originar resultados distintos, sendo este tipo de ensaio mais fiável em acabamentos lisos. Esta discrepância deve-se ao facto de o procedimento de ensaio e, em particular, o próprio equipamento (Figura 3.10), não ser específico para argamassas mas, como já referido, para materiais poliméricos que são mais lisos. O facto de as presentes argamassas serem friáveis também se revelou problemático. Por exemplo, se entre o pino e o aparelho se alojarem partículas de material sólido (como grãos de areia) não é possível pressionar o pino e assim medir a dureza, não se verificando movimento na escala; consequentemente, o valor registado é próximo de zero, o que não corresponde à verdadeira dureza do material. A fim de contornar esta limitação do ensaio de medição da dureza superficial em argamassas, a zona a medir foi limpa com um pincel macio (removendo as partículas de areia à superfície e que pudessem prejudicar a realização do ensaio).

Uma vez que as argamassas apresentavam elevada rugosidade à superfície, foram efetuadas medições em 12 pontos distribuídos ao longo da anomalia superficial - de forma a obter um elevado número de resultados -, numa área total de 28 x 26 (cm2), como se pode visualizar na Figura 3.11, à direita. O resultado final corresponde à média aritmética dos doze pontos ensaiados em cada argamassa de reparação, sendo o valor de cada um destes pontos, a média aritmética de três medições.

Figura 3.11. Ensaio com o durómetro - Shore A: à esquerda, argamassa sujeita ao ensaio; à direita, esquema com os 12 pontos para medição

A Associação Brasileira de Normas Técnicas faz uma advertência quanto a este ensaio que confirma as observações efetuadas na presente tese: a avaliação da dureza superficial por meio de um durómetro não apresenta resultados satisfatórios quando o ensaio é realizado em zonas rugosas ou irregulares (Bezerra 2007).

À data, a sala onde o ensaio foi realizado apresentava uma temperatura de 26°C e 55% de humidade relativa.

3.4.7. Velocidade de propagação por ultrassons

A velocidade de propagação por ultrassons nas argamassas de reparação aplicadas sobre os blocos de taipa foi determinada utilizando um aparelho constituído por um módulo central, equipamento Steinkamp Ultrasonic tester BP-7 (Figura 3.12, à esquerda), que emite as ondas e regista os tempos de transmissão, em microssegundos, e dois transdutores (emissor e recetor) que são posicionados em diferentes pontos do bloco.

Para a determinação da velocidade de propagação por ultrassons foram utilizados o método de transmissão indireta (em que os transdutores estão colocados na mesma face) e o método de transmissão direta (com os transdutores colocados em faces opostas, em geral só possível em laboratório). O procedimento de ensaio foi baseado na ficha de ensaio Pa 43-1 (LNEC 2010).

O procedimento de ensaio para o método de transmissão indireta (Figura 3.12, ao centro) é o seguinte:

(i) marcam-se 10 intervalos de igual dimensão (Figura 3.13, à esquerda), cada intervalo apresenta uma distância de 1 cm;

(ii) coloca-se o transdutor-recetor no zero e o transdutor-emissor é colocado sucessivamente em cada um dos limites dos dez intervalos;

(iii) em cada ponto é medido o tempo de transmissão (microssegundos), processo repetido três vezes; o resultado final consiste na média aritmética das três medições efetuadas;

(iv) os transdutores devem ser colocados de modo a fazer um ângulo de 45º com a superfície do bloco.

No método de transmissão direto (Figura 3.12, à direita) o transdutor-emissor e o transdutor-recetor são colocados na mesma posição mas em lados opostos do bloco. Foram realizadas medições em 11 pontos (Figura 3.13, à direita). As restantes etapas, referidas em (iii) e (iv), são idênticas.

Figura 3.12. Ensaio de ultrassons: à esquerda, aparelho de ultrassons modelo Steinkamp ultrasonic tester

A velocidade de propagação (Vus) das ondas é determinada:

(i) no método de transmissão indireta: pelo traçado de um gráfico que expressa a distância entre transdutores (mm) em abcissas, em função do tempo de propagação das ondas (microssegundos) em ordenadas, determinando a linha de tendência; o inverso do declive dessa reta é uma aproximação da velocidade de propagação das ondas;

(ii) no método de transmissão direta: para cada leitura, pelo quociente entre a distância entre transdutores (m) e o tempo de propagação da onda (segundos).

Figura 3.13. Ensaio de ultrassons: à esquerda, esquema com os 10 pontos para utilização no método de transmissão indireta; à direita, esquema com os 11 pontos para utilização no método de transmissão direta

Através do resultado obtido pelo método indireto é ainda possível determinar o módulo de elasticidade dinâmico por ultrassons (Edus), avaliando a compacidade e a rigidez da argamassa de reparação aplicada, sendo este parâmetro calculado através equação [3.20], onde: vus é a velocidade de propagação (km/s),  é a massa volúmica aparente (kg/m3) e k é uma constante que depende do coeficiente de Poisson [3.21].

MPa

k v Edusus2 [3.20]

Nas argamassas cujo coeficiente de Poisson () seja desconhecido, recomenda-se a atribuição de um valor aproximado de 0,2 (LNEC FE Pa 43.1 2010), não se mencionado qual o tipo de material utilizado na argamassa. Neste trabalho foi atribuído um coeficiente de Poisson de 0,2.

      MPak        1 2 1 1 [3.21]

O ensaio foi realizado em três dias consecutivos, nos blocos BAv, BPD e BVC; a sala onde o ensaio foi realizado apresentava uma temperatura média de 25°C com uma humidade relativa entre os 43-68%.

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4.

ESTUDOS DE CASO

Neste capítulo analisam-se as características do material utilizado na taipa de seis construções existentes, comparando os valores experimentais obtidos para diversas propriedades-chave dos solos com os valores-limite indicados na bibliografia. Discute-se também a aplicabilidade dos métodos de ensaio indicados nessa bibliografia ao material colhido nos seis estudos de caso. Conclui-se que a generalização de um tipo de terra ideal para a técnica construtiva da taipa parece um objetivo difícil de atingir, correndo-se o risco de estabelecer regras redutoras. Contudo, a validação de requisitos a nível regional, ajustando-os com as especificidades dos materiais locais, afigura-se um caminho mais razoável.

Foram ainda analisadas as anomalias patentes nas paredes de taipa, verificando-se que a mais corrente é a desagregação superficial que, pontualmente, pode chegar a níveis profundos.

4.1. INTRODUÇÃO

Entre as técnicas de construção de terra, a taipa é uma das mais importantes, tanto na construção vernacular como na arquitetura com terra contemporânea. Apesar da aparente sensibilidade do material terra, a taipa permite obter construções que, se sujeitas a uma adequada manutenção, apresentam excelente durabilidade. Existem na literatura muitas referências (Heathcote 1995, Hall e Djerbib 2004b, Jaquin et al. 2008, Hall e Allinson 2009a, Bui et al. 2009) a antigos edifícios em taipa com bom desempenho, que ainda se encontram habitados e em bom estado de conservação. Também em Portugal se regista a existência de um vasto património arquitetónico vernacular e também monumental em taipa (Correia 2007, Fonseca 2007, Mestre 2007, Bruno 2011, Fernandes 2013).

Mas a utilização desta técnica requer a existência de solos adequados, sendo necessário por vezes a sua correção. A seleção e a preparação do material apropriado na taipa é uma etapa crítica para o bom desempenho desta técnica (Walker et al. 2005).

Tradicionalmente, a taipa era utilizada em zonas onde os solos tinham um teor de argila demasiado baixo para ser adequado à produção de adobes e/ou não havia abundância de água para a produção destes. Na verdade, a escolha de uma ou outra técnica de construção com terra sempre foi baseada num conhecimento empírico relativamente aos materiais locais e às suas potencialidades. É comummente aceite que o solo a ser usado em taipa deve apresentar uma elevada percentagem em areia, com quantidade suficiente em argila para esta agir como ligante; argila em excesso pode dar origem a problemas de fissuração devido à expansão volumétrica, característica deste material.

Não se sabe, contudo, até que ponto as atuais especificações existentes a nível internacional para construção de taipa poderão contribuir para a obtenção de edifícios com boa durabilidade em condições regionais específicas, nomeadamente nas do Alentejo, zona dos estudos de caso abordados nesta tese. Esta foi uma das questões a que se procurou dar resposta neste capítulo, com base na análise de seis edifícios reais. Os seis casos foram selecionados a partir de um levantamento de cerca de trinta edifícios, levado a cabo com base numa ficha técnica de inspeção de obra realizada para este efeito. O trabalho permitiu caracterizar o estado de conservação dos edifícios visitados, bem como observar e analisar as principais características de degradação dos edifícios de taipa no Sul de Portugal, na região do Alentejo.

Foram alvo de estudo mais detalhado seis edifícios localizados em (Figura 4.1): Monte das Covas, Valongo - Avis (Av); Monte do Pá Danado, Taliscas - Odemira (PD); Monte Val Chaim, Taliscas - Odemira (VC), Monte Se Deus Quiser, Corte Zorrinha - Almodôvar (CZ); Herdade da Afincerna, Colos - Ourique (Cl) e Arraiolos (Ar). As designações que irão ser atribuídas aos seis edifícios selecionados a partir deste momento referem-se ao nome da localidade ou herdade para mais fácil compreensão das siglas.

Procedeu-se à caracterização da terra utilizada na taipa dos seis estudos de caso através de ensaios em laboratório, sendo os resultados obtidos comparados com as recomendações disponíveis a nível internacional.

A escolha dos ensaios a utilizar teve em conta as recomendações dos documentos internacionais analisados. Esta caracterização é também uma oportunidade para dar a conhecer a realidade da construção de taipa em Portugal, numa amostragem pequena mas real, diversa e, de algum modo, representativa.

Figura 4.1. Localização geográfica dos seis edifícios em taipa não estabilizada no Alentejo, Portugal, onde foi efetuada a recolha de material para caracterização da matéria-prima

Esta foi, assim, também uma oportunidade para analisar a bibliografia existente, que é surpreendentemente escassa, no que se refere à discussão das principais características que um solo deverá apresentar para garantir o sucesso da técnica da taipa, bem como à definição de valores-limite adequados. Como se verá, diferentes documentos apresentam diferentes propriedades fundamentais e diferentes valores limites para essas propriedades. Ciancio et al. (2013) também chegaram à conclusão que alguns valores limite apresentados em documentos e normas devem ser tomados como prescritivos e não como regras rígidas, não estabelecendo padrões. O trabalho efetuado incorporou a análise de dois levantamentos bibliográficos prévios sobre documentos normativos internacionais: Jiménez Delgado e Guerrero (2007) que realizaram pesquisas de documentos relativos à caracterização das principais propriedades do solo para a construção de terra; e Cid et al. (2011) que elaboraram uma análise ainda mais completa do panorama normativo sobre construção de terra.

O trabalho que se apresenta neste capítulo teve como objetivos principais e metodologia:

(i) caracterizar os processos construtivos, estado geral de conservação, e principais formas de degradação das paredes de taipa dos mais de trinta edifícios inspecionados; selecionar alguns destes edifícios para servirem como estudos de caso da tese;

(ii) identificar na revisão de documentos normativos, documentos de referência internacionais, artigos e livros sobre construção de terra (efetuada na secção 2.3), onde se enquadra a caracterização experimental,

Av Ar Cl PD VC CZ

efetuada neste capítulo, da matéria-prima recolhida nas paredes de taipa dos estudos de caso selecionados, bem como os respetivos procedimentos de ensaio e eventuais valores-limite;

(iii) discutir os resultados experimentais obtidos à luz das recomendações encontradas nos documentos normativos estudados; referindo-se os resultados experimentais a construções reais que se pode considerar terem tido desempenho positivo durante a sua vida útil, será assim possível fazer também uma avaliação crítica das recomendações normativas, tanto em termos dos valores-limite propostos, como em termos dos métodos de ensaio indicados.